— Ugh! Aquele bobo! — Erin murmurou. Seus pensamentos giravam em torno das palavras de Jake enquanto ela abria a porta para as escadas de emergência. A porta bateu contra a parede com um estrondo, ressoando que nem um trovão e assustando um casal que se agarrava no canto da passagem. Ela não se sentiu nem um pouco culpada por interrompê-los. A escada da universidade era uma passagem pública para todos os estudantes, então ela não fez nada de errado, o mesmo não podia ser dito deles.
Ela passou por eles com o queixo erguido, mas somente quando não podia mais os ver, após descer dois lances de escadas, seu rosto se contorceu em uma careta pela imagem desagradável que permanecia em sua mente. Ela não devia ter escolhido usar as escadas.
Enquanto apertava os pulsos contra as têmporas, numa vã tentativa de apagar a imagem grotesca de sua cabeça, Erin refletiu sobre a conversa perturbadora com Jake mais cedo. Se ele não a tivesse deixado tão perturbada com sua notícia chocante e proximidade intimidadora, ela teria esperado tranquilamente pelo elevador. Mas o coração dela se tornou uma britadeira incontrolável após ficar tão perto dele. Fazia tempo que ela não sentia o cheiro almiscarado de baunilha da colonia de Jake tão perto de si.
Ter o coração agindo no mesmo ritmo de um trem desgovernado na presença dele era o que mais a incomodava.
— Por que ele está fazendo isso comigo? Fingir ser um casal por quarenta e cinco dias. Na casa de férias da família dele!
Erin ainda tentava processar o fato de que passaria quarenta e cinco dias em uma ilha paradisíaca a dois mil quatrocentos e treze quilômetros de distância de Arbóreas, a cidade transcontinental onde os dois viviam. Aquela viagem ainda nem havia começado e ela já sentia o próprio coração inclinado a traí-la.
Enquanto uma parte da consciência dela tentava convencê-la de que não deveria se sentir assim, ou culpá-lo pelo resultado de suas ações — afinal, havia sido ela quem fora até ele implorar por ajuda como se ele fosse o último copo de água potável em um deserto escaldante —, a outra parte do cérebro dela gritava que algo não estava certo naquela história contada por ele…
Por que Jake havia escolhido ela para desempenhar aquele papel? Ela até entendia que ele não faria um favor gratuito, não para ela, já que não eram mais amigos há anos. Mas… por que escolher ela para fazer isso quando passou os últimos anos a ignorando?
Agora que pensava sobre isso, a ruiva só podia estar falando sobre essa viagem, quando ela os interrompeu.
Erin pulou alguns degraus e desceu os lances que faltavam com o olhar varrendo as sombras na escada. Seu coração acelerou ao imaginar topar com outro casal ousado se agarrando pelos cantos, enquanto seus passos se apressavam ainda mais.
O barulho de vozes e risadas estridentes ecoaram em seus ouvidos quando saiu no térreo. Alguns estandes estavam sendo erguidos no meio do pátio interno para a feira das turmas de Comunicação Social do terceiro semestre. O verão era o tema geral da feira, por isso todos os estandes estavam sendo montados com cores que representavam a estação e as roupas vestidas pelos alunos eram típicas da temporada. Ela virou à esquerda no segundo corredor e entrou na vasta biblioteca, ainda com Jake em mente.
O sol entrava fracamente pelos vitrais no alto da parede esverdeada, formando flores miúdas no carpete marrom, idênticas as que enfeitavam os vitrais. A biblioteca daquele prédio tinha dois andares e estava tipicamente lotada, considerando que era final de semestre, quando todos se desesperavam para as provas finais. Erin tirou o celular do bolso e enviou uma mensagem a Iúna.
Erin: Estou na biblioteca. Cadê vocês?
Não se passou nem um minuto, a resposta de Iúna foi imediata:
Iúna: Olhe para cima.
Erin ergueu os olhos. Iúna estava encostada na balaustrada de mogno do mezanino no segundo andar, e sorria enquanto acenava com os dois braços erguidos. Erin sorriu de volta e seguiu até as escadas, se esquecendo momentaneamente de Jake. Ao menos até ver James sentado ao lado de Woong. Ele sorria com os dentes expostos, os olhos escuros semelhantes aos do irmão semicerrados, a armação redonda escorregando pela ponta do nariz. Quando os olhos dos dois se cruzaram, ele teve a audácia de pôr o cabelo atrás da orelha, que agora tinha um brinco pendurado, e piscar os olhos para ela.
“Ah, cretino! Ele não acha mesmo que esse truque de sedução funciona comigo, né?”, a raiva de Erin borbulhou e todos os átomos do corpo dela sentiram vontade de arrancar o sorriso entretido da cara dele. Ela passou por entre as mesas que os separavam parecendo um raio.
— James! Seu babaca! — Erin jogou a mochila na mesa com estrondo.
Todos os olhos se voltaram para ela. Um dos atendentes da biblioteca a olhou com censura, fazendo um “shh” com um dedo sobre a boca. Ela assentiu com um sorriso envergonhado, em seguida se jogou no assento ao lado de James, olhando-o com fogo nas narinas.
— Como ousa aparecer só agora?
Ele estremeceu sob o olhar da amiga.
— Tem ideia do que tive que fazer para não ferrar nosso grupo graças a você?
James encolheu os ombros e coçou a cabeça, o rosto ficando tão vermelho quanto a camisa engomada que vestia. Só então Erin notou que além de um brinco bem discreto na orelha esquerda dele, também estava com um novo corte de cabelo — os fios escuros e encaracolados agora estavam ainda mais curtos que antes.
— Acho bom ter uma boa desculpa, porque aquela que me deu pelo telefone não foi o suficiente para furar com a gente no trabalho final. No trabalho de conclusão do curso, Jamie!
— Desculpa, Rin, mas, não pode ser como a Iún? Ela já me perdoou! E disse que meu maninho arrasou na apresentação!
Erin encarou Iúna ofendida, no que a moça de sardas e cabelos cacheados ergueu as mãos em rendição:
— Rin… sabe o que penso sobre ressentimentos, não é? E deu tudo certo no final — o sorriso de Iúna vacilou sob o olhar irritado da amiga.
Era óbvio que a Iúna o perdoaria com facilidade. Erin a conhecia bem o suficiente para saber que surpresa seria se ela não fizesse isso… Com um suspiro frustrado, ela olhou para Woong, que balançou a cabeça, a expressão em seu rosto evidenciava que permanecia chateado.
— A julgar por sua reação, imagino que sua conversa particular com aquele tal de Jake não foi boa. — Woong olhou para James. — Eu disse para esse mané que ele só terá meu perdão se o que o irmão dele te pediu não for nada que te prejudique.
— O que meu irmão te pediu, Rin? — James perguntou, endireitando a postura.
Erin crispou os lábios.
— Pediu que eu… — os três a olharam com expectativa. Erin sentiu as bochechas enrubescerem ao falar: — Jake me pediu para viajar com ele!
— O quê?! — Woong se inclinou sobre a mesa, espalmando as mãos. — Você disse que não, certo?
— Eu dei minha palavra de que faria o que Jake me pedisse, antes de ele aceitar fazer parte da nossa apresentação… Claro que eu não fazia ideia dos termos da viagem… — Erin observou James de esguelha, fazendo bico. — A culpa é sua!
— Minha? Você e meu irmão tem uma longa história de amor e ódio e por acaso a culpa é minha?
— Longa história de… o quê? — Ela girou na cadeira e agarrou o colarinho da camisa dele. — Tá doido? Nunca existiu, e nunca vai existir, uma história de amor entre nós!
— Okaaay. Uhum. Agora me larga, senão vai amassar minha camisa. — James passou as mãos pelas ondas curtas em sua cabeça e soltou um longo suspiro. — Era o meu aniversário, droga. Não tenho o direito de comemorar meus vinte e três?
Erin piscou incrédula, soltando a camisa dele.
— É claro que pode comemorar, desde que não esqueça seus compromissos! — Ela mordeu o lábio inferior quando sua voz se elevou de novo, atraindo a atenção dos monitores da biblioteca.
Reunindo toda a paciência que já não existia em suas células, respirou fundo e observou a mesa, analisando o contraste entre as linhas mais claras e mais escuras, formando ramificações diferentes na madeira. Ao ter certeza de que poderia controlar o tom de voz, ergueu a cabeça e voltou a encarar James.
— Era nossa última apresentação, Jamie. Tenho certeza de que vi seu irmão aqui no aniversário dele.
— Eles não fazem aniversário no mesmo dia?
— Jake nasceu alguns minutos antes do James, dia 05, às 23h57. — Erin explicou ao Woong.
— E eu nasci às 00h05 no dia 06. — Olhou para Erin com um sorriso malicioso no canto dos lábios e uma sobrancelha arqueada. — Não sabia que lembrava até da hora que meu irmão nasceu, Rin…
O rosto de Erin enrubesceu.
— S-Sempre achei um fato interessante vocês serem gêmeos com aniversários em dias diferentes — ela gaguejou e, em seguida, fingiu tossir para cobrir o rosto vermelho. — O foco aqui é o que seu irmão me pediu por sua culpa, não esqueça!
— Uma viagem não me parece tão ruim — Iúna comentou, tentando apaziguar o clima, como sempre.
Mas ela não sabia que a viagem em si não era o problema. E sim o que Erin faria nessa viagem. Era isso que a preocupava.
— Ainda mais depois de tanto trabalho duro… acho que será bom para você espairecer e descansar, Rin. Você passou os últimos anos enfurnada com a cara nos livros, estudando. Uma mudança de ares lhe fará bem! — concluiu a moça.
— Iún… minha doce, Iún… você não diria isso se soubesse os termos dessa viagem!
— Não me diga que Jae pediu para você ser a parceira dele na viagem com nossos amigos, em São Aguaí? — James a encarou surpreso por um momento, então riu. Riu com muito deleite. — Eu devia ter imaginado!
— Isso é uma piada para você, James Young? Isso foi um plano de vocês por acaso?
— Claro que não! — Ele arregalou os olhos diante da expressão de Erin. — E pare de fazer essa cara, tá parecendo meu pai me repreendendo!
Erin revirou os olhos, contraindo ainda mais as sobrancelhas em um esgar ainda mais furioso.
— Você também vai nessa viagem?
— Vou, óbvio.
— Convença Jake a encontrar outra pessoa!
— Não há nada que eu possa fazer, sinto muito, Rin. — James encolheu os ombros. — Nós dois sabemos que quando meu irmão põe algo na cabeça, ninguém tira.
— Quais são os termos da viagem? — Iúna perguntou, arqueando uma sobrancelha. — Você está me deixando curiosa com todo esse mistério!
Erin hesitou, engoliu em seco e cobriu o rosto com as mãos ao murmurar:
— Fingir ser a “garota dele” dele durante os dias que vamos passar juntos na ilha.
O frio incômodo que ela sentiu na barriga, ao ler as mensagens e ver a foto de Jake sorrindo com uma expressão maliciosa, a fez concluir que aquelas seriam as férias mais longas da vida dela.
E seu coração acelerado era um lembrete de que precisaria ter muito cuidado.
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