“Você tá todo arranhado!” Mine assustou-se e se aproximou de Addai, ajudando-o a se levantar.
Addai mastigou algumas palavras até que conseguiu balbuciar alguma coisa. “I-isso é...” mas não conseguiu encontrar algo concreto a se dizer.
“Vamos para a enfermaria antes que os cortes fiquem infectados,” Mine agarrou a mão de Addai e a sacolinha de papel. “Umbra, venha,” e a gata pulou em seus ombros.
Addai estava perplexo.
Umbra fitou seu dono.
Addai fitou-a de volta.
Umbra sorriu daquele jeito esquisito se novo.
Addai ficou incrédulo.
Ele foi traído por sua companheira de maior confiança!
Mine saiu arrastando o outro professor até a enfermaria mais próxima que, naquele dia, estava fechada. Porém, Mine tinha a chave já que era a enfermaria do seu departamento e ele guardava algumas plantas medicinais lá.
Até chegarem na tal enfermaria, a dupla- ou melhor, trio, andou pelos corredores largos e altos do prédio de Mana Puro. As paredes eram repletas de detalhes minuciosos e feitos com notável delicadeza e precisão, imitando ouro no meio do fundo de mármore bege e branco. Os corredores eram inspirados nos lendários corredores do Reino dos Céus, mas com toques mais-que-humanos nas plantas que o centro acadêmico fez questão de cultivar.
O prédio era a maior instalação da universidade, ficando atrás apenas do Centro de Herbologia. Dentro dele, havia diversas seções e departamentos relacionados com o tipo de mana, como o Departamento das Divinações e Divindades, Escrita Mágica, Pergaminhos Encantados e Transfiguração, entre outros. Não só o prédio em si atraia atenção, mas também as estruturas anexas à ele como a Sala de Orações, a Capela com seus instrumentos próprios e a enfermaria ao lado da sala de equalização (um anexo da capela).
A enfermaria era modesta, contando com apenas três leitos disponíveis. Além disso, havia uma mesa de consulta, armários de remédios e utensílios, um frigobar, a secretaria apertada, um sofá e uma estante com livros grossos. Os mínimos detalhes – como o cheiro de látex das luvas no armário, o álcool de higienização e as pomadas – passaram despercebidos pelo professor que vasculhava a gaveta em busca de algodão e um frasco de antisséptico.
“Onde eu coloquei...?” Mine coçou seu queixo, tentando lembrar-se onde havia colocado o frasco de antisséptico que ele usou da última vez.
“Você usou recentemente?”
“Sim... meus dedos estavam... você sabe,” Mine puxou a última gaveta e sorriu largamente. “Achei! Vem aqui, vamos lavar isso primeiro.”
Cada respingo de água era uma descarga elétrica de voltagem diferente, mas Addai – talvez pela experiência em receber arranhões de sua gata – lavou bem seus braços com água e sabão na pia. Enquanto isso, Mine pegava o que precisaria para cobrir os arranhões mais profundos e, para isso, achou curativos e uma pomada com aroma de menta.
“Sente-se no sofá,” Mine pediu e Addai assim o fez. “Desculpe por não conseguir curá-los com magia...” ele se desculpou, pegando o algodão embebido de algo que certamente arderia ao encostar nos machucados.
“Não esquenta. As unhas de Umbra são resistentes à magia- Ah, deixa que eu passo,” Addai interrompeu o trajeto que o algodão com o líquido amarelado ia fazendo até chegar no seu braço. “Deixa que eu passo porque algo me diz que você vai ser impiedoso.”
“Como adivinhou?” Mine provocou, rindo baixinho em tom malicioso.
“Digamos que sei identificar padrões bem rápido,” Addai piscou e Mine lhe entregou mais algodões e o antisséptico.
Mine notou que seu colega se segurou para não tremer ou afastar o braço enquanto franzia a testa e grunhia quando o algodão deslizava em sua pele arranhada. Examinando cada arranhão, Addai aplicou a pomada nos arranhões mais profundos e colocou as bandagens por cima.
Umbra se aproximou de mansinho e cheirou o curativo, espirrando logo em seguida.
“Não tem um cheiro bom, né?” Addai riu baixinho e tentou acariciar sua gata, que desviou e miou melancolicamente.
Ah... então sua companheira fiel podia sentir culpa...
“Ei...” Addai chamou a gata, que o fitou com os bigodes tristonhos. “Eu não vou deixar de te amar porque você regaçou meus braços. Não precisa ficar triste, ok?” ele a pegou nos braços e Umbra miou baixinho. “Viu? Eu ainda te amo,” ele beijou a ponta do nariz de Umbra.
Essa frase parecia dançar nos lábios de Addai enquanto ele acariciava afetuosamente sua gata entristecida e ronronante em seu colo. O contraste em seu comportamento era cômico, senão trágico.
A pessoa em questão muitas vezes exibia uma cara fechada, um comportamento hostil e tendia a usar uma linguagem áspera e amarga; mas, outras vezes, Addai era doce e gentil, com a testa relaxada e os lábios exibindo sorrisos e covinhas apesar de suas palavras ainda carregarem acidez no meio da doçura.
Mine deixou sair um breve suspiro ao ver a dinâmica entre dono e gata.
“Você a ama, né?” Mine sorriu.
“Sempre,” Addai sorriu de volta inconscientemente e esfregou o rosto em sua gata ronronante. “Ela é a minha única família- ah! Umbra!” ele riu enquanto a gata lambia seu queixo com sua língua áspera.
Mine encostou na mesa perto do sofá e sorriu para a gata, que parecia muito contente. “Viu, Umbra? Esse bruto é capaz de amar, então... cuide bem dele!”
“Miau!” Umbra estremeceu seus bigodes.
“Claro que sou capaz de amar...” Addai resmungou, acariciando a cabeça da gata.
“Só é um pouco bruto.”
“... >:( ” Addai franziu a testa.
Enquanto Mine foi arrumar os armários que havia bagunçado, os olhos de Addai começaram a escanear seus arredores. Ele observou as pinturas de flores serenas e as paisagens abstratas e oníricas penduradas nas paredes, dando cor à tintura alva. Tudo era imaculado e arrumado – exceto o armário que Mine ainda arrumava.
Umbra já havia se acomodado em seu colo e não parecia querer sair dali tão cedo, já que ronronava tão alegre e satisfeita após amassar pãozinho. Addai acariciou suas orelhas e dorso, do qual fez com que a gata se espreguiçasse preguiçosamente. Sua gata não era muito exigente quanto aos locais em que devia fazer carinho, então seu dono deslizava sua mão sob a pelagem macia e perfumada – o cheirinho característico de gato com notas de farinha e massa de biscoitos para gatos.
Os olhos de Addai ainda percorreram mais detalhes da sala até ele se lembrar que a sacolinha de papel ainda estava na mesa, agora limpa. Addai engoliu seco e, sentindo suas orelhas ficarem vermelhas, hesitou algumas vezes antes de finalmente abrir a boca.
“Você... gostou dos biscoitos?”
Mine levemente franziu o cenho. “O quê?” ele virou-se para Addai, segurando uma bola de algodão bagunçada.
Uma certa vermelhidão percorreu as bochechas de Addai e suas mãos inconscientemente começaram a se mexer.
Addai suspirou e perguntou mais uma vez. “Você gostou dos biscoitos?”
“Sim! Eles são os melhores que já comi,” Mine sorriu alegremente, mas logo sua expressão mudou. “Espere- ah! Umbra roubou de você, não foi?” e pegou a sacolinha, pronto para devolvê-la para Addai.
Addai ergueu a mão e sinalizou negativamente com a cabeça. “Eu que os fiz,” ele deixou escapar e seus olhos já estavam desfocados. “Mas... eles não foram roubados... eles são pra... você. Eu os fiz pra você.”
Dessa vez, Mine que ficou vermelho.
Ele não pôde deixar de admirar o trabalho artesanal meticuloso das decorações e embalagens. Aqueles biscoitos eram tais como obras de arte em miniatura e deliciosas. Sua atenção logo voltou-se para Addai, que parecia ter uma “alergia a contato visual” momentânea.
Um sorriso caloroso levemente foi desenhado nos lábios de Mine. “Obrigado.”
“Hm,” Addai assentiu, ainda evitando contato visual.
“Talvez com isso você pagou por todo trabalho que me deu. Além disso, se você quisesse me envenenar, ia conseguir sem esperar muito porque eles estão deliciosos.”
“Envenenar você... Hmpf,” Addai resmungou baixinho, ainda evitando contato visual.
Mine sentou-se ao lado de Addai, cujos olhos se arregalaram um pouco, mas ainda evitava contato visual.
“Gostei muito deles, mas você teve um trabalhão pra fazê-los então...” Mine abriu a sacolinha, “Aqui, vamos compartilhar,” ele sorriu.
“M-Mas eles são pra você-” Addai tentou dizer, mas Mine pousou o dedo indicador em seus lábios, mandando-o calar-se.
“Eu sei, mas já que são meus... posso fazer o que quiser, então...” Mine abriu uma das mãos de Addai e colocou um biscoito nela. “Eu escolho compartilhar.”
“... ok,” Addai assentiu, ainda evitando contato visual.
Umbra aninhou-se em seu dono, coincidentemente tirando as migalhas dos biscoitos de seu colo – a gente sabe que ela estava comendo-os. Addai riu quando a língua áspera de Umbra encontrou um biscoito de limão e ela imediatamente espirrou.
“Bora dar um passeio?” Mine olhou para Addai.
“O qufê?” Addai fitou-o, com a boca cheia de biscoito de chocolate branco.
“Olha só!! Sua ‘alergia a contato visual’ desapareceu!” Mine provocou.
“... >:(” Addai franziu a testa.
“Ha ha ha ha!! Vou para de incomodar você por enquanto,” Mine riu e cutucou as costelas de Addai. “Ah, preciso encontrar meu primo... ele deve ter terminado o teste. Cê vem comigo?”
“Eu tô horrível!”
“Olha só... o Grande Addai se preocupa com sua roupa,” Mine brincou e cruzou os braços.
“É CLARO!! Eu tô usando meu visu de ‘mendigo’! E se um aluno me reconhecer?!”
“Eu tô brincando...” Mine riu de novo.
“... >:(” Addai franziu o cenho novamente
Por detrás das sobrancelhas apertadas, ele parecia maquinar alguma coisa que deixava suas bochechas levemente salpicadas do tom quente de um blush natural.
“O que foi?” Mine sorriu.
“Vamos... vamos sair num lugar legal algum dia,” Addai reuniu coragem o suficiente, mas suas bochechas denunciavam o que seus olhos tentavam pifiamente esconder.
Mine dedilhou a textura lisa e fria da mesa e fitou Addai novamente. “Claro, mas... eu escolho o lugar. Preciso ficar em quites depois desses biscoitos deliciosos então... deixa que eu escolho um lugar legal, ok?”
“... Tudo bem,” Addai assentiu, sentindo suas bochechas cansadas de tanto corar. “Umbra! O que você tá tentando comer aí?!”
Umbra tentou comer um pedaço de algodão, mas graças à rapidez de seu dono e de Mine ao segurar a gata... seu lanchinho não muito digestível não foi engolido...
... e Addai ganhou mais alguns arranhões.
Comments (0)
See all