- Mas você precisa ficar aqui, Lu! Quem vai nos proteger se você não estiver? - Lilly falou, num tom emburrado.
- Os outros membros da equipe principal são muito fortes, Lilly. Pode confiar neles também. - Quando entrei, o garoto indicou que eu sentasse no sofá, ao seu lado.
- Mas, Lu, o bruxo vive apanhando, aquele que vive em missão é todo esquisito e o cara alto me dá medo! - Lilly gesticulava a cada palavra que dizia.
“Noah, Robbie e Aki… Ele não decorou o nome de ninguém mesmo de tantos anos?”, eu pensei, rindo.
- Ah, mas, deixando isso de lado, Lu, você não vai acreditar no que aconteceu! - Lilly chegou a se levantar de empolgação. - Ontem eu fui salvo por uma garota com super poderes!
“Salvo?”, eu franzi as sobrancelhas. Olhei Mallory de relance, na cozinha. Ela mexeu os ombros como se também não entendesse do que Lilly estava falando.
- Como assim? - Eu perguntei, demonstrando o mínimo de preocupação possível.
- Ontem eu tive uma aula extra na escola, sabe? Daí fiquei lá até um pouco mais tarde! A tia Mallory sempre me busca no horário certo mas, daquela vez apareceu um homem, mais cedo, dizendo que iria me levar para casa no lugar dela. - Lilly fez uma careta, demonstrando nojo. - Ele era meio familiar mas, como não era a tia Mallory e não carregava o símbolo do cervo então eu não quis ir com ele! Só que ele falou uma coisa estranha para a diretora, então ninguém acreditou em mim quando eu disse que não o conhecia…
- Lilly… - Eu segurei os ombros do mais novo, que ainda estava meio hiperativo, para que prestasse atenção. - O que ele falou?
Senti meu coração disparando, já pensando na resposta que Lilly daria.
- Ele disse que era meu pai! E a diretora acreditou porque ele tinha o mesmo sobrenome que eu! - Lilly disse, de forma completamente inocente.
“Larck”, eu pensei. Lilly, na verdade, se chama Liam Larck. Mas não é o único que carrega esse sobrenome…
- Daí a diretora disse que eu deveria ir com ele e parar de causar problemas. Então, eu vi o homem! Era um velho esquisito com o cabelo estranho e um cheiro ruim. - Lilly cruzou os braços e franziu as sobrancelhas falhadas. - Ele queria que eu entrasse no carro dele, mas eu não o conhecia! Se fosse alguém da cidadela eu saberia! Então, comecei uma confusão e uma garota me ajudou!
“John Larck encontrou Lilly primeiro…?”, a pergunta martelava minha mente, quebrando todas as paredes que me tornavam forte. Um medo crescente surgia no fundo da minha alma.
- Que garota era essa…? - Foi a última pergunta que consegui formular.
- Ah, ela era estranha, mas tinha poderes, com certeza! O homem estranho tentou assustá-la mas ela não recuou! Chegou até a tentar bater nela, mas ela usou o poder da mente para fazê-lo fugir!
A inocência de Lilly fez enxergar aquela história como um conto de fadas. Ele não faz ideia do verdadeiro perigo que correu naquele momento. Mas havia algo que não se encaixava… Será que era realmente John Larck? É o único que sei que viria atrás de mim ou de Lilly mas…O que aconteceu para que Lilly não o reconhecesse?
Se realmente for ele, alguma coisa estava diferente em John e isso piorava ainda mais o nosso problema.
Só eu e Lilly poderíamos reconhecer ele, então, se Lilly não o reconheceu, será que eu o reconheceria?
- O importante é que você está bem. - Deixei um longo suspiro de alívio escapar enquanto abraçava a criança novamente. - Estava certo em não ir com quem você não conhece. Na verdade, mesmo que carregue o símbolo do cervo, se não conhecer a pessoa, não aceite nada vindo dela.
- Entendido, Lu. - Lilly disse, como um pequeno soldado.
Se o homem que tentou levar Lilly era realmente John Larck, então ele está mais próximo do que parece. Aquilo fez com que eu soasse um alerta vermelho e começasse a colocar em prática o plano de segurança que já estava em minha mente antes.
Mais tarde, antes de ir embora da casa de Mallory, avisei que Lilly deveria evitar ir à escola até que encontrássemos John Larck. Mesmo que isso o prejudique de alguma forma, é melhor do que ser pego por aquele homem de novo. De qualquer forma, Lilly não pareceu se importar, na verdade até ficou animado, como se eu tivesse decretado férias de repente.
Parei a moto antes de sair da cidadela após encontrar Noah passando por uma das casas. Provavelmente estava procurando Hazel, a melhor quando se trata de concluir missões de resgate.
- Ei, Noah. - Parei próximo dele, para conversar melhor. - Você também vai ao festival?
- Hm? Que festival? - Noah ergueu uma sobrancelha. - Com tanta coisa acontecendo e você ainda vai sair para passear?
“Aki não o convidou? Mas eles estão quase sempre juntos”, pensei.
- É uma coisa importante. De qualquer forma, te vejo mais tarde. - Foi melhor ter fingido que não disse nada e simplesmente sair.
Então, significa que Aki só convidou a mim? Isso significava que eu tinha um motivo ainda maior para comparecer.
Para desencargo de consciência, decidi aumentar a segurança da cidadela o máximo possível.
Quando os pneus da minha moto marcaram o solo fora da barreira protetora, eu parei novamente.
Era um tipo de poder que eu não estava acostumado a usar já que nem sempre funcionava como eu queria, mas esta era uma ocasião importante demais para eu me importar com isso.
- Subam. - Eu falei, olhando a terra por entre as árvores ao redor.
Partes do solo começaram a tremer. Um grunhido estranho era ouvido enquanto criaturas surgiam emergindo da terra. Monstros.
Algumas formas bestiais revestidas de espinhos e pelos em tonalidades frias surgiram. Metade humanoide, metade algum animal desconhecido. As bestas com olhos vazios e presas molhadas por conta das bocas que não paravam de salivar, ansiando por estraçalhar a primeira criatura que aparecesse.
Bestas infernais. Criaturas vazias e sem qualquer tipo de consciência apenas criadas para se espalharem e destruírem.
- Não devem ferir nenhum que sair desta barreira. - Eu disse, olhando os monstros ao redor, que voltaram sua atenção para mim. Os olhos, de repente, brilhantes, como se tivessem encontrado um alvo ou, talvez, um líder. - Mas qualquer um que vier de fora…- Algumas das criaturas se aproximaram lentamente, compreendendo cada palavra que eu dizia. - …estraçalhem.
Quando as bestas infernais ouviram a última palavra, entraram em frenesi. Algumas corriam de um lado para o outro, outras se deitavam para esfregar as costas na terra, e todas emitem um som estranho como se fosse um cão uivando.
Normalmente não me forço a interagir com esse tipo de criatura. Eles geralmente dão mais trabalho do que ajudam, mas, nesse caso, a presença deles vai afastar qualquer ameaça de fora e, mais importante: as bestas voltariam ao inferno no amanhecer.
Tudo estava indo conforme o planejado. Agora só preciso ir ao festival.
Quando estava saindo da cidadela, Aki havia me enviado uma mensagem com o endereço de onde ocorreria o festival. Não era muito longe do restaurante onde eu trabalho, então o caminho já era conhecido.
Como eu ainda tinha um pouco de tempo, parei no apartamento que divido com Ed para colocar roupas mais comuns mas, quando abri a porta, levei um leve susto.
- Porra, como você entrou?! - Eu disse, num reflexo.
Alister estava sentado na sala, em uma das poltronas, olhando a TV que, com certeza, estava julgando ser pequena demais.
- Como você consegue viver aqui? É um lugar tão pequenininho, tão pobre… - Alister não parava de olhar em volta, quase ignorando minha presença. Sua expressão era extremamente confusa. Realmente estava desacreditado com o quão pobre eu sou.
- Eu não sou tão espalhafatoso quanto você, Alister…- Eu disse, revirando os olhos e entrando no apartamento.
Aparentemente, para Alister estar ali, significava que Ed estava fora, então tudo bem não atuar.
- Tem certeza? Seu cabelo é azul e rosa. - Alister olhou em minha direção, ergueu uma sobrancelha e soltou uma risada anasalada.
- Me expressei mal. - Eu concluí. - Mas o que está fazendo aqui?
- Ah, eu fiquei sabendo que você vai ao festival.
Ele se levantou, estava praticamente agachado para se sentar na poltrona. É em momentos assim que eu me dou conta de que Alister é mais alto que Aki, então teria que olhar para cima para falar com ele.
- Aki também te convidou? - Eu perguntei.
- Claro que não. Desde quando Aki convida alguém para algum lugar? - Ele ergueu uma sobrancelha e sorriu de canto. - Ou melhor, desde quando ele convida alguém, além de você?
- O que quer dizer com isso? - Eu franzi as sobrancelhas, confuso.
- De qualquer forma, como sou eu quem paga as aulas de música de Aki, é óbvio que eu sei que ele iria se apresentar neste festival hoje e, como sou inteligente e extremamente observador, é claro que também sabia que ele iria te convidar. - Alister virou-se e desfilou até a mesa da sala. Eu não havia notado que ali havia uma caixa, esta que o demônio albino pegou em mãos. - Por isso me preparei.
- E o que é isso? - Confesso que olhei com certo desdém. Alister sempre foi muito excêntrico então, quando ele não acertava em cheio sobre que roupa comprar, ele errava terrivelmente. Infelizmente este gosto para roupas exóticas começou a infectar Frost, também…
Por fim, Alister abriu a caixa.
- Ta-dah! Um kimono! - Ele esticou a veste feita de seda a minha frente para que eu visse.
Um tecido negro como a noite sem estrelas, estampado com uma sequência de higanbanas num tom turquesa que se destacava. Além disso, parecia extremamente confortável.
“Droga, ele acertou de novo”, eu pensei, dando o braço a torcer.
- Conseguiu esse kimono só porque deduziu que eu seria chamado para o festival? - Eu perguntei, cerrando os olhos, suspeitando da resposta que Alister daria.
- Mas é claro. - Ele disse sem pensar duas vezes. - Vista-se logo que eu te levo até o local. O festival já deve estar para começar.
Ele entregou-me a caixa e andou até a porta, apressado, abaixando a cabeça ao passar pelo portal. Me veio à mente o fato de que nunca vi Alister se abaixando para passar pelas portas da própria mansão.
- Ei, Alister. - Eu o chamei antes que ele fosse para o elevador. Ele voltou apenas para olhar pela porta. - Você é mais alto que Aki…Qual a sua altura?
- Ah, tenho 2,05 de altura, mas por que a pergunta?
“As portas da mansão dele são feitas sob medida?!”, eu pensei. Mais um fator que me fez imaginar o quão rico Alister é.
- Só curiosidade. - Eu disse enquanto recolhia toda a minha insignificância financeira e ia me vestir.
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