Shin nunca foi uma pessoa fria e calculista, até queria ser, mas aprendeu a esconder um pouco esse lado, já que sempre foi repreendido, não era raro ter alguém de sua família gritando para ter postura de homem, sempre que tentava expressar emoções mais fortes ou diferentes das consideradas masculinas, sofria punições severas demais apenas por ser “sensível demais” quando criança. Lembrar da infância é um campo minado, Shin sabia que nem tudo era momentos ruins, porém na sua cabeça todas as vezes que apanhou para conversar direito ou ridicularizado por seu pai e os amigos dele por sempre se esconder atrás de sua mãe quando com apenas doze anos tentavam lhe arrastar para um puteiro, tudo com o pretexto de ensiná-lo a como ser homem, estão tatuados na sua mente. Crescer foi doloroso, aprendeu a se fechar e quando finalmente se tornou um adolescente, seu pai nem lhe incomodava mais com ele, até o fatídico dia em que tudo foi por água abaixo.
Lúcifer dormia no sofá e Shin ficou na cama, se revirando sobre os lençois, até se perguntava porque Lúcifer ainda não havia tentado nada, nem protestado quando o expulsou da cama, quase difícil de acreditar, no entanto, Shin agradeceu silenciosamente esse pequeno ato de misericórdia. Costume foi preparar seu café da manhã, não tinha memória de quando dormiu, apenas que passou uma eternidade olhando para o teto do quarto passando na sua cabeça todos seus erros até chegar ali, ele precisa sair logo, sua cabeça não o deixaria em paz enquanto não começasse a trabalhar no caso novamente. Mesmo sabendo que Lúcifer não comia nada humano deixou algo preparado para o entreter na sua ausência, ele cuidadosamente escreveu um aviso e deixou grudado na porta da geladeira.
Logo que chegou na delegacia Bern o abordou curioso.
_ Então, como foi a noite de hoje? Sexo quente? Aposto que ele deve ser fogo na cama!
_ Bern por favor, estamos no trabalho, respeito!
_ Desculpa por ficar curioso quando descubro que meu único amigo gay daqui está namorando uma espécie de modelo super gostoso! _ O tom debochado de Bern irritava Shin, Lucifer não é um relacionameto romantico real, aquilo so estava acontecendo por conta do maldito ceticismo. _ Eu ainda estou querendo o ménage que vocês me prometeram.
_ Primeiro ele não é meu namorado, segundo vai esperando esse ménage lá para dia 32 de fevereiro e terceiro, morre esse assunto aqui! _ A sala de Shin não é tão longe da entrada do departamento, contudo, Bern está fazendo com que essa caminhada até lá dure uma eternidade. _ Me diga que horas é a entrevista tenho que me aprontar e já tem alguma coisa do garoto de ontem? _ Corta Shin, deixando Bern desanimado.
_ Sem graça fominha! A entrevista é às três da tarde e ainda não de tem muita coisa, mas Janaína conseguiu achar a identidade do garoto, aparentemente ele é de um abrigo para jovens, foi expulso de casa recentemente e alguns amigos dele vieram falar do desaparecimento.
O estômago de Shin se contorce pela tristeza e o luto de um garoto que sofreu até o último minuto, mas isso lhe dava ainda mais gás para achar os miseráveis que fizeram aquilo. A sala onde Shin faz suas investigações é repleta de fotos e anotações sobre outras vítimas, uma sala de poucos metros quadrados com três caixas de arquivos contendo pastas devidamente catalogadas entre, vítimas, suspeitos e locais, em um canto ao lado da mesa no fundo da sala havia um quadro branco magnético, onde fotos das vítimas estavam penduradas por imãs e linhas eram desenhadas de uma foto a outra, nesse quadro também havia fotos de cenas de crime e suspeitos.
Desde que saiu para seguir o seu suspeito mais forte que lhe conduziu até a seita, não havia pisado naquela sala, os arquivos de três últimas vítimas se encontravam no mesmo lugar onde deixou em cima da mesa, Shin as pegou na mão, tentando se reencontrar naquela investigação, contudo nada naquelas descrições batem, idades desiguais, gêneros ou qualquer outra ligação óbvia já tinha sido descartada.
_ Gostei da organização, interessante... _ Shin congelou e se virou, vendo Lúcifer parado atrás dele olhando para seu quadro encostado na parede ao lado da porta.
_ O que está fazendo aqui? _ Shin falou baixo tentando conter seu nervosismo. _ Que merda de roupa é essa? _ Lúcifer vestia uma camisa de botões de Shin deixando a parte do peito quase toda exposta, uma bermuda igual a do dia interior branca.
_ Devo te lembrar do contrato? Não posso ficar longe, se você morrer sem o contrato está concluído ou quebrado vou junto, como um ser não terreno não tenho a regalia de uma segunda chance, não seria muito inteligente da minha parte te deixar sozinho sendo que como humano você é muito frágil. _ Shin odeia a ideia de ter um demônio como sua babá, lhe seguindo para não se machucar. _ Sobre a roupa, prefiro vestir uma Dulce Gabbana, Calvin Klein ou até mesmo Prada, mas infelizmente não tinha nada disso no seu guarda roupa e você é baixinho demais, tudo que uso fica parecendo que peguei na sessão infantil, mas isso não vêm ao caso aqui, nesse momento o único que pode me ver é você.
_ Como isso é possível? _ Perguntou Shin finalmente ligando alguns pontos, como ninguém parecia o ver em certos momentos. _ Todos os demônios que vem para a terra fazem isso?
_ Geralmente não deixo ninguém subir aqui, na verdade ninguém quer vir aqui, é muito chato, só as novelas e alguns filmes são legais ou quando deixamos alguma alma sair do inferno sem querer… Só que resolvemos isso com o Infernoflix, o valor é uma facada… Literalmente!
_ Você já deixou alguma alma sair do inferno?
_ Não... Talvez... Tá bom já sim, mas foi na festa da empresa, aqueles caras são fogo, fiquei tão louco que quase fiz o inferno congelar. _ Shin olhou com uma cara incrédula. _ O que? não sou de ferro!
_ Você ainda não me explicou como consegue ficar invisível! Como faz isso? _ Shin ficou intrigado com a habilidade que poderia ser muito útil quando estivesse perseguindo alguém e precise esconder sua presença.
_ Sou um demônio, nasci com essa habilidade, além do mais, para vocês humanos ficar invisível deveria ser o de menos vindo de mim! Mas é simples, é uma estratégia de camuflagem, se vocês humanos chegassem a ver metade das coisas que acontecem não sairiam de casa.
_ Ótimo parece que cada dia é pior que o outro!
Lúcifer olha cada foto atentamente como se analisa se cada uma delas.
_ O que exatamente você está fazendo? _ Questionou Shin olhando ao ver o demônio lendo suas anotações ao lado de algumas fotos.
_ Te ajudando, assim você termina mais rápido e fica me devendo uma. _ Falou o demônio lambendo os lábios e gesticulando com os dedos o que ele realmente queria. _ Qual o objetivo disso exatamente?
_ Disso o que?
_ Vocês humanos estão sempre se matando sem motivo, são frágeis e vulneráveis de tantas formas... _ Lúcifer vai até Shin e inspeciona seu corpo. _ Mesmo você sendo forte fisicamente, uma bala ainda é mais forte, qual o sentido de ficar procurando quem apenas está seguindo um dos instintos mais primitivos dos humanos? Matar!
_ Não somos tão ignorantes quanto você nos pinta Lúcifer, acreditamos em justiça e que mesmo a pior pessoa do mundo pode encontrar redenção da maneira certa. _ Mesmo que essas palavras tenham saído de sua boca, na mente de Shin ecoa “assim prefiro acreditar”.
_ Justiça…!? _ Lúcifer para na frente de Shin pega seu queixo e o olha nos olhos. _ Justiça é algo que não cabe aos humanos julgarem, conheço mais pessoas justas queimando em sua punição eterna do que desfrutando de um nirvana, sua justiça é falha! A visão do que é justiça para os humanos sempre irá vir carregada de preconceitos individuais. _ Os olhos de Lúcifer ficaram da cor de um vermelho fluorescente, Shin não esboçou medo. _ O que acha justo senhor Takkane? Uma pessoa que salva sua própria família ou que a sacrifica para salvar outras pessoas que não conhece? Saberia me dizer como escolher quem deve morrer para outro sobreviver quando ao invés da sua vida você coloca a de outras na balança? Ainda nem cheguei a mencionar sobre as classes marginalizadas em comparação com as privilegiadas.
_ Sim, nossa justiça é falha e seu conceito é completamente decadente, mas ainda é o que sobrou para tentar salvar alguma coisa e é pelas vidas que posso salvar que luto, faço o meu trabalho sempre pensando no que realmente é certo, deixar malucos psicopatas soltos e impunes matando pessoas inocentes, esse tipo de pessoa não deve ficar circulando até que consiga machucar mais ninguém. _ Shin sentia seu coração vacilar, contudo manteve sua postura e voz contidas e inabaláveis.
Lúcifer olha Shin uma malícia demoníaca no olhar com uma postura dizendo que claramente é superior.
_ Você talvez esteja certo, não posso influenciar a vida humana, mas ainda sim me irrita humanos que se dão o direito de julgar o que é certo ou errado. _ Lúcifer podia ver nos olhos de Shin algo que talvez nem ele mesmo saiba que tem, algo puro, uma inocência intocada, Lúcifer se questiona “quanto tempo esse ímpeto vai conseguir sobreviver?”
De surpresa, Bern entra na sala sem nem um anúncio ou formalidade, quase dá de cara com Lúcifer, mas por estar invisível para outras pessoas, Bern nem nota a presença dele, ainda que sinta uma tensão estranha no ar, porém resolveu ignorar.
_ Shin saiu o resultado preliminar da autópsia!
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