Lentamente as mulas e a carruagem começaram a girar na direção da colina. Um pequeno caos se instaurou na estrada pois o senso de urgência se alastrou mais rápido que a capacidade de reação da caravana.
O barulho no morro parou e acima do enorme buraco cavado flutuava uma enorme pedra com seis metros de diâmetro envolta numa casca de raios vermelhos. Ouviu-se então um barulho como de um pequeno trovão, os raios vermelhos sumiram e a pedra foi lançada morro abaixo, descendo numa velocidade mortal e causando pânico generalizado aos membros da caravana. As mulas foram deixadas para trás e seus cuidadores passaram a cuidar apenas de si e correram na direção da colina. O cocheiro da carruagem, vendo que estava na direção da pedra e que os cavalos estavam agitados demais para serem comandados, decidiu se salvar, pulando na estrada e correndo para salvar sua própria vida. Os mercenários já estavam subindo a colina habilmente com seus cavalos. Rob, Khelgar, Zach e Azurya estavam um pouco atrás deles.
O único que ficou na estrada para tentar fazer alguma coisa foi Ezequiel. Ele desmontou de seu cavalo e o tocou para fugir dali. O cavalo começou a correr em direção à colina, seguindo os demais. Parando à margem da estrada, de frente para o morro e em linha reta à enorme pedra, Ezequiel levantou seu cajado com as duas mãos. O cristal alaranjado começou a brilhar e soltar diversos raios de energia mágica que atingiram o solo do morro à sua frente, fazendo-o tremer e se erguer no formato de uma curva inclinada para a direita.
Zique! Azurya pensou, olhando para trás para a já distante figura do mago na estrada enfrentando algo para o qual ela não sabia se ele estava preparado. Ambos entraram na Ordem ao mesmo tempo. Ela, então, imaginava que ele estivesse no mesmo nível dela. Eu não conseguiria parar essa pedra. Quem quer que tenha soltado essa magia é claramente bem mais poderoso do que eu. Zique, seu idiota. Sai daí…
Mas por mais que a maga implorasse em seus pensamentos, Zique continuou na frente da enorme pedra e, infelizmente, o desvio que ele tentou criar não foi o suficiente. Azurya fechou os olhos e virou o rosto para o outro lado, assim que viu a pedra atravessando a elevação de terra criada por Ezequiel e seguindo o seu rumo. Era tarde demais. Não tinha como o mago sair da frente da pedra.
“QUE PORRA TA ACONTECENDO? PORQUE PAROU?” o desavisado mercante pôs a cara pra fora da carruagem só para ver a enorme pedra terminando de descer o morro e atravessando a estrada, começando por estourar sua cabeça junto com a carruagem durante o impacto, ecoando pelo vale o barulho equivalente ao de uma explosão. No instante seguinte, estourou os cavalos da carruagem e três mulas no caminho, espirrando sangue e pedaços dos animais para todos os lados.
Devido a velocidade com que a enorme pedra desceu o morro e o fato de seu enorme corpo não ter encontrado nenhuma grande resistência, ela atravessou a estrada destruindo tudo em seu caminho e ainda subiu a colina do outro lado por muitos metros, esmagando alguns dos cuidadores de mula. Depois de todo o estrago causado, ela rolou colina abaixo de volta para a estrada e finalmente manteve-se em repouso, bloqueando quase toda a passagem para futuros viajantes.
“ZIQUE!” Azurya gritou e parou o seu cavalo, girando-o na direção da estrada mas, não conseguindo enxergar direito devido a nuvem de poeira levantada pela pedra em seu caminho. “Zique…” ela disse mais uma vez, esperando a poeira baixar.
Rob e os demais pararam seus cavalos para não deixá-la para trás.
“Vamos…” disse Rob para ela. “Ele não tem como ter sobrevivido. Vamos Azurya…”
Ela ignorou Rob e continuou esperando a poeira abaixar. Assim que ela se dissipou, viu o corpo do mago estirado, bem no cantinho onde a beira da estrada encosta no morro. Ela quase se pegou pedindo para Carmine para salvá-lo, mas era apenas força do hábito. Um hábito que ela prometeu que não se repetiria. Sendo assim, ao invés de rezar para a deusa, ela apenas olhou com raiva para Ezequiel.
Levanta desgraçado! Ela pensou.
E como se obedecendo às ordens de Azurya, o corpo de Ezequiel começou a se mexer. Logo em seguida ele já estava se apoiando para se levantar e tirando a poeira de suas roupas. Embora a elevação de terra criada por ele não tivesse sido densa o suficiente para suportar a enorme força do impacto da pedra, ela foi o suficiente para fazer a pedra sair um pouco do chão. Ao deitar com os peitos no chao, o mago conseguiu se posicionar embaixo do pequeno arco de trajetoria feito pela pedra antes desta encostar na estrada.
Olhando para a colina, ele viu Azurya e acenou para ela. Mas ela apenas virou o cavalo e continuou a subir.
Ainda bem que você não morreu, seu idiota. Ela pensou.
Rob e seu grupo continuaram, assim, a subir a colina em direção a estrada que levava até a fortaleza. O mago da caravana vinha logo atrás, correndo em direção a seu cavalo.
Um som sinistro de trombetas ecoou do topo do morro de onde rolou a pedra. A silhueta de um enorme exército de orcs começou a se formar ao longo do topo. Julius parou seu cavalo, levantou a viseira do seu elmo e observou com a luneta.
Uma fileira de orcs se formava e, no meio deles, um enorme orc vestindo uma pesada armadura de placas aparentava ser o líder. Além de ter maior estatura e ser mais musculoso, montava um bizarro besouro gigante que parecia ter uns três metros de comprimento, sem contar suas enormes mandíbulas de um metro e meio. Ao lado do líder estava um xamã, usando um cajado mágico com um enorme cristal vermelho. Deve ter sido esse desgraçado que causou esse desastre. Pensou, olhando para o rastro de destruição causado pela enorme pedra. Em seguida, viu todos os orcs pegando arcos e o líder apontando sua enorme espada para cima.
“FLECHAS! CUIDADO!” Julius avisou a todos. Ele e os mercenários pegaram seus escudos e os ergueram com a mão direita, voltando-os na direção dos orcs, enquanto cutucavam seus cavalos para subirem a estrada da colina até a fortaleza o mais rápido possível. Uma saraivada com centenas de flechas cruzava o céu entre o topo dos morros à direita e a colina à esquerda.
Cavalgando seu cavalo ao lado de seus companheiros, Azurya olhou por sobre o ombro direito para as flechas que se aproximavam e levantou sua mão direita, comandando a energia mágica de seu cajado que disparava para o ar acima dela e rapidamente produziu uma barreira de gelo flutuante, similar a que ela criou na luta contra o vampiro de Berespar.
“FIQUEM PERTO!” foi tudo o que ela pode gritar e rapidamente seus companheiros moveram suas montarias próximas à da maga.
O aterrorizante som de centenas de flechas cortou o ar acima de suas cabeças, seguido pelo som do impacto na enorme barreira de gelo flutuante. Como imaginou Azurya, a barreira não iria parar todas as flechas, mas poderia impedir o impacto mortal. Algumas flechas acertaram a barreira e ficaram presas no gelo, outras bateram e foram repelidas, mas cada flecha que impactava a barreira produzia uma trinca cada vez maior e reduzia a sua resistência. Infelizmente eles estavam no meio da área de impacto e a barreira acabou sendo destruída, permitindo que algumas flechas atravessassem quase que incólumes.
“AAARRRGH!”
Ouviram assustados o grito de Azurya e olharam para a maga, mas ela estava viva. Porém, sua mão direita que estava levantada mantendo a magia da barreira de gelo havia sido trespassada por uma flecha. A maga curvou seu corpo e abraçou o pescoço do cavalo, quase subumbindo à imensa dor que tentava controlar.
Os cuidadores de mulas, por estarem a pé, moviam-se mais devagar e estavam mais atrás e, por sorte do destino, não estavam na área de impacto das flechas. Já as poucas flechas na direção dos mercenários foram paradas pelos seus escudos.
“FLECHAS!” ouviram Julius gritar novamente. Ele e os mercenários estavam mais adiantados, cavalgando pela estrada a uns trezentos metros de distância da fortaleza e já acenavam e gritavam para os guardas abrirem os portões.
“Azurya…” Rob disse, olhando nos olhos da maga, cavalgando proximo a seu lado.
Ela entendeu o que Rob quis dizer com aquele olhar. Precisavam dela naquele momento e ela precisava superar a dor e tirar energias de qualquer lugar para conseguir protegê-los, ou virariam peneira de orc.
Mais uma vez a imagem de Carmine veio a sua mente, deixando-a ainda mais irritada e servindo como estimulo(procurar palavra melhor) para a maga provar para si mesma - ou seria pra a deusa? - de que poderia se virar sozinha. Ela ergueu sua mão trêmula de dor e viu as flechas se aproximando. Com um emocionado grito de dor e raiva, ela novamente soltou a magia. A energia mágica pulsou intermitente de sua mão até o cajado e do cajado até o ar acima dela.
“AAAAAAAAAAAAAAAAAAARGH!!!” ela urrava de dor e o sangue descia do ferimento em sua mão e escorria pelo seu braço na medida que a barreira começou a se formar novamente por sobre suas cabeças. Porém, ela não estava conseguindo formar uma barreira grande o suficiente. Todos olharam apreensivos, vendo as flechas e a barreira de gelo e chegando à mesma conclusão…
Fudeu, pensou Rob, e fechou os olhos, botando a mão em cima de seu elmo para não correr o risco dele cair e colou o seu corpo no do cavalo. Seja o que Myandra quiser.
Ouviram mais uma vez o som das flechas cortando o ar em cima de suas cabeças e em seguida do impacto na barreira de gelo. Só que algo estava diferente desta vez. A barreira se manteve intacta e não deixou nenhuma flecha atravessar.
“Chegou em boa hora!”, disse Zach, esboçando um largo sorriso.
Ezequiel havia alcançado eles a tempo de reforçar a magia de Azurya e ajudar a criar uma barreira mais resistente que a anterior.
“Pela graça de Pulque…”, Khelgar suspirou aliviado, finalmente abrindo seus olhos. Já não gostava de cavalgar. E cavalgar sendo atacado por centenas de flechas de orcs pelas costas era ainda mais desagradável.
Azurya se esforçou ao máximo para não demonstrar a felicidade que sentia por ter Zique ali, vivo ao seu lado, e por te-la ajudado a salvar seus amigos. Porém, lhe lançou um olhar de indiferença, mas sentiu que ele percebeu o que ela tentava esconder.
“VAMOS! OS PORTÕES SE ABRIRAM! IÁ!” Rob interrompeu seus amigos e cutucou seu cavalo com o calcanhar, liderando o grupo em disparada pela estrada e subindo a colina em direção a fortaleza.
Uma última saraivada de flechas voou pelos ares, mas desta vez eles estavam fora do alcance. O mesmo não podia ser dito dos cuidadores de mula, que foram perfurados por uma quantidade muito maior de flechas do que seria o necessário para matá-los.
Julius e seus mercenários já haviam passado pelos portões e em poucos minutos Rob e os demais se juntaram a eles, protegidos pelas maciças muralhas da Fortaleza de Caspius. Mas a batalha estava apenas começando. As trombetas dos orcs soaram novamente, desta vez junto com o rufar de tambores e o exército começou a tomar forma e mostrar o seu verdadeiro tamanho. Cerca de quinhentos orcs desciam o morro velozmente em direção à estrada e, posteriormente, subiriam a colina em direção à fortaleza.
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