A poucos centímetros de distância, eles ficaram ali, congelados.
Incapazes de se mover ou falar, eles sentiram seus rostos ficarem gradualmente avermelhados e quentes. Era como se tivessem passado blush demais nas bochechas, pescoço e até nas orelhas, evidenciando a vermelhidão sob a pele pálida de ambos. Cada segundo parecia uma eternidade enquanto eles estavam ali, perdidos em seus pensamentos até que o zumbido do trem se aproximando da estação fez Mine se virar rapidamente. Mine leu e releu a informação do quadro e, realmente, a carona deles havia chegado!!
“O NOSSO TREM!!!” Mine exclamou e levantou-se rapidamente do banco como se tivesse levado um choque elétrico.
Addai estava ainda voltando do transe então estava um pouco confuso, mas nada com que um incentivo amigável de um puxão não resolvesse. Afinal, perder aquele momento clichê era perdoável, mas aquela viagem... jamais!!
Mine, com sua bolsa em uma mão e segurando a mão suada de Addai com a outra, ele conseguiu entrar no trem junto com seu amigo atordoado. Eles mal entraram e as portas já se fecharam como se estivesse com defeito. Essa manobra quase prendeu a bolsa de Mine do lado de fora, bem como algumas pessoas que quase foram atingidas pelo fechamento repentino.
Parando um pouco, de fato aquela linha estava estranha. As portas costumavam a dar defeito, mas daquele jeito era quase impossível e muito raro. Além disso, a iluminação também estava um tanto sombria, mas muitos acreditaram não ser nada fora da normalidade por ser um vagão bem antigo. Apesar disso tudo, Mine não sentiu qualquer alteração significativa no ambiente, então, concluiu que estava tudo bem e que só quase foram azarados.
Sentando-se próximos a uma janela engordurada, a dupla de jovens professore finalmente pôde respirar aliviado de que pelo menos tinham uma perspectiva de irem embora daquela estação. Mine, ainda sem saber como raciocinar o que acabara de vivenciar na estação, procurou alguma coisa para dizer depois de tanto se remexer no banco.
“Desculpe por te assustar,” Mine finalmente disse, evitando contato visual mesmo estando ao lado de Addai.
Addai parecia ter mastigado algumas palavras e até gaguejou um pouco antes de conseguir responder que estava tudo bem, mas não olhou para o rosto de Mine.
Ah... o silêncio constrangedor...
O barulho do trem nos trilhos, o som metálico dos suportes pendurados – dos quais poucas pessoas insistiam em se segurar – e o rangido do motor trouxeram um estranho conforto em Mine, que esperava ansiosamente para poder ver a vista quase panorâmica da praia. Essa linha passava por um viaduto suspenso com vista privilegiada para a praia de águas cristalinas e esverdeada. No fundo, era possível ver a parte alta da cidade e seus grandes morros que se iluminavam na noite, mas só não eram tão brilhantes quanto o centro que, infelizmente, não compunha aquele pedaço da paisagem. De todo modo, era uma linha que tinha uma vista privilegiada daquela cidade não tão pacata.
As nuvens lá fora eram esparsas e certamente parecia ventar bastante. Era um lindo dia e, por mais que quisesse dormir, Mine achava um pecado perder a visão do sol brilhante reluzindo no mar. Sonhando acordado, Mine sorriu, imaginando como estava lá fora desde como o vento soprava até o quanto o sol esquentava.
Era realmente um dia lindo... apesar do silêncio mortal entre ele e Addai.
Mine começou a sentir as primeiras ondas de sono enquanto o trem balançava, mesmo se esforçando para permanecer acordado já que estavam se aproximando da tão desejada vista para o mar. Era um sono estranho, mas envolvente e entorpecente, como se tivesse virado a noite e estava ali acordado por algum tipo de milagre (que tinha nome: cafeína). O sono, já fazendo sua mente embaralhar tudo, começava a limpar as memórias recentes de Mine.
Para onde ele estava indo mesmo?
Por que ele embarcou nessa linha?
Ah... o sono quase conseguiu levar essa memória crucial, mas Mine logo a recuperou ao se engasgar. Ele iria a uma lojinha na estação da segunda parada, já que a primeira levaria ao bairro do seu colega caladão ao seu lado.
A batalha contra o sono continuava e Mine sabia que eventualmente ele perderia, então, ele segurou a ponta da alça da bolsa de Addai e tentou resistir. Caso ele perdesse a batalha, pelo menos o colega dele iria notar e evitar com que ele se esborrachasse no chão – apesar de desconfiar de seu colega, ele tinha esse pingo de esperança de que ele faria essa graça.
O sacolejo do trem dava mais corpo ao sono, que começava a ficar violento. Mine não conseguia mais resistir, mas ele ainda tentava bravamente, mesmo com sua cabeça pesando toneladas. O sono ganhou mais espaço, fazendo com que os olhos de Mine ficassem pesados, assim como seu pescoço, como a sensação de cansaço depois de um dia de muito esforço físico.
Ele ia conseguir!!
Ele ia...
“... ronc,” Mine deixou um ronco baixinho sair de seus lábios.
Ele tentou, mas foi abatido por um inimigo formidável que contava com a ajuda do ar-condicionado em temperatura perfeita. Apesar de sua cabeça estar pendendo ora para o lado, ora para frente, ele sabia que tinha perdido aquela batalha e que estava dormindo desconfortavelmente.
Quando tentou se reerguer como um guerreiro teimoso, sentiu seu corpo encostar em algo, bem como sua cabeça. Mine já não sabia mais se era uma alucinação ou se era verdade, então, aproveitando o conforto, inclinou sua cabeça em direção à fonte de calor, tocando algo que parecia grande o suficiente para servir de apoio.
Mine, bêbado de sono, sorriu quando finalmente se sentiu confortável. Entretanto, essa ação inconsciente acabou fazendo com que seu travesseiro misterioso ficasse ligeiramente mais rígido.
“... O que eu virei agora?” O travesseiro misterioso fitava Mine, desacreditado.
Quem seria o tal travesseiro? Quem mais seria senão o querido que estava ao lado de Mine?
Addai desajeitadamente colocou Mine ao lado dele na posição padrão “dormindo na posição do metrô”. Ele se absteve de tocar mais em Mine, então ficou lá como um tronco.
Resmungando enquanto cochilava, a testa e os lábios de Mine tremeram. Addai bateu duas vezes nas bochechas e acordou brevemente. Ele resmungou algo sem sentido e recostou-se no ombro de Addai, dormindo com os braços cruzados. Não demorou muito para que os braços de Mine ficassem completamente soltos, e ele quase caiu do banco se não fosse sua bolsa que prendeu no chaveiro de Addai e impediu sua queda. Desta vez, Addai foi quem resmungou e quase desistiu de servir de apoio aos bêbados de sono, mas não esperava que Mine abraçasse seu braço.
“Hm...” Mine murmurou, esfregando o rosto no braço de Addai e sorriu logo em seguida.
Addai fitou seu colega. Algo em si começou a borbulhar como refrigerante.
Certa vez, ele se perguntou se o cabelo de Mine era macio e perfumado. Um pensamento trivial e aleatório, normal. Mas esse pensamento, naquele momento, naquelas condições e naquele vagão de trem, voltou quando o cabelo de Mine levemente encostou em sua pele. Será que ele realmente cheirava bem?
Addai sacudiu a cabeça e virou o olhar para o trem quase vazio.
No que raios estou pensando...? Ele pensou consigo mesmo, tentando se desvencilhar daquela curiosidade.
Porém, quando Mine se movimentou um pouco, um certo perfume fez com que as pupilas de Addai dilatassem e ele se virou para seu colega novamente, observando o quão pacificamente ele estava dormindo. Aquele perfume vinha de Mine...?
Uma, duas, três cordas que seguravam a razão e movimentos de Addai romperam-se no momento em que esse perfume atingiu suas narinas novamente. Ele sempre teve um olfato formidável, mas ele queria sentir aquele perfume de perto. Ele queria sentir um pouco de Mine.
Inconscientemente, ele se inclinou e percebeu que havia alguns fios rebeldes que estavam grudados nas bochechas de Mine. Um fino e suave sorriso apareceu no rosto de Addai, que retirou aqueles fios grudados e colocou-os atrás da orelha de um Mine adormecido. Tudo em Mine parecia delicado, desde o desenho de seus lábios até os cílios e orelhas das quais ele achava ser tão perfeitas. Era difícil de acreditar que sua personalidade contrastasse com tudo isso, mas se bem que isso era o que fazia Mine ser Mine.
A última corda da razão ainda o mantinha preso e disparava pensamentos e mais pensamentos de Mine, como se estivesse tentando protegê-lo de algo que ele claramente não tinha medo algum. Uma outra corda amarrou-se em seu peito, ela era vibrante e diferente das cordas monótonas da razão. Essa nova corda fez com que algo achasse terreno fértil para emaranhar-se dentro de Addai. A última corda da razão entrava em pânico, mas Addai, não.
Addai se inclinou um pouco, gentilmente deslizando os lábios no cabelo macio e frio de Mine, sentindo sua textura, perfume e temperatura. Aquilo era... perigosamente viciante.
Pela primeira vez, a corda da razão e a nova corda se uniram e puxaram Addai de volta à realidade, fazendo com que o jovem professor enrubescesse e se afastasse o rosto de Mine como se estivesse envergonhado.
Ah não. Addai pensou junto com sua última corda da razão. O que você fez comigo, Mine?
Algo, definitivamente, havia criado raízes em si. Essa coisa fazia seu corpo vibrar e tremer por dentro. Era um sentimento estranho, confuso e complexo, mas também era... encantador.
Era como se um pequeno cubo de açúcar derretesse lentamente em um copo de suco frio. Adoçando lentamente o suco ácido. A doçura desse sentimento encantador.
Addai fitou Mine um pouco mais e tracejou suas bochechas e lábios macios.
“________________” ele murmurou algo inaudível e se aproximou do rosto de Mine.
Ainda que mergulhado no mundo dos sonhos, Mine sentiu algo quente em seu corpo, mais especificamente em sua testa. Era um toque agradável, gentil e confortável então ele não pensou muito sobre e acreditou ser ilusões dos sonhos. Um sorriso esboçou em seu rosto adormecido novamente e ele sentiu um leve perfume de sândalo com cedro vindo de seu travesseiro misterioso.
Antes confortável, Mine sentiu que algumas partes de seu corpo começaram a ficar estranhamente quentes fora do mundo dos sonhos. A sensação repentina veio seguida de queimação e dor latejante em sua cabeça, distorcendo os sonhos doces e transformando-os em pesadelos amargos.
Acorde. Uma voz gentil sussurrou.
Perdido naquela sinestesia desagradável – a transição nebulosa entre o sono e a vigília – Mine tentou se mover, mas seus membros pareciam estar envoltos em concreto. Ele tentou falar, gritar e grunhir, mas não saiu nada. Ele tentou abrir os olhos, mas foi quase impossível.
Ele estava preso em sua paralisia!
Acorde! A voz, antes gentil, tornou-se severa.
Mine suspirou como se sua alma tivesse voltado ao corpo e finalmente arregalou os olhos. Uma dor de cabeça e tontura imediatamente perfuraram sua cabeça e turvaram sua visão. Para onde quer que olhasse, o ambiente ao seu redor não era o mesmo de antes. Era como se algo havia colocado um filtro escuro e arroxeado em sua visão e trocado a estação da rádio do metrô por uma que só emitia grunhidos, gritos e barulhos de feitiços atingindo corpos.
Quando tentou se mover, a voz de Addai ressoou em seu ouvido.
“Não ouse descer e segure-se firme!”
Com a visão um pouco mais focada, Mine percebeu que ele estava suspenso e sendo carregado pelo seu colega como se ele fosse um saco de batatas. Seu colega parecia ileso, bem diferente do corpo inerte de uma mulher no banco que eles passaram do lado.
“Addai?! O que tá acontecendo?!” Mine engasgou-se, agarrando as roupas de Addai para não cair.
“Atacaram os vagões!” Addai respondeu, esquivando-se de algumas maldições lançadas por sabe-se lá o quê e assobiou alto.
Uma sombra grande envolveu a criatura disforme que se levantou do banco assim que eles passaram ao lado e fez com que ela gritasse e chiasse, retorcendo-se toda quando a sombra a atingiu. Mine cobriu a visão com as mãos e percebeu outras criaturas disformes penduradas no teto, umas manchadas de um líquido vermelho e outras não.
Addai pulou e segurou Mine com força em seus ombros, desviando de um corpo no chão e girou para lançar um feitiço com a mão, que atingiu uma criatura disforme que pulou do teto. Recuperando um pouco de fôlego, ele continuou a explicar:
“Nosso vagão foi destruído, consegui salvar a gente. Essas criaturas começaram a aparecer do vagão de trás e a gritaria começou. Eles quebraram as janelas e atacaram as pessoas aleatoriamente,” Addai ajustou Mine em seu ombro. “Estou nos levando para a próxima saída de emergência.”
“Minha bolsa! O que aconteceu com nossas bolsas?!” Mine preocupou-se, lembrando de sua varinha caríssima.
“Isso realmente importa?!”
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