Havia um hangar tingido de azul, do lado de fora da estrutura, cercado de prédios, escondido de tudo, como se os tortuosos edifícios da cidade torta fossem projetados para o tapar, o proteger; estava com os portões abertos convidando para a entrada. No chão terra seca, o corredor percorrido deu numa porta, que ao ser aberta deu nesses fundos, nessa região oculta. Dilan parou à frente segurando as roupas largas com suas mão magérrimas, o sol claro da manhã refletia quase perfeitamente a pele pálida.
-Você vai entrar? - Ditou Dilan, se cobrindo de novo com as roupas segurando a barra da calça e arrumando a espada na outra mão.
-Tenho escolha?
Dilan é um ser curioso, incluindo a problemática da genitália estranha, ele parece ter costumes e trejeitos enferrujados, meio rijo, fala duro, com os “érres” e os “ésses” se prolongando no embalo de um sotaque irregular.
Apressados, andamos e entramos no hangar, e lá estava, nas vestes finas, a pele vermelha, o terno azul, o sapato preto brilhante, o cabelo ondulado que caia como cachoeira nos ombros, as íris vermelhas e a boca cortada na vertical, a figura daquele dia. Operava umas ervas e uma chaleira sob um balcão com aparelhos de refinaria, despejou a água quente num bule e colocou as ervas no infusor de metal. Dilan virou para a esquerda e foi fuçar num dos vários gabinetes à sua esquerda como quem manda lá, abriu as gavetas e ficou olhando com atenção uma a uma.-Boa tarde. - Ditou, um vapor frio saiu da boca se dispersando e desaparecendo. Fiquei quieto, não respondi. - Fez amizade com a amostra? - Continuei quieto.
Ele pegou três xícaras de baixo do balcão, colocou sob o mármore e serviu o chá.
-Isso apareceu aqui, na região do Hangar, num buraco. Pegamos ele e vimos a coisa estranha que tinha no meio das pernas. É estranho não é?
-Por que assume que eu vi?
Olhou dum lado pro outro, projetou o lábio inferior com cortes pequenos para frente, síncrono com a subida dos ombros, indicando desconhecimento.
-Apenas uma suposição, ele vive nú na “cousa” dele - Indicou as aspas na frase com os dedos fazendo um sinal ao lado da cabeça e então me estendeu uma xícara. - Soube que deu um fim à vida do Pierry. Ele costumava tentar a todo custo ser um agregado de uma patente mais alta na nossa família, mas falhava miseravelmente, no final das contas era mesmo só um capanga de merda.
Peguei a xícara e olhei para dentro, um líquido grosso e transparente amarelado rodou nas bordas.
-Ele costumava ter um amigo da qual não lembro o nome. Um gordo alto muito apegado em uma balaclava e…
-Está morto também.
-O que?
-Dilan o matou.
-É um amigo seu?
-É ele. - Apontei para Dilan que no momento se encontrava de costas para nós dois meio perdido em sua própria curiosidade como uma criança despreocupada de qualquer obrigação, livre de perigos, me pego pensando se ele está na situação, ou seguro dos próprios reflexos.
-Dilan? Por que?
-Lucca que deu o nome, eu não sei.
-Esse é amigo seu?
-É meu irmão.
Ficou quieto, desconfortavelmente calmo, como quem não disparou na minha coluna dias atrás.
-Vocês têm uma boa relação?
-É mesmo da sua conta?
Ficou quieto e uma expressão confusa alagou o seu rosto, se desmanchando em alguns instantes.
-É que eu tenho um também, David. Nossa família vêm da Itália. Entretanto, meu irmão e eu nascemos aqui. Nós dois não temos a melhor das relações, David não gosta da família. Mas é o nosso ferreiro, ele que faz as armas.
-Então ele que fez o disco?
-Não.
-O que é o disco?
-Eu não sei, é do chefe, ele emitiu um alerta para todos os agregados da região de Nova Iorque que deveríamos buscá-lo, eu só sei que é algo importante.
Assenti com a cabeça enquanto observava Dilan com o mafioso.
-David, né… E você?
-Ziu, Ziu Jackson. Jackson é o sobrenome da família, o Don, o chefe é o meu tio.
Supus que o nome Jackson foi inventado porque como um mafioso, deve ser de interesse comum esconder a própria identidade, se sabem que a máfia é ligada à uma família italiana, por quê procurar por alguém chamado Jackson?
-Eu nunca vi meu pai, reza a lenda que ele e meu tio não tinham uma relação muito boa. Só estou no posto de capi porque tenho o sangue deles, do contrário seria um capanga comum. Como chegou aqui?
-Pela porta. O cara da balaclava tava atrás do Dilan, morreu, e aí a tal da Mona apareceu.
-E como cuidaram dela? Seu irmão morreu no processo?
-Deixei ele e Café brigando com ela.
-Está com o Café então?
Assenti com a cabeça, quieto.
Ele soltou um breve suspiro, paciente.
-O crioulo deu problemas sérios pra gente, os empresários dele o deixaram com uma dívida milionária depois da luta que ele perdeu, embora ele tenha construído uma carreira de sucesso no boxe, precisava da luta de rua pra se sustentar. E quem organiza é a gente, Dante deu uma bela surra nele, embora o Aren seja provavelmente o mais competente do ramo, perto do Dante, ele é uma piada.
Balançou a cabeça em negação e deu um gole longo na sua xícara, o chá já deve ter esfriado um pouco, engoliu a massa quente de líquido amarelado e soltou um grunhido, acompanhado dum exalar fraco.
-A Mona é quem gerencia o tráfico de drogas comigo, cada Capi tem uma função. Eu sou líder da esquadra de tráfico. Ela gerencia a mercadoria das drogas novas. Chegou um barato novo na cidade, sabia? - Complementou.
Fiquei quieto e larguei o chá seja lá do que sob balcão, à medida que o indivíduo se abaixou para pegar algo na dispensa abaixo da mesa dele. E me aproximei de Dilan, ficando atrás dele, que agora observa Ziu com mais atenção.
-É uma planta. Coca, extraímos a droga dela, um pó branco, chamamos de… Cocaína. Uns químicos a descobriram um tempão atrás, eram todos agregados na Máfia. Começamos o comércio agora. - Falou abaixado, mexendo no gabinete.
Tirou um saco daqueles pequenos, do que parecia a coisa, um pó perfeitamente branco, quase como a poeira de uma pérola, espalhou na mesa e agrupou numa fileira, e cabeceou-a, inalando.
-Akh! Sobe na hora! Hahahaha! É melhor que o ácido que costumeiramente vendemos. - Riu colocando a mão sobre a barriga, com o nariz manchado de pó. - Estávamos aprimorando, mas nossa! Como valeu a pena, isso vai alavancar nosso financeiro.
-Onde o seu tio está?
-Eu não sei nem como ele se parece, as únicas pessoas que conhecem o seu rosto são a esposa dele e o filho. Eles tem um grupinho com mais dois gatos pingados aí chamado “Jackson Five”. - Ziu pegou mais cocaína e fez o mesmo processo, quando estava perto de cheirar de novo, o parei.
-E onde os dois estão?
Deu de ombros e com o nariz na mesa.
-Eu vou embora, se o disco é importante, vou fazer questão de guardar bem.
-Sem as chaves dele o disco não serve pra nada, é oque me disseram, o Don dividiu elas entre algum dos capi por motivos de segurança e quem ficou com uma sou eu, a única coisa que eu sei que ele faz é canalizar o poder dessas coisas, as chaves, e eu tenho a vermelha, vai precisar me matar se quiser fazer algo com esse treco.
-Isto aqui? - Dilan abre a destra com a palma virada para baixo e o punho ao lado do rosto, e um cristal avermelhado alongado de aspecto transparente e brilhante cai de sua mão, preso à uma pequena correntinha enrolada entre seus dedos. Ziu contrai o rosto inteiro numa expressão que misturava raiva e medo.
-Filho da puta. - Um vapor de neve sai da sua boca à medida que fala, começando a preencher a sala. Uma névoa vaza de dentro de suas unhas, formando uma espiral na sua palma que congela sua pele e forma no ar um cristal, que ele agarra com firmeza e arremessa com precisão. O sólido poligonal avança com precisão no meu peito, sem tempo de reação. A ponta fria rasga minha pele e minha carne, e passa, partindo meus ossos e perfurando meu pulmão, ele atravessa, parando do outro lado e se estilhaçando na parede. Eu caio e à medida que minha vista embaça, eu observo o que acontece.
Dilan assume uma postura educada e saca sua espada com velocidade, posicionando entre seus olhos, como quem está medindo a distância entre ele e Ziu, que avança lentamente na direção dele enquanto sopra aquele gás frio. E num movimento veloz, ele roda a espada apontando ela na direção do oponente, como um samurai treinado. Ele realiza uma investida precisa se abaixando e entrega a espada à sua destra, próxima ao peito, como se fosse fazer um golpe lateral na região da canela, mas ele salta, numa velocidade que o faz parecer um borrão e o ataca com um corte incisivo vindo de cima. Ziu forma aquele mesmo sólido cristalino de antes em seu antebraço, defendendo seu rosto e sua cabeça com ele, que devolve o impacto, repelindo Dilan para longe, que voa por cima criando uma acrobacia e aterrisando ao meu lado enquanto se arrasta para trás absorvendo o empurrão.
-Dai. - Ele estende sua mão esquerda na direção do buraco no meu peito e logo se levanta, fazendo mais um avanço, entretanto, acabei direcionando minha atenção a outra coisa. Uma dor, diferente e talvez pior que a do perfuramento, mas no mesmo lugar, minha pele se torcia em direção ao buraco, os músculos também, e chupavam o sangue para dentro de si como um tecido vivo e quando percebi, o buraco se fechou, eu não perdia mais sangue e é como se eu estivesse novo. Consegui me erguer e ficar sentado, o mesmo aconteceu com o algodão da camisa que se reuniu numa costura de aspecto espiral. Toquei a emenda que parecia impossível, me questionando se seria essa a habilidade especial do Dilan, tive minha atenção tomada por um brilho alaranjado, a espada de Dilan brilha, pegando fogo, ele incide um corte giratório, rodando em sentido horário e atacando Ziu pelo lado, que se defende com um cristal, o impacto do metal da espada emite um som alto e a aparente diferença de temperatura entre os materiais causa um chiado térmico. O cristal começa a cortar, como se a alta temperatura do fogo e a força de Dilan estivessem forçando ele ao limite.
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