Uma invasão completa havia ocorrido no quarto de Jake. Ele se deu conta ao entrar e ver malas espalhadas pelo assoalho — as prateleiras de livros, CDs e jogos estavam totalmente desorganizadas. Chase estava na cama, mexendo no celular com o cabelo loiro cobrindo seu rosto feito uma cortina lisa. James lia um mangá, cercado pela coleção de quadrinhos do irmão — as capas do Flash e de Constantine criavam um contraste vibrante contra a colcha cinza. Hiroshi e Natan jogavam Dead or Alive Xtreme 3 em pufes de frente para a TV.
Hiroshi foi o primeiro a olhar na direção de Jake.
— Demorou, Jakinho. Cadê seus adubos?
Jake revirou os olhos.
— Argila. Argila, Hiro! — retrucou, se sentando na escrivaninha de frente para a janela de vidro.
— Você ao menos sabe o que é um adubo, mano? — Natan perguntou, sem desgrudar os olhos da tela.
— Não é o que nosso Jakinho usa nas esculturas dele?
— Vou fazer uma escultura de adubo de presente pra você, Hiroshi.
Chase riu, se espreguiçando. Em seguida trocou o rock agitado que tocava no quarto do amigo por um mais lento e romântico.
Jake suspirou e abriu o caderno de anotações para verificar a divisão dos quartos que enviara aos caseiros da casa de férias de sua família em São Aguaí, a ilha para onde iam. Erin não ficaria feliz com a organização feita por ele, mas não havia nada que pudesse ser feito. Bem, na verdade, havia… Mas Jake não queria fazer.
— Erin não vai gostar nada disso, tem certeza de que quer manter assim? — James disse no ouvido dele, que deu um pulo.
— Falando em Erin — Natan desviou os olhos do jogo por um instante. — Pensei que você a odiasse, mano. Estou surpreso em saber que ela é seu lance secreto.
— Foi por ela que você dispensou as últimas gatinhas que te chamaram para sair esse semestre? — perguntou Hiroshi, que aproveitou a distração de Natan para marcar ponto no jogo.
— Ei, isso é trapaça! — Nate resmungou, com um bico enorme ao encarar Hiro, que riu jogando a cabeça para trás.
— Por que todo mundo continua dizendo que eu a odeio? — Jake redarguiu, levantando e pondo as mãos na cintura. — Evitar alguém é sinônimo de ódio agora?
— Às vezes é, ué. — afirmou Chase, os olhos azul-cristalino encolhendo-se nos cantos ao sorrir. — Aposto que até ela pensava isso. Até cê chamar ela para sair, claro.
As sobrancelhas de Jake se uniram ainda mais, um vinco de preocupação profunda surgiu em sua face.
— Ela também pensava isso. — James confirmou. — E queria me matar há alguns dias.
O coração de Jake deu um solavanco quando Nate e Hiro olharam para ele com o cenho franzido, mas, então, Jamie sorriu e acrescentou:
— Ela não queria que todos soubessem sobre o lance deles, já que essa era a impressão que Jake passava pra gente. Ficou com medo de que não acreditassem, sabe? — Ele sorriu de lado e olhou para o irmão. — Já te agradeci por isso, maninho?
— Em primeiro lugar: culpe a si mesmo e seu senso de responsabilidade falho. Ela estava brava com Jamie, porque ele faltou na apresentação do trabalho final do grupo deles — esclareceu Jake, antes de dar um cascudo leve na cabeça do irmão, bagunçando seu cabelo. — Em segundo lugar, ninguém mandou ficar enchendo a cara na casa de uma estranha até esquecer seu tão aguardado TCC.
— Vocês vão entender o porquê quando a virem no porto! — James abriu um sorriso largo e empurrou Jake. — Quanto ao ódio… — o rosto dele assumiu uma expressão debochada. — Acho que as esculturas no ateliê secreto do meu maninho dizem o oposto dessa teoria, não é mesmo? — olhou para o irmão — Jae? — Então olhou para os amigos de ambos ao acrescentar: — Jake sempre foi apaixonado pela Erin. Ela é a “cara pálida” dele.
— Que esculturas? — Natan se empertigou no pufe para olhar Jake, pausando o game. — Você nunca me falou sobre isso.
— Ei! Você pausou bem quando eu ia ganhar! Foi de propósito, não foi? — Hiroshi foi ignorado, pois todos olhavam para Jake.
— O-O James tá brincando… — balbuciou com um fogo antinatural escalando o pescoço dele.
— Oxê, mas eu vi essas provas aí, de que a Rin é o seu romance secreto, Jae. — os olhos de Chase brilharam ao fitar o amigo. — Foi então que entendi tudo… e por isso não duvidei quando cê contou no grupo que ela ia com a gente por ser sua garota. Cê se fazia de durão quando via ela para disfarçar q…
— Porra, Chas! — Jake interrompeu-o com o coração palpitando. Que espécie de amigos era aquela? — Quem deixou você fuxicar as minhas coisas?
— O James. Quando cê tava no banho, um tempo atrás. Ele me contou os segredos que cê escondeu de mim. — Os lábios de Chase se uniram num esgar decepcionado, a mão sobre o peito. — E estou profundamente magoado. Pensei que a gente fosse melhores amigos, Sr. Young, mas sequer sabia que cê tinha um lugar secreto aqui.
— Sr. Young é o meu pai! — bufou. — E não há segredo nenhum. A arte pra mim é uma maneira de aliviar o estresse. O mundo e tudo de ruim que existe nele desaparece quando crio algo.
— Então as suas esculturas estão relacionadas às coisas ruins que cê quer se livrar? Erin é uma delas?
— É você quem tá dizendo, não eu. — Jake emitiu um ruído desgostoso com os lábios, apontando para o celular ao lado de Chase na cama. — Agora vê se foca na sua leitura e me esquece.
Chase resmungou algo que Jake não deu muita atenção por ser sobre o apelido de Erin dado por ele no fundamental, que James contara a ele quando lhe mostrou as esculturas secretas e agora contava aos demais rapazes.
Quando todos estavam distraídos mais uma vez, Jake destrancou o anexo ligado ao quarto dele. As portas de vidro no cômodo retangular estavam abertas, fazendo as cortinas esvoaçarem para dentro do ateliê que havia montado ali em segredo. As pontas brancas estavam manchadas com pingos disformes e coloridos, assim como as paredes brancas. Uma parte do material de arte de Jake estava espalhado pelo cômodo. Era difícil trabalhar em suas esculturas de mármore ali, por isso não havia um sinal sequer de seus materiais mais pesados, havia alugado um estúdio no centro da cidade, onde montara uma versão maior, mais iluminada e arejada daquele ateliê. Em seu anexo mantinha apenas alguns materiais para pinturas e esculturas de argila.
Ele prendeu a respiração ao ver o armário de itaúba na extremidade à direita da entrada e abriu uma das portas, revelando as esculturas que fizera, mas não mostrara na exposição para novos artistas que havia ocorrido na Galeria de Arte Young há três meses. Aquelas obras nunca poderiam ser vistas em público, tampouco sob o pseudônimo que ele usava, porque cada uma delas exibia uma expressão facial de Erin Lee, esboçadas discretamente num caderno surrado durante os últimos quatro anos.
Jake pegou duas esculturas para jogar no lixo, mas sua mão parou a centímetros do balde preto. Ele não conseguia se desfazer delas. Não sabia o porquê, mas não conseguia se sentar para esculpir ou pintar sem pensar nela. E quando pensava que finalmente havia se livrado dela, as mãos dele davam forma a mais uma de suas expressões adoráveis sem que ele se desse conta. Por fim, as colocou de volta no lugar.
Um brilho dourado chamou a atenção dele, reluzindo sob o raio de sol que bateu na superfície da prateleira quando abriu a outra porta. O primeiro artesanato de Jake. Seus dedos tocaram o delicado pingente de biscuit.
Lá estava o Pequeno Príncipe com seu cabelo dourado e capa verde, em pé sobre o asteroide B-612, segurando uma rosa minúscula. Cada detalhe, desde as finas pétalas da rosa até as pequenas crateras do asteroide, trazia de volta memórias do verão em que o fizera, quando tinha catorze anos. Ele se lembrava de ter passado horas moldando o biscuit, cuidando para que cada curva do cabelo do Pequeno Príncipe fosse perfeita, para a rosa parecer tão frágil quanto eram na realidade. Jake havia pintado com esmero, escolhendo os tons certos de verde e dourado, se sentindo orgulhoso de cada pincelada. O esmalte brilhante que aplicara no final dava um toque mágico, quase como se o pingente tivesse vida própria. A corrente de ouro estava um pouco desgastada, mas ainda cintilava sob a luz do sol.
Ele esfregou o polegar contra a superfície do asteroide, sentindo as pequenas elevações e crateras que havia modelado com tanto cuidado. Naquela época, não tivera coragem de entregar o presente a Erin porque, quando a encontrou no dia seguinte ao aniversário de catorze anos dela, ela já não queria mais presentes relacionados ao Pequeno Príncipe. Seus olhos brilhavam por uma nova paixão. Erin estava encantada e imersa nas narrativas de Jane Austen, especialmente em sua obra mais famosa: Orgulho e Preconceito. Falava e falava sem parar de seus romances com homens incríveis e fictícios. Assim, Jake não encontrou o momento certo para entregar o presente. Parecia errado interromper sua nova paixão por algo que ele havia feito. Além disso, uma parte dele temia a maneira que ela interpretaria seu gesto. Era difícil presentear as pessoas com quem se importava.
Agora, quase dez anos depois, segurando o pingente nas mãos, Jake sentiu um misto de nostalgia e arrependimento. Ele ainda podia ver o Pequeno Príncipe com sua expressão serena, segurando a rosa, seu tesouro mais precioso. Aquele pequeno pedaço de arte parecia encapsular parte dos sentimentos que naquela época não compreendia. Como tudo naquele armário, aquele artesanato delicado e pequeno havia sido feito pensando em Erin. Havia sido feito para ela.
Com um suspiro, ele fechou a mão em torno do pingente, o peso do passado e do presente se juntou à dor latente pulsando em seu peito pelas coisas que o pai dissera sobre o pai dela. Suas palavras continuavam assombrando os pensamentos dele. Jake pressionou as têmporas. Uma parte de si queria perguntar a James se ele sabia de algo sobre aquele assunto, mas não podia fazer isso com os amigos tão perto, do contrário, seu disfarce falharia. Também não queria parecer tão interessado nela. Temia que isso desse abertura para James voltar a questioná-lo do porquê de ter deixado de falar com Erin no último ano do ensino médio — um assunto que, independente dos anos que tivessem se passado, continuava a machucá-lo.
Comments (0)
See all