Invocado pelo mero pensamento do gêmeo, James puxou a porta do ateliê.
Jake fechou o armário num sobressalto, enfiando a corrente com o Pequeno Príncipe no bolso.
— O Raul já pegou o Bernardo. Agora vai pegar a Erin e de lá até o porto é mais perto. Temos que ir agora.
Com o coração assustado, ele concordou com a cabeça, mas antes que o irmão saísse, perguntou:
— Por que faltou no dia da apresentação, Jamie?
James virou para encará-lo.
— Já não falamos sobre isso?
— Eu não entendo. Por que fez isso sabendo que se prejudicaria? Não me diga de novo que foi pra chamar a atenção do pai, isso é demais até pra você.
James riu, sacudindo os ombros. Quando ergueu a cabeça, uma das sobrancelhas estava arqueada e seus olhos escuros carregavam algo que Jake não soube interpretar. Ele enrugou a testa.
— O quê? Por que tá me olhando desse jeito? — questionou na defensiva.
— Desse jeito como, maninho? — James passou o braço pelos ombros de Jake. — Cheio de amor e gratidão para com meu irmão mais velho, que salvou minha pele?
— Somos gêmeos.
— Mesmo que tenha sido por alguns minutos, oficialmente temos um dia de diferença.
— Tá tentando desconversar, né?
— Por que eu faria algo assim?
Jake estreitou os olhos. James riu e o abraçou apertado.
— Sabe que eu te amo muito, não sabe, maninho?
Jake continuou encarando o irmão com os olhos cerrados.
— Ah… — James suspirou. — Tudo deu certo no fim, não? Você salvou seu irmão preferido e também a garota que gosta.
— Você é meu único irmão, Jamie. E ainda não me satisfiz com sua resposta. Por que tentou se prejudicar assim?
— Mas você me ama tanto quanto eu te amo, não? — Ele apertou as bochechas de Jake e olhou no fundo dos olhos dele com seriedade. — Eu faria qualquer coisa por você, Jae.
— Porra, não me diga que… — Jake arregalou os olhos. — Jamie, você faltou de propósito? Por que fazer uma coisa dessa, cacete?!
— É você quem está tirando conclusões precipitadas. Eu faria qualquer coisa por você, mas me ferrar no fim da graduação? A troco de quê? Isso faria com que o pai me visse sob a pior ótica. Se é que é possível ele me ver pior do que já vê, né… Enfim — sacudiu a cabeça. — Agora vamos ou perderemos o horário da embarcação.
Jake observou o irmão por um instante. A expressão no rosto dele era calma, plácida, e quase angelical…
James estava certo quanto a não ganhar nada com a falta, já que ser prejudicado no final do curso apenas faria o pai de ambos castigá-lo de alguma maneira por não conseguir manter o mínimo de responsabilidade requerida… ainda assim, algo em si permanecia inquieto.
No entanto, quando James apertou seu ombro e o levou para fora do ateliê, Jake decidiu deixar aquelas questões para trás. Afinal, independente de ter sido proposital ou não, não importava mais. Ele já havia salvado não apenas a pele do irmão, mas a de Erin.
E estava ansioso para descobrir o que aconteceria entre os dois durante a viagem.
★
O sol estava no ápice quando o utilitário preto se aproximou do porto. Jake torrava no sol do meio-dia há trinta minutos, esperando por Erin e Bernardo. Aparentemente, ela se atrasara, segundo a mensagem que enviara quinze minutos antes, quando ligou e ela não respondeu. Ele riu ao ler sua desculpa esfarrapada. Erin, atrasada? Jake sabia que havia muito sobre ela que não sabia, mas uma pessoa não poderia mudar tanto assim. Hábitos eram difíceis de serem mudados.
O carro de Raul estacionou ao lado do Jeep de Natan e do carro esportivo elegante azul metálico de James. Jake tirou os óculos de sol ao ver Erin sair do carro com a pior cara possível para uma garota apaixonada. O queixo dela estava enrugado e os lábios comprimidos, formando um U invertido. Mas, o que para muitos podia ser considerada uma cara feia para o lado dele, para Jake era linda.
Erin era linda em todas as formas que ele havia visto.
Os olhares de ambos se encontraram e ela desviou as vistas para o chão, jogando a mochila sobre o ombro. A brisa quente fez a saia plissada esvoaçar, os braços pálidos estavam expostos ao sol impetuoso.
— Bom dia, amorzinho. — Jake sorriu parando na frente dela, cobrindo-a do sol e apertou suas bochechas. Os lábios dela tremeram ligeiramente quando ele se inclinou e sussurrou em seu ouvido: — Essa não é a cara de uma garota apaixonada.
Ela bufou de um jeito adorável.
Os batimentos de Jake estavam tão acelerados que ele temia ter um ataque cardíaco. Erin era um veneno para o seu coração. Um veneno doce que ele não sabia se conseguiria evitar se infiltrar sob sua pele, agora que teriam uma longa estadia juntos.
“Péssima ideia, Jake. Parabéns”.
— Bom dia — ela abriu um sorriso tão exagerado que ele se assustou. — Meu coelhinho — e apertou as bochechas dele também, só que com força.
Ele fez uma careta massageando o rosto, sem acreditar que ela estava usando aquele apelido, da época do fundamental.
— Pra que tanta violência? — murmurou movendo os lábios num diálogo silencioso. Ela ignorou, olhando para além dele, para James e o resto do grupo.
Erin os cumprimentou um a um com um beijo na bochecha. E ele, que era o cara que supostamente gostava, recebeu um belo beliscão.
— Espero que não se incomodem — ela disse aos amigos dele. — Mas convidei alguns amigos para virem comigo, também!
O sorriso de Jake desapareceu e ele virou bruscamente na direção do utilitário. Bernardo saiu do carro — o que não era surpresa, claro, já o esperava — e arrastou a mala até onde estavam as dos gêmeos e dos amigos de ambos, depois foi até eles com os ombros tensos.
— Foi mal, Jae, pensei que você soubesse — sussurrou no ouvido do amigo enquanto afastava os fios castanho-claros dos olhos.
O cenho de Jake se franziu. Mas não demorou para ele entender o que Bernardo queria dizer. Uma garota de cabelos ruivos e cacheados, acompanhada de uma baixinha de cabelos curtos e escuros, também saiu do carro. Iúna e Catarina. Amigas de Erin, Raul tirou a mala das duas do bagageiro e as colocou sobre a mala de Chase no carrinho com as demais bagagens, antes de arrastá-lo até a embarcação.
O olhar abismado de Jake vagou entre as moças e a própria Erin.
— Mas… que porra…?
Ela agarrou o braço dele, piscando os olhos em demasia, o fantasma de um sorriso arqueava os cantos de sua boca.
— Não está chateado, está, meu coelhinho?
O rosto de Jake assumiu um matiz tão vívido quanto o da camiseta que Erin vestia e seu coração passou a pulsar mais rápido e estrondoso que os batuques de um martelo esculpindo uma estátua de mármore quando ela deu um beijo em sua bochecha.
— Além disso — ela acrescentou —, James concordou com meu pedido de trazer meus amigos. Woong, infelizmente, não pôde vir.
Jake engoliu em seco e encarou o irmão com um olhar assassino. Misaki, a garota que o acompanhava e com quem ele havia se envolvido no dia do aniversário dele, riu quando James encolheu os ombros.
— Deixe para matar seu irmão depois da viagem, certo? — A moça de madeixas cinza piscou.
— Iúna! — Chase puxou a ruiva para um abraço, sorrindo. — Que bom que veio! — Ele se virou para encarar Siena, sua acompanhante, uma loira de olhos tão azuis quanto os dele e aparência delicada. Ela estava num canto conversando com Laura (atual “lance” de Hiroshi), e Heidi (namorada de Natan.)
Jake desviou os olhos dos amigos, para olhar Erin, que continuava sorrindo cinicamente. Ela devia estar pensando que ele se arrependia de tê-la arrastado até ali, por isso, ele se recompôs exibindo uma expressão despreocupada.
— Impossível me chatear com você, cara pálida. Você é meu amorzinho…
Erin fez uma careta quando ele sorriu e pegou a mochila que ela carregava, jogando nas próprias costas, antes de passar o braço pelos ombros dela.
— Posso levar minha bolsa e andar sozinha.
— Você prefere segurar a minha mão e entrelaçar nossos dedos, então?
— Q-Quê?!
Jake apontou com o queixo para onde James estava com Misaki, os dois subiam no barco de mãos dadas. Depois para Heidi e Natan, os braços ao redor da cintura um do outro, subindo atrás de James.
— Ou talvez prefira fazer como eles?
O último casal a subir foi Laura e Hiroshi, os dois trocavam beijos apaixonados. Erin os observou arregalando os olhos, os lábios entreabertos.
— Nem todos estão assim! — Ela apontou para onde Bernardo e Catarina estavam.
Os dois pareciam bem próximos, até mesmo Iúna parecia ter certa intimidade com Bernardo — às vezes Jake esquecia que de todos, ele era o que mais tinha contato com as amigas de Erin, além de Chase, por trabalhar para a cunhada dela, e Chase por manter contato com Iúna desde o ensino médio.
— Talvez seja porque nenhum deles tá fingindo ser um par romântico — Jake respondeu, revirando os olhos.
— De qualquer forma, ainda não começamos a viagem, né?
Antes que ele respondesse, Erin se apressou para se juntar aos amigos, sem olhar para trás. Com um suspiro preso na garganta, Jake colocou os óculos de sol no rosto e subiu atrás deles. Quando se sentou na espreguiçadeira, observando Erin rir de alguma coisa que Bernardo disse, se perguntou como ela reagiria quando descobrisse a divisão dos quartos.
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