Enquanto fingia pentear o cabelo, Jake observava Erin através do espelho. Ela saiu do banheiro com as madeixas ainda úmidas, as gotículas de água refletindo a luz suave do quarto. Vestia uma saia que valorizava as curvas em seu corpo e uma blusa de alças finas, acentuando seu busto avantajado e a palidez de seus braços. Ela estava deslumbrante. O que não era nenhuma novidade. Erin era uma obra-prima, cada curva e traço parecia modelado para provocar admiração em quem a observasse. Seus olhos castanho-cobres eram ímãs que atraíam o olhar dele, deixando-o hipnotizado sempre que se encontravam, como se contemplasse um eterno sol poente.
— Você está arrumando ou bagunçando o cabelo? — Ela perguntou, abrindo o guarda-roupa e pegando um frasco rosado.
O ar foi preenchido com o aroma floral e adocicado de morango e jasmim quando Erin espirrou dois jatos do líquido em cada lado do pescoço. O cheiro se espalhou pelo quarto, atacando Jake com memórias de quando eram amigos, no fundamental e no ensino médio. Ela continuava usando o mesmo perfume que ele se lembrava. Era um dos seus aromas preferidos e, bem, talvez ainda fosse…
O sabor agridoce do passado que compartilharam fez seu coração apertar.
— Só tô dando os últimos retoques — respondeu com um leve pigarro, quando Erin o flagrou a olhando fixamente.
Ela arqueou uma sobrancelha, um pequeno sorriso brincou em seus lábios rosados.
— É impressão minha ou você estava enrolando só para me esperar?
Jake deu um sorriso meio desajeitado, o coração pulsava nos ouvidos.
— Não é impressão, eu tava te esperando, sim.
Erin o encarou surpresa, seus olhos piscando devagar.
— Somos um “casal”, não somos? Eu não deveria esperar o meu “amorzinho”? — ele provocou, a voz carregada de sarcasmo e afeto disfarçado.
— Ah… é. Quase me esqueci disso. — Ela lhe deu as costas, mas ele não pôde deixar de notar o rubor leve que coloriu suas bochechas. — Vamos descer antes que eles tomem café sem a gente também.
Jake concordou com um aceno e segurou o pulso dela com delicadeza antes que abrisse a porta, então deslizou a mão pela palma de Erin até a segurar.
Ela girou o corpo tão sobressaltada quanto as batidas do coração dele.
— Por que…?
— Você parece um gato arisco, cara pálida. — Ele riu e balançou a cabeça para disfarçar o som de seus batimentos cardíacos, que para Jake podiam ser ouvidos por qualquer um, de tão alto que soavam em seus tímpanos. — Acho que preciso segurar sua mão mais vezes, só assim sua reação vai ser menos defensiva e mais natural.
Ela limpou a garganta e encolheu os ombros, os lábios inquietos.
— Estou fazendo o melhor que posso, se isso não for o suficiente…
Jake apertou suavemente a mão dela, trazendo-a para mais perto. Os olhos fixos nos dela ao dizer:
— Não tente fazer outro acordo comigo, senhorita-não-tenho-palavra.
— Eu não ia fazer isso! — Erin fez um bico, suas sobrancelhas se unindo com um leve vinco.
Jake pressionou os lábios para não sorrir, por sua reação adorável, e a guiou até a frente do espelho. Erin abaixou a cabeça para esconder o rosto vermelho entre os fios de cabelo ao notar o forte rubor no próprio reflexo.
“Porra”. Xingou mentalmente. Como ela conseguia ser tão adorável assim? Um ardor subiu pelo corpo dele, das pontas dos pés até o rosto. Seu sangue estava em brasa.
Jake pigarreou e abriu o lado dele do guarda-roupa. Tirou de dentro um chapéu cor de creme com uma fita preta no meio e o colocou sobre a cabeça dela.
Erin ergueu os olhos e o observou; as sobrancelhas ainda mais contraídas.
— Sua pele é muito sensível, não quero ver seu rosto descascando pelo sol — explicou enquanto ajeitava o chapéu na cabeça dela. — Como pôde vir até aqui sem trazer nem um mísero boné, cara pálida?
— Eu esqueci, mas… quando você saiu para comprar um chapéu? — Ela estreitou os olhos. — Ou você usa esse tipo de coisa e...
— Não me diga que tenho cara de quem curte essas coisas? — Jake revirou os olhos com um sorriso trepidando nos lábios. — Esse chapéu é da minha mãe, mas ficou ótimo em você, então pode ficar com ele. Ela tem muitos e nunca a vi usando nenhum — estendeu a mão para ela. — Agora, é melhor a gente ir ou vamos tomar café sozinhos mesmo.
Erin concordou com um aceno, segurando a mão que ele estendia, e o seguiu para fora do quarto. O toque macio e cálido das mãos dela fez suas artérias vibrarem com ainda mais força em seus ouvidos.
Enquanto desciam as escadas, Jake notou as testas franzidas e os braços cruzados de Natan e Chase logo abaixo, na sala de estar. Bernardo e Hiroshi refletiam a mesma postura defensiva. Com um vinco entre as sobrancelhas, ele procurou o problema que perturbava os seus amigos e encontrou um aglomerado no sofá, onde as outras cinco garotas da casa riam contentes.
— Acharam um pote de ouro? — Jake brincou ao alcançar o térreo.
Ao som da voz dele, o círculo se desfez, revelando o centro da atenção: um rapaz quatro anos mais velho que eles, de olhos castanho-claros e cabelos castanho-médio que caíam em cachos desordenados sobre a pele bronzeada que parecia destacar ainda mais seu sorriso brilhante e perfeito. O sorriso de Jake desapareceu e seus músculos se enrijeceram ao ver a reação de Erin.
— Tales?! — Os olhos dela se esbugalharam e um sorriso arrebatador iluminou o seu rosto. O coração de Jake afundou quando Erin correu para abraçar o recém-chegado, cujos braços a envolveram num abraço apertado.
— Rin! — Tales a girou no abraço, rindo.
Por que aquele cara tinha que ser tão bonito? E por que Erin sorria para ele daquele jeito encantador?
— Quando voltou? E por que está aqui?
Jake deu um passo à frente, erguendo o queixo e unindo os braços diante do peito.
— É, por que tá aqui? Não me lembro de ter te convidado.
Tales manteve o sorriso ao fitar ele.
— Vim ver a Rin, claro. — Ele desviou o olhar para ela. — Cheguei ontem. Dante me disse que você viajaria com Jake e decidi vir também.
— Eles estão juntos. — Hiroshi interveio. — Assim como todas as outras garotas aqui. — Ele riu e ergueu a mão. — Quero dizer, elas não estão com o Jakinho, mas estão acompanhadas.
“Hiroshi, eu te amo, mas é uma pena que isso não seja verdade”, Jake pensou com amargura. A relação entre Erin e ele era como uma cerâmica quebrada com cicatrizes do passado ainda visíveis — muito longe de ser restaurada. Ainda mais com o acordo existente entre eles.
— Ah, eu sei. Eles estão mesmo juntos. — Tales sorriu para Hiroshi, depois olhou para Erin, que coçou a nuca e desviou as vistas.
Jake enfiou os punhos nos bolsos, cerrando-os com força. A forma casual como Tales pronunciou aquelas palavras fez com que uma torrente de sentimentos contrastantes armasse uma tempestade em seu peito.
— Ainda não entendi porque veio sem ser convidado — disse ele, travando o maxilar.
— James me convidou. Eu vou ficar no mesmo quarto que Bernardo.
“James!” Jake vasculhou a sala com o olhar, tentando manter a calma apesar do temporal rugindo dentro de si. Onde estava aquele irmão traidor?
Tales colocou as mãos nos ombros de Erin, inclinando-se sobre ela com um sorriso ainda maior que antes. Jake perdeu o foco da raiva que sentia de James ao ver aquilo.
— Te trouxe um presente, Rin!
O coração dele sofreu um espasmo. Ele se esforçou a manter a calma, mas o simples som da voz de Tales era suficiente para fazer o sangue ferver em suas veias. Ele deu um passo adiante, mas a voz de Uana cortou sua tentativa de intervenção. Uma pontada de irritação o afligiu ao virar-se para olhá-la, e ele apertou ainda mais os punhos para disfarçar.
A mulher explicou brevemente sobre ter pedido ao marido para comprar o que precisariam para o novo hóspede, e Jake conteve um palavrão. A última coisa que queria era aquele cara em sua casa. Que porra James estava pensando quado o convidou? Argh! Ele queria muito ver o James diante dele naquele momento.
Contendo toda a raiva retorcendo suas vísceras, Jake agradeceu a caseira com um sorriso forçado, enquanto a ouvia falar também sobre a necessidade de comprarem mais mantimentos para as refeições dos próximos dias. A ideia de ter que lidar com isso o irritou ainda mais por ter de ser ele quem compraria, já que James havia saído logo cedo com Misaki.
Quando concordou em ir até o mercadinho do bairro, a mulher lhe entregou uma lista, repleta de legumes, verduras e frutas.
— Eu… tenho mesmo que escolher isso tudo? — murmurou mais para si que para ela. Ele sabia cozinhar, mas nunca havia precisado escolher os ingredientes para seus pratos, pois quem cuidava disso era a cozinheira de sua casa na cidade.
— Por que não chama a sua namorada para ir com você? — Uana sugeriu. — Ela pode te ajudar com os legumes e frutas. É o que te preocupa, não é?
Os ombros de Jake, antes rígidos, relaxaram, e ele suspirou com um sorriso quase imperceptível.
Que ideia maravilhosa!
Quando a mulher voltou para a cozinha, Jake se virou lentamente na direção de Erin com um amplo sorriso no rosto. Num gesto suave, ele envolveu os braços ao redor dos ombros dela, sentindo o calor agradável de seu corpo, próximo ao dele, envolvendo-o junto ao seu aroma. Ele apoiou o queixo no topo de sua cabeça ao dizer:
— Você sabe escolher frutas e legumes, amorzinho?
Erin moveu a cabeça para olhar para ele, as sobrancelhas franzidas.
— Sei, por quê?
— Uana pediu nossa ajuda com algumas compras extras. Ela tá organizando as coisas na despensa pra gente se virar bem quando ela for embora. Por isso preciso da sua ajuda.
— Ah… Ok. — Erin olhou para Tales com um sorriso apologético. — Conversamos mais quando eu voltar — disse a ele.
— Claro. Mas antes de irem… — Tales olhou para Jake, arqueando uma sobrancelha. — Posso trocar uma palavra com você, Jake?
Jake lutou contra o impulso de recusar, pois uma faísca de curiosidade se acendeu em sua mente ao notar a expressão petulante no rosto de Tales. Mas todos os olhares na sala os observavam curiosos, e algo dizia a ele que deveriam conversar em um lugar mais privado.
Não havia um escritório na casa de veraneio da família, escolhida especificamente pela mãe para desconectar o pai do trabalho durante as férias em família, por isso ele gesticulou para que o rapaz o seguisse e o conduziu através das portas que levavam à área externa. O guiou pela lateral da casa até alcançar o jardim dos fundos, onde não seriam vistos nem ouvidos por olhares e ouvidos curiosos. Ainda assim, esperava que a tensão entre os dois não fosse tão palpável quanto acreditava ser; esperava ainda mais que ninguém tivesse percebido o quanto Tales parecia ser íntimo de Erin. Muito mais do que Jake, aos olhos dele mesmo.
Jake parou de andar ao alcançar uma das palmeiras do gramado, próxima à cerca florida que delimitava o terreno da casa. Recolocou as mãos nos bolsos, pois a única maneira de conseguir manter a fachada indiferente que exibia, enquanto conversava com aquele cara, seria apertando os punhos discretamente. Tales não precisava saber o quanto sua presença o incomodava. Nem como despertava dentro dele a sensação de estar numa obra abstrata, onde formas indefinidas e ambíguas se traçavam e mudavam a cada vez que Jake observava.
— E então? O que quer comigo?
Tales riu sem humor, passando a mão pelos cachos.
— Você não pode me enganar, como engana seus amigos, Jake. Sei muito bem do acordo que fez com Erin.
O maxilar de Jake enrijeceu. Sua postura vacilou. Ele apertou os dentes tentando manter a compostura. Difícil. Muito difícil.
— É, eu sei — acenou com a cabeça diante da expressão assombrada no rosto dele. — James me contou por cima sobre o que houve por causa dele. Eu não sei quais são as suas intenções, mas quero deixar algo bem claro: não estou aqui por uma farsa, como você. Estou aqui para conquistar o coração dela e recuperar os anos que perdi enquanto estive fora.
A expressão presunçosa no rosto de Tales fez o sangue de Jake latejar nas veias. Tales demonstrava confiança no olhar, cujas entrelinhas diziam que as chances dele com Erin eram maiores que as de Jake, caso pensasse em conquistá-la também. Ele não queria dar àquele cara mais um gostinho de sua insegurança, ainda assim, não pôde evitar dizer entre dentes:
— Foi embora porque quis. Agora não fique no meu caminho. Você perdeu sua chance.
— Haha. — Tales bufou. — Eu a deixei por necessidade. Era meu sonho estudar no exterior, então acho engraçado você dizer isso, porque, se me lembro bem, você foi quem perdeu a chance, quando a teve.
Jake içou a sobrancelha esquerda e o canto da boca num sorriso escarnecedor.
— Tô aproveitando minha chance, mas você tá dizendo que vai me atrapalhar.
Tales se inclinou sobre ele com o maxilar tensionado.
— Essa sua reação quase me fez acreditar que você gosta dela, sabia? Mas é claro que se fosse o caso, aquela garota não estaria aqui. — Um meio-sorriso ergueu seus lábios. — Ouvi dizer que ela veio com o Chase. Vocês costumam trocar namoradas, é?
A pergunta dele atingiu Jake em cheio, fazendo seu maxilar se contrair. Ele apertou os dentes, tentando conter a raiva enquanto suas unhas se cravaram na palma da mão.
— Eu não sabia que você podia expelir tanta merda assim pela boca.
Tales soltou uma risada de deboche, balançando a cabeça com desdém, mas antes que respondesse, Jake o empurrou com o ombro ao se afastar, deixando-o para trás.
O que aquele imbecil pensava que sabia sobre ele? O jeito que havia olhado para Jake… Tales achava que Siena e ele viviam um romance tórrido pelas costas de Chase.
As artérias pulsando em seus ouvidos formaram um zumbido e pintaram suas vistas com cores agressivas.
Que ridículo!
Mas… se ele achava isso…
Jake se lembrou de Erin na noite anterior, na maneira como parecia nervosa diante de uma fala contida, de uma frase deixada pela metade. Ele engoliu em seco com um ardor na garganta. Será que ela pensava o mesmo que Tales? Não que Erin tivesse o direito de julgá-lo, sobretudo agora que aquele cara estava ali e estava ali exclusivamente por causa dela, ao contrário de Siena, que estava ali por Chase.
Porém, se Tales acreditava que Jake facilitaria a aproximação dele com Erin, caindo em suas provocações para que ela o olhasse com uma carranca ainda mais rabugenta do que já fazia, estava muitíssimo enganado.
Ele diminuiu o ritmo ao ver Erin parada perto da piscina ao se aproximar da entrada dos fundos. Seus olhos ensolarados encontraram os dele. Ela arqueou as sobrancelhas, uma nuvem curiosa cobria seu olhar. Ele comprimiu os lábios e segurou a mão dela.
— Não nos esperem pro café — avisou aos amigos dele ao passarem pela sala.
Jake andava o mais rápido possível para que Tales não os alcançasse e se convidasse para acompanhá-los, enquanto, silenciosamente, agradecia Uana por sugerir que Erin o acompanhasse. Assim, ao menos por aquele momento, conseguiria mantê-la longe de Tales.
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