CAPÍTULO QUATRO: Olhos do julgamento.
Lembro-me da vida antes daquilo, eu e Dai costumávamos ter o que precisávamos, não podíamos ter o que queríamos pelo dinheiro que faltava, mas desde que ela foi tirada de nós, eu e meu irmão passamos a roubar a caixinha da igreja e bater carteiras, era o único jeito de arrumar dinheiro, um dia, o padre nos pegou tirando as moedas e notas de dentro da caixa, ele nos repreendeu com um pedaço de pau, e anunciou na igreja, desde aquilo, não só os fiéis nos olhavam diferente, mas a cidade, o burbúrio se espalhou rápido e agora tínhamos olhos cheios de julgamento nas nossas costas. A vida ainda podia ser considerada fácil antes daquilo, quando invés de termos sidos pegos pelo padre, fomos pegos pelos policiais, que fizeram uma porra de “revisão de comportamento” e nos mandaram pra um reformatório.
Diante do terror daquele lugar condensei uma melancolia viciante, que decorava aquele inferno, não tinha medicamento, nem comida, no meio da madruga era eu e ferro pra erguer, “trabalha, filho”, ainda ouço os berros e não consigo dormir. Mergulhei na ideia de guardar o que eu sentia e ergui um triste castelo pra me defender.
Ao contrário de mim, meu irmão aumentou sua ira, toda noite a merda de um plano diferente como um personagem vil de quadrinho, minha tristeza era um escudo impenetrável, uma barreira que parava qualquer invasão, seu ódio uma arma que rasgava qualquer coisa, uma flauta que hipnotizava qualquer cobra. Eu, por consequência, fui junto nessa, na noite mais barulhenta do internato, escapamos e na tarde do dia seguinte encontramos um cantor de jazz forasteiro que ia para Nova Iorque, mas acabou desistindo da ideia quando o levamos num ato de caridade à estação do Corredor Nordeste, nos entregou as passagens e disse, “podem ir no meu lugar”, Dai no começo detestou a ideia, mas quando chegou lá, viu que ficar longe de Washington era o melhor, se não, nos mandariam de volta pro internato, ademais os Nova Iorquinos são mais fáceis de roubar. Sei que a coroa detestaria isso e não aceitaria desculpa nenhuma, portanto, hoje em dia estou feliz que ela tenha morrido rápido, com um tiro entre os olhos, e não de tristeza. Uma mãe com desgosto de seus filhos, não é algo que eu queria pra mim, e ela com certeza sabia disso, não é? Senhorita Koharu.
-Dilan, porra!
-Sim senhor.
Dai e Dilan partiram em disparada à próxima sala, me deixando sozinho com Café, e a estranha.
-Vai pra trás dela - Sussurrou Cafezão, Mona estava se recuperando da porrada que tomou na cara, ainda grunhindo, era engraçado ver, não minto, ela disse com tamanha confiança que qualquer golpe não funcionaria nela por conta da habilidade dela, isso tornou as coisas bem hilárias. Logo corri enquanto ela se levantava.
-Filho da puta. - Resmungou, já quase em pé.
Eu comecei a abrir mão da melancolia há pouco, nunca consegui isso antes, ignorar o julgamento, e abraçar a vida nova sempre foi difícil, as coisas não estavam ruins, mas agora, os mesmos olhos do julgamento me fitavam dos pés a cabeça como no passado, por cima do ombro, cheios de arrogância, vindos de uma vadiazinha musculosa, impiedosa e criminosa. Já em pé, olhei com mais cuidado pra ela, tem um corpo violão que faz questão de mostrar, só pode ter sido essa a intenção com as roupas. E uma baita duma bunda, talvez Mona seja meu tipode mulher. Eu não vou conseguir focar em espancar essa mulher assim.
-Hum. - disse me olhando daquele jeito. - Impressionante, hum. - Ela ditou, naquele mesmo tom maldito, já virada pra Café, mirei a metralhadora na nuca dela e fiquei, mantendo a mira encaixada.
-Você deu um nome pro seu também, que nem o Dai, aqui o meu. - Os punhos de Café ficaram com um campo de força de tonalidade azul escura envolvendo. - “Mega death” é o nome que se dá quando ocorre um milhão de mortes num só evento, então tá aqui, nessas auras, o que te acertou naquela hora não foi um soco, foi uma onda de choque. Megadeth, o nome que eu dei pro poder do terremoto em volta do meu punho
-Devo admitir que eu não esperava que isso fosse acontecer, mas por mais que você me acerte agora, eu me regenero, viu? O nariz que estava sangrando já está normal de novo. Hum?
De fato está normal, é uma habilidade bem filha da puta.
-Ótimo, sinal que vou poder te bater por mais tempo.
Os dois estavam longes um do outro, se encarando, o recinto em silêncio, é uma situação tensa, mas Mona avança, correndo com a postura curva, numa velocidade que eu não sabia nem que era possível de se correr, e ela desfere um ataque, com as unhas, tentando arranhar o Café no rosto, mas ele reage, mesmo com aquela velocidade dela, eu imagino que por conta do seu treinamento de boxe, ele tenha uns reflexos fodões, desviando com a cabeça pra trás ele contra-ataca com um gancho de direita, e ela, com um reflexo tão impressionante quanto, desvia jogando a cabeça e o corpo todo pra baixo, e respeita o contra-ataque na mesma intensidade se jogando de cabeça na boca do estômago de Café. Ela o abraça e cai rolando com ele no chão, parando acima dele, o corpo dela invade o abdômen dele, se conectando ao quadril, como naquela vez em que a vimos misturada no poste. Na intenção de arranhá-lo de novo, as unhas dela se esticam, e enrijecem, Café subitamente move a coluna com tudo pra cima acertando uma cabeçada, mas ela continua com a conexão e acerta o arranhão no peito, as quatro unhas entram inteiras na pele, e ela puxa rasgando ele e a camiseta branca já deixando uma mancha, ela entra na mesma postura de novo, ela quer despedaçar ele inteiro, não vou deixar
-Para!! - Eu saio correndo na direção deles, largando a metralhadora, e pulo a agarrando no braço segurando ele com meus braços, tentando a imobilizar, mas ela é muito mais forte e me levanta com o braço dela.
-Me larga, xicano, me larga!! - Começou a balançá-lo de um lado pro outro, e veio com a outra mão fazendo “dois” com suas duas unhas pontudas dos dedos do meio e indicador, ela finca meu braço, e meu sangue escorre pegando naquele membro que agarro, ela finca de novo, de novo, e de novo, com dois, três e quatro dedos.
-Cala boca, porra! - Mas eu não solto, ao olhar pra Café,observo ele tentando se recuperar, e ao voltar meus olhos pra ela, vejo os dois dedos vindo na direção dos meus olhos, e ela é supreendida com um jab de direita com uma onda de choque que se propaga pela sala inteira, foi tão forte que parei de escutar com o impacto e o abalo sonoro, o chão afundou, ela cai pro lado comigo junto, se desprendendo do corpo de Cafézão. Ele se levanta, respirando pesado e me vê deitado em cima dela, me levantando, essa mulher fede.
-Tá tudo bem?
-Tá - Mas tem um peito macio maneiro de ficar deitado. - Ela morreu? - Digo terminando de me levantar e me virando ao maior que está claramente pior que eu
-Vai saber, quer ver como o Dai tá?
-Hrgugg! - Ouço a voz dela num grunhido amaldiçoador enquanto as suas cinco unhas afundam na minha canela, o sangue espirra em todas as direções, no chão e no rosto dela.
-PUTA QUE PARIU! - Olho pra baixo e vejo o braço dela se torcendo e fundindo na minha pele, dói pra caralho, e ela vai indo cada vez mais rápido, o ombro, o torso, cabeça e pernas entram inteiros dentro de mim, eu escuto o coração dela, a respiração, como se estivessem dentro da minha cabeça gritando. Eu caio de joelhos no chão, Café na minha frente está sem saber se me dá uma joelhada na boca ou arranca minha perna pra tirar ela de dentro de mim. Eu sinto ela se rastejando, subindo minha perna, passando pelas costelas, torcendo nas minhas costas e saindo pelo meu ombro como se eu estivesse parindo ela de volta.
-Ela tá atrás de mim, não tá? - Falei olhando fixo em Café que acenou que sim com a cabeça. Senti as unhas finas tocando meu trapézio delicadamente.
-Hum. - Aquele gemido maldito, seguido de uma apunhalada nas costas, eu senti o olhar de julgamento dela pesando junto com a ferida, e o sangue começou a escorrer meu ombro, passando pelo braço e chegando a minha mão, levei ela à frente e vi o vermelho brilhante, refletindo a imagem dela atrás de mim, distorcida. Mas percebi uma reação estranha, meu sangue borbulhava, como se fervesse, mas eu não sinto nada, bolhas sobem até a superfície estourando. A reação começa a acelerar, mais bolhas sobem formando uma espuma rosada. - Isso tá quente… - Ouço aquela voz azeda sussurrando, a reação começa a se comportar diferente, bolhas maiores sobem a espuma engrossa e estoura iluminando levemente, olhando com atenção, percebo faíscas piscando dentro das bolhas, cada vez maiores e mais fortes, acelerando, aumentando de volume, e de repente um brilho alaranjado forte aparece, correndo levo minha mão pra trás e um estrondo é emitido, a iluminação de fogo se espalha saindo da minha perna também, meu ouvido se fecha, apitando fino. Meu sangue… explodiu?
Continua na parte 2...
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