“Ok, mãe, já estou satisfeito. Vou pegar minha bota e levar Evelyn até a nascente montanha acima” Felei, olhando suavemente e com bom humor.
Ela, com o olhar me encarando quase fechando os olhos, o que privilegiava sua sobrancelha branca, respondeu: “E qual adulto vai com vocês? Eu e seu pai vamos explorar a torre negra, e não quero duas crianças soltas pelo mundo sozinhas.”
“Sendo sincero, acho que já tenho responsabilidade o bastante com meus 9 anos de experiências para guiar minha querida irmã em uma jornada seguindo o curso do rio, tendo plena compreensão de que não podemos nos aproximar dele devido ao perigo, com intuito de observar a nascente que cai diante das montanhas gêmeas.” Concluí, retirando um espanto sincero dela que balançou a cabeça.
Se levantando, saindo de perto da mesa baixa e vindo em minha direção, ela cutucou: “Se você não se cuidar, ou não cuidar bem da sua irmã, considere-se… lesionado.”
Respondi pondo a mão sobre a testa batendo continência “Sim senhora”.
“Já disse que não sou uma senhora, sou uma mulher jovem na medida” criticou pondo a mão no meu cabelo e afagando expressando sua ternura e satisfação.
Aidan apenas olhou com a mão no queixo que escondia um leve sorriso atrás.
Saí do jardim e caminhei lentamente em direção às escadas que levavam ao primeiro andar. Ao subir os degraus, senti a leve brisa alpina que passava pela varanda.
Chegando ao topo das escadas, passei pela varanda que se estendia em frente aos quartos, oferecendo uma vista panorâmica do jardim e das colinas ao longe, como também da torre negra. O sol se erguia, fraco, projetando sombras alongadas e banhando tudo em uma luz quente.
Abri a porta do meu quarto.
Peguei minhas botas e, ao fazer isso, senti a textura áspera e desgastada do couro contra minhas mãos. Com as botas na mão, voltei pelo mesmo caminho, passando novamente pelo quarto dos meus pais e pela varanda.
Desci as escadas com cuidado, parei por um momento para apreciar a vista mais uma vez.
Finalmente, desci as últimas escadas e voltei ao jardim. Estava pronto para começar o dia, com minhas botas firmemente calçadas e um sentimento estranho ao ver Evelyn me esperando já com a roupa e suas botas verdes.
“Vamos? É imperativo que você, cara irmã usurpadora das atenções de vossos pais, obedeça cegamente minhas ordens devido à autoridade a mim conferida por mamãe.” Respondi seriamente, apontando o dedo para cima, tirando uma risada dela, fazendo com que eu perdesse a postura séria e cedesse.
“Por que você usa tantas palavras difíceis? Fale em Fleulo para eu entender! Ahaha.” Respondeu, rindo.
Sorri e balancei a cabeça. “Fleulo? Você quer dizer de forma simples, né?” Abaixei a mão e segurei a dela e olhei nos olhos dela antes de solta e disse: “Vamos subir a montanha e ver a nascente do rio. É um lugar bonito e quero te mostrar, siga-me se for capaz”.
Evelyn assentiu animadamente quando comecei a correr em direção aos limites da vila. Juntos, começamos a caminhar pela grama-baixa, seguindo o caminho de pedras que levava à base do desfiladeiro. O som suave do rio ao longe nos acompanhava, criando uma melodia tranquila que harmonizava com nossos passos em ondas sonoras confortáveis.
À medida que avançávamos, a trilha começou a mudar. O caminho de pedras se transformou em um terreno mais heterogêneo, coberto por uma fina camada de terra, pedras, gramíneas e pequenas flores silvestres. As árvores ao redor nos ofereciam sombra, e a luz do sol filtrada através das folhas criava padrões oscilantes no chão.
“Olha, Evelyn, essas flores são chamadas de lírios-do-sol.” Apontei para um pequeno grupo de flores brancas que cresciam à beira do caminho. “São bem comuns por aqui.”
Ela se abaixou para cheirar uma das flores, fechando os olhos por um momento. “São tão bonitas e cheiram tão bem!” Exclamou, sorrindo.
Cada vez que ela sorria, uma lasca da minha frieza emocional cedia.
…
Continuamos caminhando, e a trilha começou a subir novamente, mas de forma mais gradual. O terreno se tornou mais rochoso, e precisávamos escolher nossos passos com cuidado para evitar escorregões. As árvores ao redor eram mais espaçadas agora, e podíamos ver o rio serpenteando abaixo de nós muito próximo, brilhando à luz do sol.
“Você sabia que o rio começa lá em cima, entre aquelas duas montanhas?” Perguntei, apontando para as montanhas gêmeas à nossa frente.
“Não sabia, Parece tão longe.” Respondeu, olhando com admiração e cansaço.
“Sim, é uma longa caminhada, mas vale a pena. A vista lá de cima é incrível.” Disse, tentando motivá-la a não parar de subir comigo.
…
A trilha começou a ficar mais íngreme, e o terreno mais acidentado.
Paramos para descansar em uma clareira pequena quando ela cedeu e sentou no chão, cercada por árvores altas. Sentamos em seguida num tronco caído e compartilhamos um pouco de água que ela trouxe.
“Kiel, você acha que vamos encontrar algum animal selvagem?” Evelyn perguntou, os olhos demostrando um pouco de medo.
“Talvez vejamos alguns pássaros ou esquirez, mas nada perigoso. Nós estamos seguros, não se preocupe.” Respondi, tentando tranquilizá-la.
Depois de um breve descanso, retomamos a caminhada. A trilha se estreitou e começamos a subir por um trecho mais íngreme, onde raízes de árvores antigas formavam degraus naturais.
Evelyn segurou minha mão com força, e eu a ajudei a subir com cuidado.
“Vamos, Evelyn, estamos quase lá!” Disse, encorajando-a.
Subimos um pouco mais e chegamos a um ponto onde a trilha se alargava novamente, levando-nos a uma área coberta por uma densa floresta. As árvores aqui eram tão altas que quase bloqueavam completamente a luz do sol, criando um ambiente fresco e sombreado. O som de folhas farfalhando e pássaros cantando nos envolvia, criando uma sensação de paz e tranquilidade.
“Este lugar é tão diferente do resto da trilha.” Comentou Evelyn aparentemente exausta, com falta de ar.
“Sim, é como um pequeno oásis no meio da subida.” Respondi. “Vamos aproveitar e descansar um pouco mais, o ar é rarefeito aqui e por isso você cansa tão fácil.”
Nos sentamos em um tronco coberto de musgo e ouvimos os sons da floresta ao nosso redor. Evelyn começou a brincar com uma folha grande, fazendo-a balançar no ar como se fosse uma borboleta.
“Maninho, você acha que um dia vamos vir nós quatro aqui?” Perguntou, olhando para mim com seus grandes olhos curiosos.
“Talvez. O mundo deve ser grande e cheio de lugares incríveis e melhores do que aqui. Quem sabe um dia vamos explorar eles?” Respondi, sorrindo, mas dessa vez soou muito sincero para mim, me deixando reflexivo.
“Você tá triste?” ela questionou olhando para mim de baixo com seu cabelo que era uma mistura entre branco, lavanda e bege.
“Não se preocupe” respondi.
Depois de um tempo, levantamos e continuamos nossa jornada. A trilha começou a subir novamente, desta vez com uma inclinação mais acentuada. O terreno rochoso exigia que prestássemos muita atenção aos nossos passos, e ajudávamos reciprocamente nos trechos mais difíceis.
“Olha, Evelyn, estamos quase lá!” Apontei para o topo da colina, onde a luz do sol brilhava mais intensamente.
Com um último esforço, subimos o trecho final e chegamos ao topo. A vista era deslumbrante. Podíamos ver a nascente do rio jorrando entre as rochas, formando pequenas cascatas que desciam suavemente pela montanha. O som da água era relaxante, e o ar fresco, porém rarefeito, nos tirava um suspiro.
“Uau, é lindo!” Evelyn exclamou, os olhos brilhando de admiração.
“Não acho que vale apena o esforço.” Afirmei. “Vamos descansar aqui um pouco antes de voltarmos.”
Nos sentamos em uma pedra grande e plana, observando a água que fluía. Eu peguei uma folha grande e a coloquei na água, vendo-a flutuar rio abaixo. Evelyn riu e fez o mesmo, acompanhando nossas 'embarcações' improvisadas com os olhos atentos.
“Por que quis tanto vir aqui?” Perguntei, saber o motivo dela ter insistido em vir.
“Quando você disse que mostraria esse lugar para mim, em troca de eu ficar em silêncio, quando você mexeu na bolsa da mamãe, eu não entendi” Ela disse sem completar.
“Nada de mais, eu não queria criar nenhuma desavença, só isso.” Expliquei, enquanto nós olhávamos a linda nascente.
A nascente à nossa frente era uma verdadeira obra de arte da natureza. A água cristalina jorrava entre as rochas cobertas de musgo, criando pequenas cascatas que desciam suavemente pela encosta das rochas. O som da água correndo era como uma melodia tranquila e constante.
As árvores ao redor da nascente eram imponentes, suas copas formavam um dossel verde-escuro, uma mistura de várias araucárias e pinheiros que filtrava a luz do sol, criando padrões de sombra e luz no solo. As folhas farfalhavam suavemente ao vento, acompanhando o ritmo da água que fluía. O ar estava fresco, quase rarefeito, o que nos fazia respirar profundamente, apreciando a pureza daquele momento.
Me movi em direção à água cristalina e enchi a nossa garrafa, sentido a água fria passar pelos meus dedos e mãos.
“Vamos voltar, foram várias horas até chegar aqui, é importante voltar antes da noite para enxergarmos bem o caminho.” falei, levantando e olhando para o colossal desfiladeiro próximo.
Fui subitamente em direção a ele, como se sentisse uma atração forte pelo mesmo, dei a volta ouvindo os passos da minha 'irmã' até chegar no outro lado. Olhei a paisagem de um planeta lindo e espetacular, um mundo tão belo, pensei, tão misterioso… Cujos cosmos não são banhados por estrelas, onde há lugares em que grandes estruturas remetem a um passado esquecido.
Senti uma pequena mão puxando a minha por trás.
“Eu sinto que você me odeia, Kiel” As palavras me atingiram fracamente.
Continuei de costas olhando para o penhasco, sentindo o frio: não o frio apenas no ambiente físico, mas o emocional.
Me questionei.
Posso pular daqui e finalmente nunca mais sentir dor, não sentir nada. Completar o ciclo de uma forma que meu medo não pode me impedir, muito menos meu censo de sobrevivência. O definitivo fim, a completude da não existência a minha frente.
Isso seria certo?
Dei um passo a frente, num lugar de extremo risco. Qualquer passo em falso ou passo a frente seria a minha morte.
Distante, a estrutura negra repousava, meus 'pais' provavelmente lá.
Distante, a vila estava monótona e calma.
Distante, o rio seguia seu curso.
Distante, as montanhas circundavam o vale.
Cogitei realizar.
1!
2.
3?
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