Releitura do conto "Chapeuzinho Vermelho".
O Vento bagunçava os cabelos longos da linda garotinha que corria em frente à casa de sua avó. Ela era gentil e todos do vilarejo amavam a doce menina. Contudo, ninguém a amava mais que sua avó. A senhora que morava no meio da floresta, há alguns poucos quilômetros do vilarejo, fazia de tudo pela neta, inclusive encher-lhe de presentes, como a capa com capuz vermelho que deram origem ao seu apelido entre os moradores e familiares, “Chapeuzinho vermelho”.
Todos os dias, a mãe de Chapeuzinho Vermelho falava a filha, antes de sair para casa de sua avó sozinha:
— Chapeuzinho Vermelho, não esqueça cesta com os lanches que fiz para sua avó e você comerem. Vá direto para a casa dela em silêncio e não saia da trilha, nunca.
A menina sempre obedecia à mãe, nunca saia da trilha e sempre passava por ela em silêncio para não chamar atenção de estranhos. Chegava segura na casa da senhora e passava as manhas todas lá com ela.
Em uma dessas manhãs que passava com a avó, um dos arbustos perto da casa mexia tanto que assustou a garota. Tomando coragem para saber o que tinha ali, Chapeuzinho Vermelho, passou por entre as folhas, e no meio do arbusto, preso entre a folhagem e com um pedaço de madeira fincado em sua patinha, um filhote de lobo tentava desesperadamente se soltar. Pensando rápido, ela quebrou os galinhos em volta do animal, tirando-o dali com suas mãozinhas. Assim que saíram de entre os arbustos, com todo cuidado, tirou a madeira da pata pequena. O choro que saiu do lobo chamou atenção de sua avó, que correu para saber o que acontecera e ajudou a neta a limpar a ferida do filhote e o devolver para a floresta.
Daquele dia em diante, todos os dias que a menina passava a manhã na casa da senhorinha, o lobo aparecia e brincava com a menina, como se fosse uma criança. O animal parecia entender cada palavra dita pela garotinha com quem brincava. Sua avó assistia tudo pela janela, temendo que aquele filhote tivesse uma mãe a procura dele e fosse aparecer ali e devorar sua neta, porém, nunca acontecera. Na verdade, o filhote parecia solitário, sempre chegando e voltando sozinho para floresta.
Alguns poucos anos depois, no entanto, quando o lobo apareceu em uma manhã, conseguiu arrastar a garotinha para trás de uma das árvores e, o que era lobo, virou uma menina da idade de Chapeuzinho Vermelho. Assustada, mas animada em ter uma nova amiga, ela correu para dentro da casa da avó pegando roupas para que ela pudesse brincar consigo. Assim às duas cresceram, juntas, encontrando-se quase todas as manhãs. Brincavam e conheciam cada detalhe uma da outra.
Algumas semanas para completar dezoito anos, Chapeuzinho Vermelho ainda passava suas manhãs indo para a casa de sua avó, mas diferente de quando era criança, agora ela saia da trilha e passava algumas horas pela floresta com a lobinha, que não era mais um filhote também. Às duas corriam pela floresta até o cantinho que nomearam de seu, perto de um riacho onde o barulho da água impedia de ouvir os arredores e os arredores não podiam ouvir às duas. Chapeuzinho gostava de deitar-se por cima da grande loba e sentir seus pelos macios em sua pele, aquilo era como paraíso para ela.
Sua mãe já quase não a lembrava mais sobre os perigos ou sobre a trilha, mas naquela manhã em específico, ela havia feito. Repetiu a mesma frase que costumava dizer todas as manhãs quando era mais nova; sempre enfatizando para ir direto para a casa de sua avó. E ao se encontrar com a loba transformada sentada em duas patas a esperando, não conseguiu não rir daquilo, porque ela não só estava saindo da trilha como também estava encontrando-se com um dos seres mais perigosos da floresta. Quando às duas estão no riacho, agora ambas em forma humana, sua lobinha pergunta o porquê da risada de antes e quando lhe explica, são às duas quem riem. Deitadas, uma ao lado da outra, abraçadas, Chapeuzinho Vermelho sorri.
— Oh! Vovó — o sorriso crescia a cada frase —, que orelhas grandes a senhora tem!
— É para lhe ouvir melhor, minha criança — entrando na brincadeira, o sorriso da loba parecia perverso.
— Mas, vovó, que olhos grandes a senhora tem! — Continuou ela.
— É para lhe ver melhor, minha querida.
— Mas, vovó, que mãos grandes a senhora tem! — Ambas seguravam a gargalhada na intenção de não quebrar a brincadeira.
— É para lhe abraçar e tocar melhor, meu bem. — O sorriso deixava gradualmente de ser perverso, mas não sumia de seu rosto.
— Oh! Mas, vovó, que boca terrivelmente grande a senhora tem! — Ambas agora tinham sorrisos ladinos, prontas para a resposta.
— É para comê-la melhor!
Ao final da frase, a loba avança em Chapeuzinho, beijando seus lábios com ternura. Ao final do beijo, a loba desce seus lábios para o pescoço da menina e suas mãos vão para a cintura dela e apertam o local. Pensando saber o que aconteceria depois disso, uma gargalhada irrompe o ambiente ao que as mãos ágeis da loba passam a fazer cócegas na outra.
Chapeuzinho Vermelho amava passar suas manhas com a loba. Amava estar ali no cantinho delas, com os toques e com as conversas. Com cada olhar e cada respiração compartilhada. Os corações em sincronia e as mentes desfocadas do mundo afora. Contudo, o que ela mais amava, era ter a certeza de que a teria ao seu lado sempre que precisasse, e foi pensando nisso que ela decidiu que deveriam viver juntas. Ela deixaria o vilarejo e moraria na floresta com sua lobinha.
No entanto, ao falar sobre isso com sua avó, a senhora pediu que ela esperasse um pouco, para que tivesse certeza de que era isso mesmo que ela queria, pois, deixaria o conforto de sua casa para viver em lugar completamente diferente. Apesar de não concordar muito com a avó, considerou seu conselho e disse que pensaria melhor, mas Chapeuzinho sabia bem o que queria. Ela sabia que já havia tomado sua decisão, só decidiu esperar mais alguns dias para tomar qualquer atitude.
Enquanto esses dias passavam, a garota seguia sua rotina, mas sua mente não deixava de pensar no futuro, pensar em como seria quando se mudasse e fosse viver como queria, com quem queria. Distraída com esses pensamentos, ela nem percebeu os passos cautelosos vindos por trás.
Com a sensação de estar sendo vigiada, ela para e olha ao redor. Ela congela. Um lobo enorme, há alguns passos de distância de si, dava passos calmos como se não quisesse assustar sua presa. Presa. Ela era a presa. Seu coração dispara. Seu corpo treme. Ela pensa em gritar, mas seu corpo não obedece, sua voz não sai. O lobo para e ela prende a respiração. A garota já viu como lobisomens caçam — e ela sabe que ele não se importa com o que é a presa —, só querem comer quando estão em transformação. Chapeuzinho tem os olhos presos no animal enorme que vai correr em sua direção, pular e atacar, e ela sabe que não tem chances contra ele.
Quando o lobo começa a correr, a voz de Chapeuzinho finalmente sai em um grito estridente. A garota fecha os olhos, pronta para sentir o impacto e dizer adeus a própria vida, mas nada acontece. Rugidos são ouvidos e quando ela abre os olhos, dois lobos brigam a sua frente. Ela não sente alívio, agora sente medo por sua lobinha. Sem saber o que fazer, ela apenas espera que tudo dê certo.
Os dois lobos usam as bocas e os caninos para se machucarem e quando um choramingo alto sai do lobo que tentou atacar-lhe, ela prende a respiração de novo. E só solta quando sua lobinha acerta o pescoço dele em uma mordida forte. O lobo foge, e quando nenhum perigo aparente é apresentado, a transformação se desfaz e a loba cai ao chão, fraca, com feridas e os olhos pesados.
Chapeuzinho corre em sua direção e com dificuldade a leva para casa de sua avó. Às duas a colocam na cama e cuidam de suas feridas, vai curar, ela sabe, mas a preocupação fala muito mais alto.
Enquanto esperam pelo despertar da loba, a senhora faz uma sopa e conversa com a neta. Ambas na cozinha da pequena casa, conversam em um tom baixo para não prejudicarem o descanso da meia humana.
— Eu estava enganada. Vocês estão prontas. Não esperem por mais nada e vivem felizes, minha querida.
Saber que sua avó a apoiava era mais que o suficiente, mas a menina ainda precisava contar a mãe e esperar que ela entendesse da mesma forma que sua vó.
Leva tempo. Leva o tempo de construir a casa na floresta para às duas morarem. E só quando ela está totalmente pronta que a mulher aceita a mudança, ela diz que sentirá falta de sua menininha, mas entende que ela cresceu e precisa seguir sua vida.
Naquele dia de mudanças, Chapeuzinho Vermelho, está tão contente que quando se deita para dormir, pela primeira vez em sua casa nova, ao lado de seu amor, percebe que sua vida é completamente diferente do que um dia pode imaginar, mas ela jamais pediria por outra. Ela estava feliz, radiante com quem amava e nunca mudaria isso.
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