'As Estruturas Precursoras, espalhadas por Áurea, são verdadeiros enigmas do passado que desafiam aventureiros e exércitos inteiros com seus mistérios e recompensas. Construídas com uma tecnologia que supera em muito o conhecimento atual, essas construções abandonadas são famosas não apenas por seus segredos ocultos, mas também por seus guardiões implacáveis. Cada nação que interage com essas criaturas enigmáticas lhes dá um nome diferente: Em Loura, elas são chamadas de Guardiões Silenciosos, por sua habilidade de atacar de maneira furtiva e quase imperceptível.Em Híctia, são conhecidos como Os Observadores, figuras que parecem espreitar os invasores, estudando cada movimento. Em Florem, os chamam de Sombras Ameaçadoras, devido à sua presença constante e capacidade de se transformar em formas assustadoras. Em Irlem, são referidos como Ancestrais Amargurados, entidades cuja presença evoca um profundo sentimento de desolação e ira contida.
Embora variem em forma e comportamento, todos esses guardiões compartilham uma característica em comum: são feitos de uma substância negra viscosa, que parece pulsar com Mana negativa, uma energia sinistra que é hostil à vida. Eles são indestrutíveis no sentido tradicional — ao serem derrotados, seus corpos se dissolvem em uma poça de matéria negra, que eventualmente se regenera na mesma criatura que tombou.
Explorar essas estruturas é uma tarefa perigosa e mortal, mas a promessa de tesouros fantásticos e tecnologias avançadas continua atraindo aqueles ousados o suficiente para tentar. Quanto mais fundo ou alto os invasores penetram nas estruturas, mais perigosos se tornam os desafios — mas também mais valiosos são os prêmios. As estruturas parecem seguir um sistema de teste, como se estivessem avaliando a capacidade e a persistência dos intrusos, recompensando-os de acordo com o nível de dificuldade superado.
As estruturas são divididas por profundidades e alturas, cada camada contendo criaturas de diferentes níveis de poder: De 100 a 0 metros acima do solo (níveis mais superficiais), encontram-se os guardiões mais fracos. Aqui, predominam criaturas de classificação G, que não atacam a menos que se sintam ameaçadas, e criaturas das classes F, E, D, que, embora mais fracas, ainda são letais. Raramente, encontram-se criaturas da classe C, mais difíceis de lidar, mas menos comuns. De 100 a 1.000 metros acima do solo, os desafios aumentam. Criaturas de classe B (pequenos chefes) são mais comuns, e também começam a aparecer guardiões das classes A (chefes) e S (extremamente poderosos). As classes mais altas, O e OS, são raras, mas são descritas como seres de imenso poder, capazes de dizimar cidades inteiras com seus ataques. A estrutura de Híctia é uma das três maiores do mundo, e nela, já foram vistos guardiões de classe O e até OS em altitudes superiores a 2.000 metros, tornando-se um local de grande risco e grande interesse.
O mesmo sistema de classificação se aplica às profundezas: De 0 a -2.300 metros, a profundidade mais perigosa já alcançada, os invasores enfrentam desafios crescentes, com criaturas de classe C, B, A, e até O habitando os níveis mais profundos.
Cada classe representa um nível de ameaça crescente: Classe G: Não atacam, mas podem reagir violentamente se encurralados. Classe F: Fracas, mas ainda perigosas em grupo. Classe E: Ligeiramente mais poderosas, com habilidades que podem ser fatais em combate. Classe D: Criaturas de médio porte, mais difíceis de lidar. Classe C: Guardiões formidáveis, difíceis de derrotar. Classe B: Pequenos chefes, que exigem grande esforço e estratégia. Classe A: Chefes principais, com habilidades impressionantes. Classe S: Extremamente poderosos, quase impossíveis de enfrentar sem equipes preparadas. Classe O: Guardiões de poder devastador, capazes de causar destruição em grande escala. Classe OS: Raríssimos e temidos, esses seres são ditos possuir uma consciência própria e poderes capazes de varrer cidades inteiras com facilidade.
Os prêmios dentro das estruturas são proporcionais ao nível de perigo. Enquanto nas camadas superficiais é possível encontrar metais raros, líquidos fantásticos e artefatos antigos, os níveis mais profundos e perigosos oferecem armas poderosas, tecnologia avançada, e materiais desconhecidos que desafiam as leis da física e da magia.
Apesar dos perigos, muitos continuam tentando, seduzidos pelas lendas e pela promessa de tesouros além da imaginação.'
Repentinamente escutei um estrondo vindo de fora. Mas ignorei.
Enquanto eu folheava as páginas gastas dos livros, imerso em histórias de Áurea, o tempo escapava como areia entre os dedos. Zênite, um dos sóis sazonais, descia lentamente, tingindo o céu com tons dourados e roxos. Um presságio claro de que o novo membro da nossa 'família' já deveria ter chegado.
O silêncio da biblioteca foi abruptamente rompido por um grito.
“Kiel! Será que você pode parar de fazer esse barulho insuportável? Isso é uma biblioteca, não um mercado!” O senhor Nelco, patriarca da vila, balançava a cabeça, sua voz tão enrugada quanto a própria pele, quase como uma esponja velha que resistiu ao tempo. Ele estava no alto, em um ninho improvisado no teto da biblioteca.
“Qual foi o ruído que eu fiz Velho deprimido? Me poupe de suas reclamações infundadas.” Eu respondi, sem me importar muito, observando o ancião descer com agilidade surpreendente para sua idade. Ele saltava entre as prateleiras.
Ele aterrissou com certa dificuldade na minha frente, ajeitando a longa barba branca e me encarando com os olhos semicerrados. “Tenha mais respeito com os mais velhos, criança tola. Já não basta seu comportamento, e agora esse barulho infernal?"
“Respeito? Os velhos da sua espécie, os Néfos, só sabem reclamar. Nem percebeu que o barulho nem veio daqui, né? Vai me culpar à toa?” Provoquei, esperando extrair mais uma reação. Antes que ele pudesse responder, um estrondo ecoou do lado de fora, seguido por uma onda de faíscas que iluminou o ambiente.
Nelco bufou e apontou para a saída com um gesto rude. “Seu pai está lá fora, fazendo das suas, como sempre.”
Aproveitei a deixa para escapar da conversa. Ao sair da biblioteca, a brisa fria das montanhas me envolveu, enquanto o cenário ao meu redor parecia emergir de um quadro antigo. O sol poente tingia o céu com cores vibrantes — laranjas, verdes e azuis. A colossal Torre Negra, sempre imponente, se erguia no horizonte silenciosa, seus picos perfurando o céu. Ao longe, o grande rio serpenteava entre as montanhas, correndo com força e velocidade, refletindo o brilho do entardecer como um espelho líquido.
Aidan, meu 'pai', estava do lado de fora, realizando seus shows de sempre, lançando pedrinhas que estouravam em faíscas no ar em um espetáculo colorido. “Ah, me desculpe... Estava ansioso para vê-la de novo,” disse, acenando para mim e Nelco com um sorriso genuíno.
Fiz um aceno em resposta.
Nelco, que havia me seguido, suspirou ao ver o comportamento juvenil de Aidan. “A juventude... sempre tão impetuosa, buscando emoções a cada esquina. Esquecem que o verdadeiro amor não é um espetáculo, mas uma chama que cresce lenta e silenciosamente com o tempo.”
Eu me sentei ao lado de Aidan, pensando no que Nelco disse, pois, o conceito mais distante para mim não era Philia ou Ágape, mas sim o Eros, o desejo romântico por alguem, isso é inconcebível para mim. “Pelo menos o senhor sabe dizer algo sábio de vez em quando, e não só ser ranzinza,” provoquei, forçando um sorriso.
Nelco, no entanto, não perdeu tempo e replicou: “Frutos desse amor às vezes são estranhos como você. Espero que seu novo irmão ou irmã não seja tão insuportável.”
Aidan franziu o cenho, claramente ofendido, mas antes que pudesse responder, eu o interrompi, mudando o assunto: “Como você conheceu a mamãe, pai?”
A pergunta não era apenas por curiosidade; eu queria entender mais sobre o relacionamento deles. Se havia algo que pudesse explicar a estranheza que sentia dentro de mim.
Nelco, curioso, se acomodou próximo, os olhos cinzentos fixos na Torre Negra ao longe. “Sim, isso seria interessante. Vocês sempre guardam mistérios sobre suas aventuras.”
Aidan suspirou, olhando para a estrutura que dominava o horizonte. “Já faz oito anos que conheci Ari. Ela é um mistério, sempre foi. Mas, apesar disso, eu a amo. Ela nunca me conta sobre seu passado, mas isso não importa para mim.”
Ele olhou para mim, os olhos cheios de memórias. “Nos conhecemos em uma dessas estruturas, quando eu achava que era invencível e me meti em apuros, me jogando dungeon adentro sozinho e sem auxílio. Ari apareceu do nada e me salvou de uma armadilha. Desde então, larguei tudo para segui-la. Abandonei minha casa, minha família, porque sabia que ela era o que eu queria para a vida. Mesmo sem saber de onde ela veio, ela me mostrou um lado dela que poucos veem. Ela é alegre, divertida… até quando quase fomos carbonizados por um Guardião flamejante que era forte de mais. Ela manteve a calma, sorrindo nas piores situações e disse que também gostava do meu jeito descontraído. A partir daquele momento, eu sabia que minha vida não faria sentido sem ela.”
Aidan sorriu de forma quase melancólica. “E você, Kiel, é a prova desse amor.”
Senti um aperto no peito. Ele estava sendo sincero, e por mais que eu quisesse sentir o mesmo, algo em mim ainda resistia. Eu queria amar minha família, queria me sentir parte desse laço que eles construíram. Mas minha mente, fragmentada por fantasmas do passado, me impedia.
Aidan se levantou de repente, com uma animação repentina. “Certo, vamos encontrá-la então!” Ele disse, mudando rapidamente de humor.
Enquanto caminhávamos pela trilha sinuosa, o som suave da água corrente se misturava ao farfalhar das folhas ao vento. O ar era fresco, quase cortante, e cada passo ecoava na imensidão do planalto, amplificado pela vastidão que se estendia ao nosso redor. O crepúsculo lançava longas sombras, tingindo a paisagem com tons de laranja e dourado somados ao verde e azul, enquanto o silêncio da montanha envolvia tudo.
A cada passo, a casa e a vila surgiam à vista — uma construção modesta com uma pequena varanda coberta de plantas trepadeiras que se enroscavam pelas vigas.
Ao chegar eu subi os degraus da entrada, sentindo o calor suave da madeira sob meus pés, ainda aquecida pelo sol que se punha no horizonte.
Aidan caminhava logo atrás de mim, seus passos sempre mais leves do que os meus. Sem hesitar, estendi a mão para abrir a porta, impaciente, ansioso pelo que quero ver.
“Kiel, não faça isso!” A voz de Aidan carregava uma súbita urgência, mas já era tarde demais. A porta rangeu ao ser aberta, revelando uma cena que fez Aidan se calar instantaneamente.
No centro do aposento, Ari estava sentada no chão, suas pernas cruzadas em um gesto casual e gracioso. Ela brincava com um bebê que ria e se contorcia de alegria em seus braços. Ao lado, na poltrona desgastada pelo tempo, a anciã Nina observava a cena com um sorriso sereno. Seus olhos, pequenos e acizentados, carregavam o peso de décadas, mas também uma ternura quase maternal ao ver a criança.
Sua pele, de um tom pálido, lembrava prata. Seus olhos — de um azul turqueza e etéreo, com sutis fendas nas pupilas que pareciam escapar sua natureza como uma espécie que não parecia aquelas que testemunhei nos livros. Os longos cabelos lavanda, quase brancos, caíam em cascatas suaves sobre seus ombros, emoldurando um rosto de traços delicados. Ela usava roupas simples e modernas — um vestido — que combinava com sua aparência sobrenatural, essas roupas só acentuavam sua graça inata, como se nada pudesse diminuir sua beleza.
Seu sorriso, enquanto brincava com o bebê, era tranquilo, e irradiava afeto. Aquela cena, tão simples e ao mesmo tempo tão profunda, me fez perceber, mais uma vez, o quanto Ari era incompreensível para mim. Ela não era apenas minha 'mãe'; era um enigma, um mistério que eu ainda não havia começado a decifrar, justamente por ser diferente de tudo e todos. Talvez fosse um híbrido? De outro mundo?
Aidan se aproximou de nós em silêncio, seus olhos fixos na visão de Ari com o bebê. Por um momento, tudo parecia perfeito, como se o tempo houvesse parado, criando uma bolha de felicidade pura que pairava acima de qualquer caos ou incerteza. Mesmo com meus próprios tormentos internos, a visão de Ari e do bebê, junto à presença constante de Aidan, me trazia uma paz que eu raramente encontrava.
Ari levantou os olhos, sua voz suave quebrando o silêncio, mas de forma tão delicada que parecia uma extensão natural da atmosfera tranquila.
“É uma menina,” anunciou, com um sorriso que iluminava ainda mais seu rosto.
Aidan sorriu largamente, sua expressão de puro entusiasmo. “Que tal chamarmos ela de Luna?” sugeriu ele, com a mesma animação de uma criança diante de um novo brinquedo.
Ari, ainda com aquele sorriso enigmático, balançou a cabeça levemente. “Não... Luna não parece o nome certo para ela.”
Aidan, sempre otimista, franziu a testa, mas seu tom permaneceu suave. “Mas, Ari, você já escolheu o nome de Kiel. Acho que é justo que agora seja minha vez.”
Ela suspirou, divertindo-se com a persistência dele. “Tudo bem, Aidan. Podemos ouvir algumas opções antes de decidir.” Ela apertou suavemente o bebê contra o peito, enquanto Aidan se ajeitava, claramente ponderando novas alternativas.
Depois de alguns segundos de silêncio, ele sugeriu: “Evelyn. Que tal Evelyn?”
Ari repetiu o nome, testando-o. “Evelyn... E por que esse nome?”
Aidan, um pouco nervoso, mas falando com convicção, respondeu: “Evelyn significa vida e luz em Loura. Quero que nossa filha seja uma fonte de luz em nossas vidas, assim como você e Kiel são para mim. É um nome forte, mas ao mesmo tempo delicado. Acho que combina com ela.”
Ari sorriu, mais uma vez aquele sorriso que parecia iluminar tudo ao redor. “Evelyn... Sim, gosto disso. Acho que combina com ela.” Ela então olhou para mim, chamando-me com os olhos.
“Kiel, venha conhecer sua irmã.”
Eu me aproximei hesitante, observando o pequeno ser nos braços de Ari. Os olhos da criança, dourados como os de Aidan, brilhavam com curiosidade e inocência. Seu rosto exibia uma expressão de pura serenidade. Ela era tão pequena, tão frágil, e ainda assim parecia carregar uma imensidão de potencial dentro de si.
Enquanto me aproximava, Ari estendeu o bebê para que eu pudesse vê-la melhor. “Esta é sua irmã, Kiel. Evelyn agora.”
Eu fiquei ali, parado, absorvendo a cena. Aquela pequena figura diante de mim parecia tão distante e, ao mesmo tempo, tão próxima. Um turbilhão de emoções se agitou dentro de mim — admiração, curiosidade, e uma leve pontada de ansiedade incomum. Eu não sabia como ser um irmão, muito menos o que isso significava de verdade. Mas algo dentro de mim, algo profundo e instintivo, me dizia que eu deveria protegê-la.
Aidan colocou a mão em meu ombro, um gesto firme e reconfortante. “Nós somos uma família, Kiel. Sempre seremos.”
"Você não tem certeza" sussurou uma presença me dando um calafrio momentâneo, mas ignorei, era como se estivesse distante e niguém tivesse ouvido, apenas eu.
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