A brisa noturna entrando pelas portas de vidro trazia o cheiro da água salgada. O som das ondas quebrando na areia seria ouvido se os rapazes não estivessem fazendo tanto barulho. Erin observava Jake rir com os amigos, enquanto uma ponta de algo, que sequer compreendia, crescia dentro dela. Ela suspirou, lembrando-se do que Dante dissera certa vez:
— Sabe, Rin, a maneira que os conflitos e discordâncias são tratados entre um casal, no início da relação, e o modo como decidem resolvê-los, mostra como será a relação deles no futuro.
Relacionamentos eram tão inconstantes. Jake e ela ainda estavam de cara virada um para o outro desde a discussão na mercearia. Haviam conseguido disfarçar na presença dos amigos, mas se evitavam sempre que estavam sozinhos. Talvez uma conversa franca fosse necessária, mas como começar quando ambos eram orgulhosos demais para dar o primeiro passo e se desculpar? Não que ela devesse se preocupar com isso, afinal, o relacionamento deles era uma farsa, e era justamente por isso que temia ser mal-interpretada.
Ela suspirou, desviando a atenção para Cat, cuja barriga roncou alto, provocando risos em Bernardo e um rubor constrangido na moça, que tentou disfarçar abaixando a cabeça e cobrindo o rosto com os cachos escuros. Todos estavam reunidos na sala, uma ideia de Heidi, que sugeriu a todos para se juntarem, beber e conversar. Assim, sentada no chão, entre Jake e Catarina, com as costas apoiadas no sofá, Erin assistia à competição de bebidas entre os rapazes enquanto esperavam Tales e Iúna voltarem com os petiscos e salgados, pois seria a primeira noite que lidariam com a própria comida.
James terminou a lata de meio litro de cerveja primeiro, pela segunda vez, e amassou a latinha na mesa de centro com um ruído agudo, exibindo uma expressão convencida. Erin observou Jake resmungar, derramando cerveja na camisa sem perceber. Mesmo quando estavam de cara virada, momentos como este mostravam um lado dele que a fazia questionar a seriedade com a qual continuava pensando no recente conflito entre os dois, sendo que ele parecia super tranquilo.
— Mano, não sei por que a gente ainda faz essas apostas com o James presente — Natan resmungou, abrindo a carteira.
— Porque é divertido, Nataninho! — Hiroshi cantarolou, apertando as bochechas do amigo até ele sorrir forçado.
— É uma porra mesmo. Impossível ganhar desse cachaceiro! — Jake grunhiu, enquanto Jamie estendia a mão em sua direção e depois na de Chase, que retorceu os lábios numa careta ao depositar algumas notas na mão dele.
— Eu que devo reclamar, sou o pior nesse jogo — Chase sorriu levemente, passando a mão pelos cabelos loiros. Ele trocou um olhar enigmático com James, que ergueu uma das sobrancelhas antes de desviar o olhar para Siena, deitada no sofá atrás dele. Ela bebericava a Margarita, os olhos fixos na tela do celular.
Erin notou a breve, mas significativa, troca de olhares entre Chase e James, mas antes que pudesse entender a reação de ambos, Chase desviou o olhar para Siena. A postura relaxada e a concentração no celular não ajudavam a dissipar as dúvidas que começavam a surgir na mente de Erin, pois logo naquele instante o celular de Jake vibrou no chão entre eles.
Uma pontada aguda a atingiu. Será que os dois trocavam mensagens em segredo? Ela balançou a cabeça, tentando afastar aquele tipo de pensamento irracional. A relação dela com Jake era apenas uma fachada, e havia sido justamente esse tipo de pensamento que a fizera brigar com ele no primeiro dia de viagem.
Erin respirou fundo e voltou a erguer o rosto. Seus olhos encontraram os de Jake, escuros e brilhantes como o céu estrelado, olhando para ela. Calor subiu pelo seu rosto, tingindo suas bochechas de vermelho enquanto seu coração reagia ao olhar dele batendo tão rápido quanto uma supernova. Quando ele arqueou uma sobrancelha e ela mordeu o lábio, desviando o olhar.
Quanto tempo mais poderia suportar essa tensão entre eles, sendo que mal conseguia manter o olhar dele, por estar envergonhada com sua própria reação exagerada? Mas, mesmo não querendo ser mal-interpretada com sua reação durante a briga dos dois, ela não queria ser a primeira a falar. Portanto, tudo o que podia fazer era observar e tentar encontrar uma maneira de navegar por essa complicada farsa que era o relacionamento deles, tal qual uma nave perdida no universo, tentando evitar a gravidade esmagadora de um buraco negro.
A maneira como estavam lidando com aquele conflito realmente importava para ela muito mais do que estava disposta a admitir. Era difícil ter que fingir estar bem com alguém quando se sentia tão esquisita perto desse alguém.
Erin conteve mais um suspiro pesado e olhou de relance para Jake novamente.
— Mais uma rodada? — Ele sugeriu, inclinando-se sobre a mesa, a camisa já molhada embebendo ainda mais líquido do vidro. — Dessa vez com o Bê?
— Só se Jamie sair, aí, sim, talvez eu entre na jogada.
— Não seja sem graça! — James protestou.
— Qual é a graça de jogar sabendo que vou perder? — Bernardo retrucou, amassando a latinha e pegando outra no cooler. Ele ofereceu uma a Catarina, que aceitou e, em seguida, a Erin, que recusou com um aceno. Já tinha atingido seu limite com duas latas.
Jake a observou de soslaio, seu olhar carregado de uma expressão que Erin não conseguia decifrar. Ele pediu mais uma lata ao amigo e, ao se inclinar para pegá-la, o calor do corpo dele se juntou ao dela. Um arrepio percorreu sua pele quando a bochecha dele roçou em seus lábios. Uma confusão de emoções a invadiu: o nervosismo inicial se misturou à surpresa e, de repente, um entusiasmo estranho se espalhou por todo o seu corpo, deixando-a atônita pela intensidade.
Quando Jake voltou a se sentar, de alguma maneira, parecia estar ainda mais perto dela do que antes, os braços dos dois agora encostavam um no outro. Erin umedeceu os lábios e engoliu em seco. Tentou se concentrar no ambiente ao redor, nos sons da natureza do lado de fora, mas sua mente parecia captar apenas a voz melodiosa e profunda de Jake, o aroma amadeirado de baunilha emanado de sua pele e a maneira como ele movia o piercing na sobrancelha enquanto as ondas rebeldes em sua cabeça se embolavam em seus brincos e caíam por seu pescoço.
Por isso, quando a porta da frente se abriu, Erin agradeceu e se aproveitou para desviar a sua atenção. Tales tirava os sapatos e caminhava descalço sobre o piso, com Iúna logo atrás. Ela tentou se concentrar na conversa animada entre os recém-chegados e os demais, que falavam sobe as cervejas e os restaurantes de comida que havia ali perto. Entretanto, a distração foi breve. Quando colocaram os frangos frito e os salgados sobre a mesa de centro, Erin esbarrou na mão do Jake, que derrubou a cerveja nas próprias calças.
— Desculpa — murmurou enquanto suas mãos voavam para as calças dele, onde estava molhado, tentando secá-las.
Jake olhou para baixo, e depois para ela, os olhos arregalados. Assim que ela sentiu algo enrijecendo sob os dedos, e percebeu o que fazia, olhou para ele da mesma maneira. Enquanto recolhia as mãos, o fulgor incendiava seu rosto e ele, visivelmente desconcertado, cobriu o colo com uma almofada — o rosto tão vermelho quanto o dela.
Erin abaixou a cabeça e cobriu o rosto com o cabelo. Sua pele ardia, seu âmago formigava e cada batida do coração ressoava em seus ouvidos, deixando-a sem fôlego. Ugh. “Eu não acredito que toquei… lá…! Aí, Erin!” Ela queria desaparecer, fundir-se com as sombras e escapar daquele momento constrangedor.
— Posso me sentar aqui? — a voz de Tales soou firme e perto de onde ela estava sentada, a tirando dos devaneios conflitantes.
Erin assentiu e se afastou um pouco para dar espaço as pernas dele. Pelo canto do olho, e entre as frestas do cabelo, notou o olhar intrigado de Tales em direção a Jake enquanto ele se jogava no sofá atrás dela. Um clima tenso pairava no ar, um contraste silencioso com a animada atmosfera da sala, até Misaki se levantar abruptamente do chão, batendo palmas.
— Vamos jogar! — Um brilho insano chispou no olhar da moça de madeixas cinza, que cambaleou em direção à cozinha. Ela demorou tanto para voltar que Iúna já estava quase sacudindo James, insistindo para ele verificar se a moça estava bem. Quando o barulho de panelas caindo ecoou em todo o primeiro andar, ele deu um salto. — Que diabos! Quem pendurou as panelas?! — Ela gritou da cozinha. — Eu tô bem! Só bati a cabeça!
Dez minutos depois de seu ataque às panelas inocentes, a moça de cabelos cinzentos e pele bronzeada voltou ainda mais animada que antes, as mãos escondendo algo atrás das costas. O olhar maníaco em seu rosto enviou um arrepio a coluna de Erin.
— Nada combina mais com frango e cerveja do que… — Misaki fez uma pausa dramática antes de tirar as mãos das costas e gritar: — PEPERO GAME!
Havia controvérsias. E, mais tarde, naquela noite, Erin percebeu que o arrepio havia sido um alerta do que estava por vir com aquela brincadeira aparentemente inofensiva.
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