Capítulo 4 - A despedida
A morte do vampiro de Berespar não foi muito comemorada como imaginava Rob Griffin uma semana atrás, quando decidiu viajar até o vilarejo para matar o vampiro e conquistar a sua fama. Muitas crianças se tornaram órfãs depois da sangrenta luta na taberna do Beholder Caolho. Na manhã seguinte, o clima em Berespar era de luto, mas o ato heróico dos Skullcrushers não passou desapercebido. O taberneiro fez questão de pagar pela estadia e comida de todos e, mesmo tendo perdido a sua filha, que era uma das garçonetes trabalhando na noite anterior, ele agradeceu aos heróis e lhes desejou boa sorte em suas jornadas futuras.
Ignorando o fato de que mais de vinte pessoas haviam morrido brutalmente com seus membros dilacerados e espalhados no chão da taberna a menos de doze horas atrás, a manhã estava linda. Rob respirou o ar puro de Berespar e estava muito animado para iniciar sua jornada com seus companheiros. Em poucos minutos os demais saíram e se juntaram a ele à frente da estalagem. Além de Azurya, Khelgar e Zach, também estavam lá o mago e a barda.
“Bom dia, meus amigos.” disse Rob sorrindo, num excelente humor. “Hoje é um belo dia para se pegar a estrada e iniciarmos nossa jornada. Como vocês estão?”
“Os servos de Pulque estão sempre prontos para caminhar com Myandra, a deusa do Destino.” disse Khelgar, bebendo de seu cantil. “Que Myandra ilumine nosso caminho e, se encontrarmos qualquer obstáculo, que Pulque nos dê a força necessária para destruí-lo.” e tomou mais um gole. Um gole para ele, outro para Pulque.
“Você tá bebendo cerveja a essa hora?”, perguntou Zach.
“Sim." respondeu sério Khelgar. “Desde que acordo até a hora de dormir, estou sempre fazendo oferendas a Pulque.”
“Acho que quero virar um seguidor de Pulque.”, disse Zach. “O que preciso fazer para entrar no seu culto? Preciso participar de algum ritual de iniciação? Existem muitos cultos estranhos por aí. Em alguns você tem que dançar pelado em volta da fogueira. Eu já participei de alguns assim. Eram bem divertidos. Já o culto de Hadena, a deusa da Morte, eu não gostei muito. Não gosto da idéia de sacrificar outros seres vivos. Parece um pouco excessivo. Eles não gostaram quando eu decidi sair do culto. Até hoje alguns seguidores de Hedena me reconhecem e me perseguem. Dizem que depois que você entra não pode mais sair. Mas eu não gosto muito dessas regras muito rígidas. Não combinam com o meu perfil. Quais as regras para ser um servo de Pulque?”
“O Caminho de Pulque não é um culto. É… bah, deixa pra lá. Isso é assunto para uma outra hora.” o anão suspirou impaciente.
“E você Azurya?” perguntou Rob. “Está tudo bem com você?”
A maga consentiu brevemente em silêncio, mas Rob percebeu que ela estava diferente. A luta de ontem com o vampiro, que quase lhe tomou a vida, mexeu com ela. Algo mudou dentro da maga. Ela continua reservada, calada, mas algo no olhar dela mudou. Se antes ela ficava apenas observando aqueles à sua volta, agora seu olhar estava distante. Algo claramente a perturbava.
“Bom dia.” disse o mago. “Eu nem tive tempo de me apresentar ontem.” fez uma curta reverência a todos. “Meu nome é Mediev e como a vossa companheira Azurya eu também sou um mago da Ordem, embora não tão competente.”
“Prazer, Mediev.”, lhe cumprimentou Rob, seguido pelos demais. “Por que não junta-se a nós? Talvez você e Azurya possam aprender um com o outro. Nunca se tem magos demais num grupo.”
“Uau! Dois magos no nosso grupo!”, disse Zach, seus olhos brilhando. “Seria realmente interessante! A Ordem dos Magos aceita Wees? Eu nunca ouvi falar de um Wee praticante de magia, mas talvez existam. Qualquer um deve conseguir aprender. Não que seja fácil. Ei, vocês poderiam me ensinar!”
Azurya nem se importou em responder. Na verdade, ela nem prestou atenção pois continuava perdida em seus pensamentos.
“Infelizmente não é possível, caro Zacharias.” Mediev lhe respondeu, repousando a mão em sua cabeça, como um pai faz com um filho. Não percebeu a condescendência do ato, mas não havia tal intenção. Só não estava acostumado a falar com pessoas de tão baixa estatura quanto os Wees. Já Zach não se importava, pois, ele sim, estava acostumado a ser tratado como uma criança humana e por isso levava na esportiva. “Para aprender, primeiro você tem que ser aceito pela Ordem. Caso contrário você seria tratado como um mago rebelde e esses são caçados pela Ordem pois representam um enorme perigo ao mundo.”
“Agradeço o convite.” continuou Mediev, desta vez respondendo a Rob. “Mas o episódio de ontem me abriu os olhos. Dentro da Ordem existem diversos caminhos que podemos escolher e ontem eu achei que nunca mais teria a chance de rever minha esposa e filhos. Mas uma nova chance me foi dada e eu não me atrevo a desperdiçá-la. Retornarei para minha cidade e continuarei meus estudos na Ordem apenas de forma acadêmica. Desejo-lhes boa sorte e que um dia Myandra cruze os nossos caminhos e tenhamos apenas boas novas para compartilharmos entre nós.” terminou fazendo uma longa reverência e se afastou dos demais.
“Ei!” Rob gritou para ele já ao longe. Mediev virou-se para ver o que queria o arqueiro. “Não se esqueça, quando for recontar para qualquer pessoa sobre a luta de ontem, que os Skullcrushers derrotaram o vampiro! Com a ajuda do bravo mago da Ordem, Mediev!” acenou para o mago, que sorriu e consentiu para o arqueiro e depois continuou em seu caminho.
“E você?” perguntou Rob à barda. “Como se chama?”
“Leila”, ela respondeu.
“Por quê não se junta a nós, Leila?”
“Eu agradeço, mas…” respondeu a barda cabisbaixa, com uma enorme tristeza em sua voz. “Eu não sirvo para isso. Eu não tenho uma família para quem retornar, como o Mediev. Os Heróis Dourados eram a minha família e agora todos se foram. Eu acho que vou ficar em Berespar para enterrar os corpos de Percival, Glem e Rios. E depois devo ficar por aqui para ajudar o povo de Berespar a superar a tragédia de ontem. Para ser sincera, acho que também vou precisar da ajuda deles. Eu…” ela começou a chorar e não conseguiu terminar o que ia dizer, mas com um pouco de esforço engoliu o choro e continuou, entre soluços. “Eu… só queria… eu só queria agradecer… eu achei que iria morrer ontem… eu nunca vi algo… como aquilo… obrigada… obrigada… obrigada!” ela se lançou nos braços de Rob e começou a chorar profusamente como uma criança no colo de uma figura paterna.
Embora Rob não tivesse recebido os louros que esperava e com os quais sonhara ao chegar em Berespar, sendo aplaudido por todos como um grande herói, o agradecimento sincero e caloroso da barda foi a segunda melhor recompensa que poderia esperar. E foi um momento que iria marcá-lo para sempre, pois lhe demonstrava que ele poderia ter um real impacto na vida de várias pessoas com seus atos de bravura. E que a fama que buscava não poderia ser tão supérflua, apenas pela fama em si, mas mais ainda pela mudança que poderia causar no mundo.
“Fique bem.” ele abraçou a barda com força. “Que você e o povo de Berespar consigam curar as suas feridas. Boa sorte.”
“Obrigada. Obrigada a todos.” ela largou de Rob e se despediu do grupo, voltando para a taberna do Beholder Caolho.
“Parece que somos só nós então.” disse Khelgar.
“Somos mais que o suficiente.” respondeu Rob. “Agora, quanto a nossa próxima parada, estava pensando em pegarmos a estrada ao norte, rumo a Shalamar. Vai levar muito tempo para chegar até a capital e teremos muitas paradas no caminho. Podemos procurar por algum trabalho na próxima cidade. A não ser que alguém tenha alguma ideia."
Zacharias vasculhou sua mochila e tirou de dentro dela uns pergaminhos feitos em couro de cabra, amarrados por um cordão. Desatando o nó do cordão, abriu os pergaminhos sendo um deles um mapa e os demais apenas anotações.
“Eu achei isso aqui ontem a noite.” ele mostrou para Rob.
“O que é isso?” Rob perguntou, pegando o mapa.
“É um mapa.” respondeu Zach.
“Lógico que é um mapa!” resmungou o anão. “Mas um mapa de quê? De onde?”
“Ah! Essa já é uma outra pergunta!” Zach gargalhou. “Pelas anotações dos pergaminhos, o grupo de Percival estava à procura de uma pessoa que se perdeu nos Pântanos Profundos, ao nordeste daqui. O mapa em si é bem mal feito, está completamente fora de escala e eu não gostei de como eles desenharam o pântano.”
“Interessante.” Rob disse, lendo as anotações. “Um desses pergaminhos é um contrato para o retorno do filho do contratante, um mercante chamado Xyxor Fystan. Ele oferece cem moedas de ouro!” exclamou surpreso, com um alto assobio. “É muita moeda! Pelo retorno de seu filho com vida. Aqui tem um porta retrato dele. Hmmm, a residência de Xyxor é na cidade mercante de Tilissar, ao norte daqui. Seria a nossa próxima parada.” enrolou os pergaminhos novamente e prendeu-os no cordão. “O que acham?” perguntou aos demais. “Vamos para os Pântanos Profundos?”
“Não é esse pântano que é infestado por cobras gigantes?”, disse Khelgar.
“Cobras gigantes?” Zach perguntou curioso. “Nossa! Qual o tamanho de uma cobra gigante? Eu nunca vi uma cobra gigante antes! Eu gostaria muito de ver uma!”
“Você não tem nenhum senso de autopreservação?” perguntou Khelgar.
Rob então olhou para a maga.
“Qual a sua opinião, Azurya? Acha que devemos ir?”
Ainda em silêncio, Azurya consentiu levemente com a cabeça.
“Ok! Então está decidido. Vamos chutar bundas e esmagar cabeças!” Rob gargalhou maniacamente.
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