Já era noite quando o casarão de tijolos avermelhados surgiu à vista e o motorista estacionou a minivan em frente à balaustrada branca. Através das frestas da cerca, se podia ver a grama bem aparada e os flamingos esculpidos por June e Jake espalhados pelo gramado. A casa de férias dos Young ficava ao lado de uma das mais belas praias da ilha, com a areia esbranquiçada acessível diretamente da área externa. Porém, o casarão ficava afastado do centro de São Aguaí, onde se concentrava o fluxo de pessoas e o porto.
— É uma casa simples, mas espero que se sintam à vontade — disse James, saltando do automóvel.
Erin lançou um olhar de esguelha para ele. “Que audácia”, pensou ela. Na sua opinião, uma casa com três suítes e três quartos de hóspedes estava longe de ser simples. Embora não fosse maior que o casarão da família dele na cidade, possuía atributos semelhantes, ainda que com uma estética idílica.
— Que isso, cara! A casa de vocês é surreal! — Natan exclamou, maravilhado, ao descer da minivan.
— Se sintam em casa — Jake sorriu. Seus olhos se desviaram para o resto do pessoal. — Todos vocês.
— Já estou me sentindo em casa — respondeu Siena com um sorriso, piscando para ele.
Uma sensação esquisita coçou o âmago de Erin, enquanto observava a moça de olhos azul-cristalino pôr uma mecha loira atrás da orelha. Ela ouvira dizer que Siena era a garota por quem Chase estava apaixonado — para o azar de sua amiga Iúna — e, embora não fossem desconhecidas, Siena não falara com ela durante toda a viagem, mas passara boa parte do tempo olhando para onde Jake estava, mesmo quando Chase estava ao seu lado.
Erin sacudiu a cabeça para afastar o incomodo alojado em seu estômago. Naquele momento, os olhos de Jake encontraram os seus. Seu coração deu um salto quando ele lhe deu uma piscadela com um meio-sorriso debochado, enquanto pegava a mala dela e as mochilas de ambos. Ao passar ao seu lado, ele parou. Seu cabelo ondulado roçou no pescoço de Erin, quando sussurrou em seu ouvido:
— Tente guardar o surto pra quando estivermos sozinhos, tá? — A respiração dele deixou o seu corpo todo eriçado. Os olhos dos dois se encontraram e uma faísca de divertimento brilhou no olhar de Jake antes de entrar em casa atrás de Bernardo e Chase.
Erin piscou devagar e os seguiu com uma súbita inquietação dentro de si. Lançou um olhar pela sala à procura dele assim que entrou. Nada parecia diferente das fotos de férias que Jake e James mostraram a ela na época que estavam no fundamental. Os sofás extensos e as quatro poltronas de cor creme ficavam voltados para as portas de correr que levavam à área externa. Magnólias e rosas adornavam a mesa baixa, num vaso estreito esculpido e pintado por Jake na oitava série, quando ele navegava entre ser artesão, ilustrador, ou artista plástico.
— Jake, querido, arrumei as roupas de banho e cama nos quartos conforme você pediu, mas parece que temos mais convidados do que o esperado… — disse a caseira, atraindo a atenção de Erin com seu tom preocupado.
— Não se preocupe, eu cuido da reorganização, Uana — respondeu ele, com um sorriso caloroso.
A mulher assentiu e se afastou, desaparecendo pelo corredor que levava a cozinha. Em seguida, Jake olhou para os amigos.
— Vamos precisar fazer alguns ajustes na divisão dos quartos… — avisou, movendo o piercing em sua sobrancelha e estreitando os olhos. — Erin e eu vamos continuar no meu quarto, mas como vieram pessoas a mais, temos que ver o que faremos com os demais quartos.
Erin engasgou com a água que acabara de pegar da bolsa. Enquanto olhava para Jake, incrédula, com os olhos arregalados, Catarina deu tapinhas leves em suas costas. Um sorriso provocante apareceu nos lábios dele, quando seus olhos cruzaram com os dela.
O coração de Erin deu um pinote no peito.
— A Cat e a Iúna podem ficar no quarto que seria meu e da Sohee — sugeriu Bernardo.
— Sohee? Não era Jade? — perguntou Hiroshi, franzindo o cenho.
As sobrancelhas retas de Bernardo se ergueram. O maxilar marcado se contraiu levemente, enquanto ele encarava Hiroshi.
— É… Sim… sim — ele limpou a garganta, forçando uma risada nervosa. — Jade é apelido, sabe… porque ela… ela tem olhos grandes que… lembram pedras de jade. Isso mesmo! — soltou outra risada estranha.
Bernardo era, definitivamente, um péssimo mentiroso.
Percebendo a tensão que se formava no ar entre os amigos dele e os convidados de Erin, Jake juntou as mãos e esboçou um sorriso.
— Tá. Então você fica com o quarto da área de serviço.
— É o menor de todos e fica na cozinha — acrescentou James. — Tudo bem?
— Não é o quarto dos caseiros? — perguntou Heidi, franzindo a testa.
— Não. Eles cuidam da casa quando não estamos, mas não vivem aqui — respondeu James. — Moram na rua de cima. Ninguém usa aquele quarto.
— Por mim, sem problemas, então — concordou Bernardo, visivelmente aliviado por não ser pressionado sobre seu “lance” com nomes diferentes.
— Ótimo. — Jake suspirou, jogando os fios encaracolados para trás. — Jamie, pode avisar a Uana sobre isso? O quarto da área de serviço geralmente não tem roupas de cama e banho.
— Okay, maninho — James assentiu, sussurrou algo no ouvido de Misaki antes de pedir a Bernardo para o seguir com as malas.
Jake pediu para que o grupo o acompanhasse até o segundo andar, pegou a bagagem de Erin, que havia deixado no chão, e subiu as escadas, seguido pelos rapazes. Erin seguiu atrás com as amigas, ouvindo Heidi falar animadamente sobre os planos que fez para a primeira viagem com seu namorado, Natan, e sua primeira noite a sós com ele. Ela tentou não ouvir os detalhes íntimos, mas estava difícil devido à proximidade entre ambas na escada.
— Lembra onde é o quarto do Jamie? — Jake perguntou a Chase quando pararam no segundo andar.
Chase assentiu, indicando o corredor à esquerda.
— Ao lado do seu, em frente ao dos seus pais.
Jake sorriu satisfeito e olhou para Erin.
— Você pode ir até o nosso quarto sozinha, não é, amorzinho?
Erin engoliu em seco sob o olhar intenso de Jake, tentando interpretar sua expressão, embora fosse claro que ele estava se divertindo com aquela situação. Com medo de gaguejar e para não parecer abalada, ela apenas assentiu.
— Os quartos de hóspedes ficam no corredor à direita — informou ele aos amigos. — Mas, como é a primeira vez de vocês aqui, vou ajudar a se instalarem.
Quando Hiroshi e Natan concordaram, Jake entrou no corredor à direita carregando as coisas de Erin. Ela segurou sua mão, sentindo a pele quente e macia sob seus dedos. Seu coração acelerou ainda mais.
Jake se virou lentamente, arqueando uma sobrancelha.
— Minhas malas.
— Eu vou levar, não se preocupe.
— Ele não vai demorar, Erinha — Hiroshi apertou a bochecha dela e piscou. — Logo, logo ele será todinho seu.
Jake riu, olhando para ela com uma expressão de pura diversão. O rosto de Erin se contraiu, assumindo um tom profundo de vermelho. Pelo canto do olho, viu Catarina arquear as sobrancelhas e trocar olhares com Iúna antes de olharem para ela com sorrisos contidos. “Minhas próprias amigas estão se divertindo às minhas custas. Ótimo!”
Ela suspirou e caminhou a passos rápidos e largos até onde Chase havia seguido com Siena. Entrou no quarto ao lado do que os dois entraram.
O quarto de Jake estava imerso em tons escuros, numa perfeita harmonia com o piso de linóleo. Erin acendeu as luzes e afastou as cortinas da janela, revelando a deslumbrante vista noturna do mar. As ondas quebravam suavemente na areia, iluminadas pela luz da lua, criando um espetáculo hipnotizante e calmo. Muito diferente dos sons e da vista que tinha na cidade grande. Embora a praia estivesse vazia, a brisa noturna a convidava a um passeio à beira-mar.
Ela suspirou com um leve sorriso surgindo em seu rosto, antes de retornar sua atenção ao quarto. Uma única cama ocupava o espaço. Convenientemente de casal. Havia um banco sob a janela, mas ela descartou a ideia de dormir ali, seria muito desconfortável. Dormir na banheira era uma opção ainda menos atraente, mas talvez fosse melhor do que dormir naquele banco apertado.
A entrada de Jake com suas bagagens atraiu seus olhos, e o corpo dela imediatamente se tornou tenso. Ele arrastou a mala até a cama, lançando as mochilas sobre o piso com cuidado, antes de abrir o guarda-roupa.
— Pode guardar suas coisas aqui — ele disse, indicando o espaço vazio. — Pedi para Uana separar essa gaveta pra você também e quando precisar de algo, tipo toalhas de banho, é só pegar aqui. — Abriu a porta do meio, onde quatro divisórias organizavam lençóis, cobertores, travesseiros e toalhas.
Ao finalmente encará-la, Erin uniu os braços sobre o peito, arqueando uma sobrancelha desconfiada.
— O quê? Quer que eu te ajude a arrumar suas coisas? — Ele provocou.
— Para de ser sonso. — Ela retrucou, lançando-lhe um olhar firme.
Um sorriso malicioso se formou nos lábios dele.
— Desculpe, mas não sei do que tá falando.
Erin respirou fundo e avançou na direção dele, forçando-o a recuar até ficar encurralado entre ela e o guarda-roupa.
— Você mentiu para mim, não foi? Disse que todos os seus amigos estariam acompanhados, mas o Bernardo está sozinho.
— A garota que vinha com ele ficou doente. O que posso fazer?
— É óbvio que ele está mentindo. — insistiu, franzindo a testa. — No carro, quando seu motorista nos pegou, ele disse que o nome dela era Priya. Aqui disse Sohee. Para vocês, Jade. Bernardo é um péssimo mentiroso. Cat já tinha mencionado isso antes, você deve estar ciente também, já que são amigos.
Jake manteve o olhar fixo nela com uma expressão imperturbável.
— O que exatamente quer que eu diga, Erin? Que sim, sei que ele tá mentindo e não tem garota nenhuma?
— Sim! Não! Quero dizer… por que não inventou algo também?
— Porque eu não quis, ué — respondeu ele, encolhendo os ombros e desviando o olhar para o guarda-roupa.
Erin o encarou boquiaberta.
— Que excelente resposta!
Jake riu, debochado, mas não disse nada.
Ela respirou fundo mais uma vez para manter a calma, apesar de estar muitíssimo irritada com a resposta malcriada que recebera.
— Você fez parecer que era impossível vir sozinho. Mas olha o seu amigo… está só e até minhas amigas vieram sem nenhum companheiro — uma pitada de ressentimento soou em sua voz enquanto seus olhos buscavam os de Jake.
— Você já tá aqui, não? — Ele deu um passo em sua direção e inclinou o corpo sobre ela. Erin engoliu em seco quando a respiração dele tocou seu nariz e sua boca. — Ao menos finja ser uma Julieta apaixonada.
— Meio difícil sem um Romeu! — deu as costas a ele e se afastou, indo até a mala que ele havia colocado sobre a cama. O coração dela batia tão rápido que lhe causava raiva. A melhor coisa que poderia fazer seria arrumar suas coisas, mas, apesar de querer ignorá-lo, sua língua tinha vida própria.
— É tão engraçado você pedir para eu agir como uma Julieta, quando… — convidou Siena para vir também. Erin mordeu o lábio com força, impedindo que o resto escapasse e cerrou os punhos.
Ela não devia perguntar sobre Siena. Seria ridículo questionar o porquê de Siena estar ali também, e com Chase. Sabia que Chase estava saindo com alguém porque Iúna mantinha uma amizade com ele desde o ensino médio e já tinha falado. Mas, ainda que não soubesse se tratar de Siena, nada lhe dava o direito de perguntar aquilo a Jake, sobretudo quando ele poderia interpretar sua pergunta de maneira equivocada.
— O que tem de engraçado? — Ele questionou, enrugando as sobrancelhas.
Ela limpou a garganta, o coração se contorcia no peito e suas sobrancelhas tremiam. Injusto demais.
— E-Esqueci o que ia falar.
Jake a observou por um momento, ao que ela desviou os olhos e fingiu mexer no celular. Pelo canto do olho viu ele suspirar, sacudindo a cabeça. Em seguida, pegou uma muda de roupas leves no guarda-roupa e jogou uma toalha sobre o ombro.
— Vou tomar banho primeiro, tá? — Quando assentiu, ele entrou no banheiro.
Erin suspirou pesadamente. Não perguntara o que de fato queria saber, no entanto, a vida pessoal dele, ou de Chase, não lhe dizia respeito, por isso decidiu focar na mala. Abriu o bolso pequeno da mochila à procura da chave do cadeado preso ao zíper maior — ideia de Dante, que tinha suas razões para ser cauteloso; pois já haviam enfrentado dissabores com seus pertences durante viagens anteriores. Pensar no irmão enviou um lampejo ao cérebro dela. Seu irmão entrara no quarto com o cadeado enquanto ela arrumava a mala, e colocara o cadeado e a chave sobre as últimas peças de roupa que Erin havia guardado. Iúna havia ligado para ela assim que ele saiu e, quando atendeu, só lembrou de tirar o cadeado antes de fechar a mala…
E prendê-lo.
— Caramba! Não pode ser verdade — jogou tudo da mochila sobre a cama de Jake, espalhando pacotes de absorvente, calcinhas e outros acessórios de higiene pessoal. A chave deveria estar ali, tinha que estar.
Enquanto vasculhava freneticamente a bolsa, agradecia mentalmente por ele estar no banheiro, para não presenciar aquela cena constrangedora.
— Esqueceu algo? — Sua busca foi interrompida pela voz de Jake em seu pescoço. A respiração quente enviou arrepios por seu ventre. Sua proximidade fez Erin dar um pulo, com a mão sobre o peito.
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