Por entre as frestas dos dedos, Erin viu os olhos pequenos de Woong saltarem da face. Iúna, por outro lado, parecia achar aquela situação muito engraçada.
— Que absurdo! Você não precisa fazer isso! Você não é obrigada.
— Eu dei a minha palavra a ele, Woong. — Erin respondeu com um suspiro resignado. — E não sou do tipo que volta atrás em uma promessa.
Woong mordeu o lábio, desviando os olhos.
— Posso ir com você, então. Assim aquele idiota não tenta nada ousado.
“Não é bem com isso que estou preocupada, na verdade”. Erin tinha certeza de que Jake fazia aquilo só para zombar dela mais uma vez. Era por seu coração tolo que ela temia, pois o coração dela não parecia compreender isso.
— Não será possível, já que sua presença vai contra o intento da proposta da nossa viagem — James fez uma careta medonha. — É uma viagem para casais, apenas.
— Estou muito, muito, muitíssimo, preocupada com o intento da sua viagem — Erin cruzou as mãos sobre o peito e salientou os olhos, a voz carregada de sarcasmo. — Obrigada por me dar esse toque, Jamie, caso contrário eu faria alguma besteira!
Ele revirou os olhos emitindo um ruído agudo com os lábios.
— Não será tão ruim, Rin. Podemos relembrar os velhos tempos! — James coçou o queixo, parecendo repensar. — Com algumas diferenças, claro…
— Se quiser relembrar os velhos tempos, vá num museu. E sozinho!
Erin soltou o ar por entre os dentes, desviando o olhar para as estantes de livros. Woong continuou falando, dando ideias de como ela poderia se livrar da viagem — ambas sugestões envolviam mentir, fingir que estava doente, quebrar sua palavra e, a que mais a deixou abismada: falar que Dante não a deixou ir.
Ela precisou se controlar para não rir, pois sabia que Woong estava tentando ajudá-la, mas, dizer que o irmão a havia proibindo de ir? Não importava se Dante fosse o irmão mais velho, seria um absurdo uma jovem de vinte e dois anos usar aquela desculpa.
No demais, Erin não podia se livrar da viagem. Se ela ligasse para o Jake e inventasse qualquer coisa para não ir, tinha certeza de que ele daria um jeito de fazê-la mudar de ideia, fosse ameaçando contar aos professores a verdade, ou jogando na cara dela que não tinha “palavra”. Algo que ela não admitia, afinal, não havia nada no mundo que Erin odiasse mais do que promessas quebradas.
Mas… Ele ia naquela viagem com os amigos dele… e nada a impedia de levar os dela.
Exceto, é claro, o fato de a casa de veraneio ser dos pais dele, não dos pais de Erin.
— James — Ela agarrou os ombros do rapaz sentado ao lado dela e abriu um enorme sorriso, o olhar suplicante. — Me deixe levar a Iúna e a Cat! Por favor! E não conte ao Jake!
James a observou piscando devagar por um longo momento.
— Ah… não sei não… Rin… você nem sabe se elas vão querer ir…
— Quem vai? — Iúna perguntou prontamente.
— Eu! Isso não é o suficiente? — Erin respondeu, ao que Iúna arqueou as sobrancelhas ruivas.
Ela riu, pois sabia muito bem por que Iúna fizera aquela pergunta.
— O Bê, o Hiro, o Chase, e...
— Estou dentro!
— Você nem me deixou terminar. — James resmungou.
— Não precisa. A Cat também está dentro, tenho certeza! — Iúna afirmou.
— Não se deve tomar decisões por pessoas que não estão presentes, sabia? — Ele a advertiu. — Além disso, eu ainda não disse que vocês podem ir.
— Você me deve! — Erin lembrou a ele. — É por sua culpa que estou nessa enrascada, ou já esqueceu?
— Aff… — James estalou a língua nos dentes com um resmungo. — Vai jogar isso na minha cara por quanto tempo? Eu já disse que sinto muito.
— Paro de jogar isso na sua cara se você deixar a Iúna e a Catarina irem comigo.
— Catarina é a caloura, estudante de moda? Aquela de cabelo curto e preto?
— Ela já está no segundo ano, não pode ser considerada uma caloura mais.
— Que seja. — James deu de ombros e encarou Iúna com os olhos semicerrados, pensando. — Mais garotas bonitas sob o meu teto…
— Dos seus pais — Erin salientou e James a olhou de esguelha com um beicinho.
— Você é uma estraga prazeres, Rin. — Seu tom fez o apelido de Erin soar como uma ofensa. — Espero que estrague a viagem do Jake. Ninguém mandou aquele tonto te meter nessa história e ainda me arrumar problema!
Erin abriu a boca para dizer que a culpa daquela situação, na verdade, era dele, pois se não tivesse se embriagado na noite anterior, e passado a noite sabe se lá onde, ele não teria perdido a hora de apresentar o trabalho. Entretanto, ela voltou a fechá-la silenciosamente porque ele emendou:
— Pode levar a Catarina e a Iúna se prometer parar de jogar na minha cara o meu vacilo. Não quero ser lembrado disso pelos próximos dez anos de amizade com você.
Erin sorriu o primeiro sorriso genuíno daquele dia.
Não era o cenário perfeito, mas ao menos ela não estaria sozinha. E talvez pudesse fazer proveito daquela viagem ao lado das melhores amigas.
James estendeu a mão para ela e Erin a apertou sorrindo.
Pela segunda vez, no mesmo dia, havia feito um acordo com um dos gêmeos Young. Agora só precisava avisar o Dante.
★
Dante depositou o prato na pia e arregaçou as mangas de sua camisa. Seus ombros largos e tensos se tornaram ainda mais evidentes enquanto ele se agarrava à borda da pia, os nós dos dedos ficando brancos.
— Você não vai, Rin — disse de costas para ela.
— O quê? — Erin piscou, levando um momento para processar a resposta do irmão ao seu pedido. Então, ergueu-se da pequena mesa e aproximou-se dele.
— Eu disse que você não vai.
Erin observou Dante como uma estrela moribunda, seu brilho desvanecendo lentamente até desaparecer no vazio do espaço, incrédula que a desculpa “meu irmão não deixou” realmente pudesse ser usada por ela. Seus olhos vasculharam a cozinha em busca de Irene, sua cunhada. A mulher conseguia ser mais persuasiva que ela em algumas ocasiões. Não foi difícil encontrá-la, a cozinha era um ovo e já estava ocupada com os irmãos Lee — haviam tido sorte em conseguir pôr a mesa, mesmo que só coubesse duas pessoas.
Erin e Dante moravam em um pequeno apartamento no subúrbio de Arbóreas, completamente afastado do centro da cidade, mas era o lugar mais acessível que encontraram após venderem o enorme e luxuoso casarão da família Lee. Era apertado, mas suficiente para apenas ambos, e Irene estava esparramada no sofá miúdo com os cabelos espalhados pelo braço do móvel. A luz da televisão emitia um brilho alaranjado sobre sua pele marfim, enquanto ela estava absorta no celular.
Caramba! Erin suspirou frustrada, presumindo que Irene não prestara atenção à discussão deles… Talvez fosse hora de Erin testar sua habilidade de argumentação. Se conseguisse convencer Dante, conseguiria enfrentar qualquer desafio no futuro!
Não é que ela estivesse ansiosa para a viagem. Não mesmo. Mas Iúna e Catarina estavam empolgadas demais com a ideia de ir a uma ilha paradisíaca… bem, na verdade, as praias não eram exatamente a razão para a empolgação delas.
Com isso em mente, Erin ergueu a manga da camiseta e colocou os braços pálidos diante dos olhos do irmão.
— Dan, olha isso! Não acha que preciso pegar um solzinho?
— Abaixa isso, está me cegando! — Ele zombou, cobrindo os olhos com as mãos, fingindo sentir dor. Embora fosse tão pálido quanto a irmã, Dante havia herdado os bons genes da mãe, que o ajudavam a pegar um bronzeado bacana durante o verão, sem parecer um camarão com a pele ardendo. — Se o sol refletir aí vai ser um perigo para todos ao seu redor, estou te fazendo um favor, Rin!
Ele pôs a mão na cabeça dela com um sorriso desaforado nos lábios carnudos.
— Não é apenas de sol que ela precisa, mas também de um pouco de diversão com os amigos. — Irene disse, erguendo os olhos do celular para encarar o noivo. — Você não estava dizendo que a Rin deveria sair mais, meu amor?
Dante apoiou as mãos na cintura, encarando a noiva com uma sobrancelha arqueada.
— É um complô contra mim?
— Não — Irene se levantou e caminhou até eles, sorrindo. Ela parou, apoiando uma mão no peito dele. — É o que a Erin merece depois de dar duro nos últimos anos. Você mesmo vivia reclamando que ela deveria viver um pouco como alguém da idade dela.
— Eu só não queria que ela fizesse como eu. — Ele admitiu, escorregando a mão pelo cabelo castanho. — Mas minha irmãzinha acabou se tornando minha versão feminina. É, acho que você está certa. — assentiu e abriu um pequeno sorriso. — Se divirta com seus amigos, Rin. Mas… — seus dedos apertaram o ombro dela, semicerrando os olhos cuja tonalidade profunda assemelhava-se ao mogno. — Cuidado com os rapazes!
Erin abraçou o irmão, o coração dele batia com força contra a sua bochecha.
— Obrigada, Dante! Você é o melhor irmão do mundo, eu já disse isso, né?
— Eu sei, além do mais lindo. — brincou ele, encaixando a mão sob o queixo e piscando, os lábios formando um bico.
Erin riu quando Irene se ergueu na ponta dos pés e roubou um beijo dele.
— Se casem logo! — resmungou, balançando a cabeça antes de correr pelo corredor estreito.
— Ah, quase esqueci, Rin. Tales ligou quando você não estava. Não sei por que ele queria falar com você, já que eu que sou o amigo dele! — Dante bufou, pondo as mãos na cintura. — Mas ligue para ele, ouviu?
Erin concordou com a cabeça e entrou no quarto que dividia com o irmão, fechando a porta com um rangido suave. As camas de solteiro eram separadas por uma divisória de madeira, e a dela ficava ao lado da janela. Havia algumas sacolas sobre o seu cobertor, sacolas com o logo do ateliê de moda de Irene.
Ela sorriu. Irene era sua salvação quando o assunto era roupas, embora Dante não ficasse muito contente em vê-la dando a eles seu trabalho de graça.
— Quando eu voltar, vou arranjar um emprego e te ajudar a bancar as despesas do hospital, da cuidadora, da casa, além de ajudar a juntar dinheiro para o seu casamento, Dan. Prometo. — Erin listou para si a promessa que vinha mantendo silenciosamente nos últimos quatro anos. A promessa que a motivara a se dedicar tanto em seus estudos e estágios.
Enquanto examinava as roupas novas dadas por Irene, Erin não pôde conter a surpresa em seu rosto. Todas as peças eram próprias para o verão, adequadas ao clima da ilha para onde iria, e incluíam não apenas trajes de banho, mas também roupas casuais e até mesmo algumas opções mais elegantes para sair à noite. Aquilo só podia ser obra de Cat, que não apenas era amiga de Erin, mas também irmã mais nova da cunhada dela. E ela mal podia expressar o quão grata era por ter ambas em sua vida. Dante não poderia ter encontrado uma mulher melhor para si. Nenhuma outra aceitaria um noivado tão longo, sem um casamento em vista, por questões financeiras, além de uma irmã e mãe problemáticas.
Ela suspirou pesadamente. O peso que sentia nos ombros se tornava mais intenso quando se lembrava de como Dante assumira as responsabilidades da família Lee, após a mãe deles adoecer e o pai os abandonar. Ele estava no terceiro ano de Direito. Pensando em abandonar o curso devido às dívidas e decepções deixadas pelo pai. Ter que arcar com as despesas do hospital, dos equipamentos caros danificados pela mãe durante a internação, o pagamento do cuidador… e as dívidas que Eliel acumulara com homens nada confiáveis, em seu vício em bebidas e jogos… tudo isso pesara sobre o filho mais velho.
A única coisa de valor que possuíam era a casa em que cresceram e por sorte o casarão fora o suficiente para cobrir todas as dívidas e comprar o apartamento minúsculo em que viviam agora. Mesmo assim, Dante começou a trabalhar dia e noite para sustentá-los, permitindo que Erin se concentrasse apenas nos estudos e estágios obrigatórios para manter a bolsa que conquistara, sob a promessa de não desistir se ele não desistisse. Fora quando passou a estudar como se o mundo fosse acabar se não o fizesse, na esperança de que o conhecimento lhe garantisse um bom emprego ao se formar.
— Parece que minha vida se baseado em acordos — Erin soprou o ar com força.
Ela também não podia visitar a mãe enquanto estivesse na ilha. Não que Margô fosse notar sua ausência, de qualquer forma… Fazia tanto tempo que Erin não a visitava, mas tinha certeza de que a mulher não sentia sua falta.
Ela estremeceu ligeiramente com o aperto que começou a comprimir seu peito e revirar seu estômago. Pensar na mãe e no fato de que não a via há mais de três semanas, era o mesmo que se jogar sem ressalvas na direção de um buraco negro. Ela se sentou na cama com um longo suspiro e pressionou as têmporas para afastar seus pensamentos dos problemas familiares e do fardo que eram para o irmão. Pegou o celular para enviar uma mensagem a Tales e se distrair, pois fazia dias que não conversavam. Checou o fuso horário para confirmar que não era madrugada no país em que ele estava, e uma mensagem piscou na tela ao mesmo tempo.
Seu coração palpitou. Mesmo sem abrir a mensagem conseguia visualizar o conteúdo. Era um aviso sobre a viagem.
xxxxx-xxxx: Próxima sexta-feira. Às 12h. Meu motorista te pega. Não esquece.
Em menos de cinco segundos outra mensagem piscou na tela com uma imagem:
xxxxx-xxxx: Ah, sou eu. Jake. Salva meu número aí, amorzinho :)
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