Com as mãos trêmulas e o corpo em chamas, Erin bebeu a água gelada de uma só vez. Bateu o copo na pia, tentando acalmar o enxame em sua mente, e para se distrair, começou a pendurar as panelas que Misaki derrubara. Mas ainda podia sentir o calor das mãos de Jake em seu corpo. Ainda podia sentir o perfume dele, misturado ao cheiro de cerveja e chocolate, inebriando seus sentidos.
— Pensei que tivesse desmaiado de emoção, pela demora.
A voz de Tales a fez girar sobressaltada. Ele estava encostado na pia com as mãos nos bolsos da bermuda, os olhos castanho-claros fixos nela.
— Por que eu desmaiaria de emoção?
Um sorriso brincou nos lábios dele.
— Você pode se abrir comigo, sabe disso, não sabe?
Erin mordeu o lábio e continuou a pendurar as panelas, evitando o olhar dele. Ela não havia conseguido conversar com ele a sós, ainda. De algum modo, nos últimos dias, acabou sendo arrastada pelas namoradas dos amigos de Jake para que fizessem coisas juntos, todos eles.
— Dante me contou que você foi excelente no seu trabalho final do curso, e que o projeto foi escolhido para a premiação da universidade — Tales mudou de assunto quando o silêncio se prolongou. — Parabéns, Rin!
Ele parou na frente dela, e Erin ergueu a cabeça. A diferença de altura entre os dois era gritante. Tales era mais alto até que Jake, que a deixava se sentindo baixinha mesmo tendo 1,67 de altura.
— Obrigada. — Ela não pôde conter o sorriso alegre que se espalhou em seu rosto ao lembrar que, embora não tivesse ganhado a premiação em dinheiro, havia ficado em segundo lugar, com direito a cartas de recomendações para entrevistas nas empresas conveniadas a universidade pelo período de dois anos.
— Posso te dar um abraço?
— E desde quando você pede? — retrucou, rindo.
Ele a abraçou, envolvendo-a com firmeza enquanto enterrava o rosto em seu cabelo, respirando fundo.
— Eu senti saudades do seu abraço — Tales sussurrou, fazendo cócegas no pescoço dela.
Erin hesitou por um momento antes de retribuir o aperto. Também sentia falta dele. Apesar do que acontecera entre os dois, antes de ele ir estudar no exterior, Tales continuava sendo um amigo querido. Além disso, quatro anos se passara. Muitas coisas haviam mudado. Talvez ela não devesse pensar demais nas ações dele.
— Eu também senti sua falta — disse por fim.
Ele a afastou gentilmente, segurando os ombros dela.
— Acho que você tem um tempo livre agora, não é? Podemos conversar um pouco?
— Claro — concordou e o seguiu até o pequeno corredor paralelo ao cômodo.
O corredor estreito terminava em uma porta pintada de branco. Tales girou a maçaneta e entrou, acendendo a luz. Um colchão de solteiro forrava o canto direito do quarto, e as malas dele estavam ao lado. O quarto era do tamanho do que ela compartilhava com Dante em casa, com a cama de Bernardo e o colchão de Tales lado a lado no mesmo espaço.
Erin deu um passo para o lado e tropeçou nas malas de Bernardo, caindo sentada no colchão.
— Opa, cuidado! — Tales riu, enquanto colocava a própria mala sobre a cama de Bernardo e a abria. Ele tirou de dentro um ursinho de pelúcia em formato de biscoito de gengibre, do tamanho da mão dele, e uma sacola.
Os olhos de Erin percorreram os traços familiares do rosto dele, desviando-se por um momento para os cachos rebeldes que caíam sobre a testa. Ela sorriu ao notar como os fios dele pareciam mais soltos e longos do que antes, uma característica que sempre lhe dera um charme a mais.
— Os dois são para mim? — ergueu uma sobrancelha.
Ele assentiu com um largo sorriso.
— O urso tem cheiro de gengibre. Ou tinha quando comprei.
Ela apertou o urso entre os dedos e cheirou a pelúcia. O cheiro de gengibre era suave, mas ainda podia sentir.
— Um ursinho cheiroso e estrangeiro? E ainda nem é meu aniversário! — Ela piscou divertida, cutucando-o de leve com o cotovelo.
Tales riu e apertou as bochechas dela.
— Eu queria ter mandado um presente todo ano, mas alguém não quis aceitar.
— Você tem ideia do quanto é caro enviar coisas pelo oceano? Um universitário precisa economizar, ainda mais em um país estrangeiro!
— Você não mudou nada, Rin — as feições dele se suavizaram. — Estou feliz por isso.
Os olhos dele sondaram o rosto dela com tanta intensidade que um ardor subiu por seu pescoço e quando os olhos dele pousaram nos lábios dela, seu coração deu um salto. O ar pareceu rarefeito, e ela quase engasgou, tentando recuperar o fôlego.
— Você trouxe algo para o Dante? — perguntou, desviando o olhar.
— Trouxe, claro.
— Já entregou a ele?
— Mmm…
O silêncio se prolongou. Erin voltou a encará-lo. Tales apertava os lábios, suas bochechas tingidas de um rubor profundo. Ela arregalou os olhos.
— Você não viu Dante ainda?
Ele coçou a cabeça, ficando ainda mais ruborizado.
— Falei com ele pelo telefone…
— Sabe que ele vai te matar quando souber que veio me ver primeiro, né? — balançou a cabeça com um olhar de falsa reprovação. — Quem é seu melhor amigo? Eu ou minha irmã? — imitou a voz do irmão. — Quanta consideração pelo seu amigo de infância, Tales!
— Ele vai surtar — Tales riu. — Mas vai entender minhas razões quando eu contar a ele.
Erin mordeu o lábio inferior. As lembranças do que Tales dissera antes de partir lhe voltaram à mente. Ele, parado na entrada do colégio, as mãos nos bolsos da calça jeans, sorrindo acanhado. O coração dela era um emaranhado de teias naquele dia. Queria correr para casa e chorar no colo da mãe, mesmo sabendo que parte daquela dor era por Margô. Ainda lembrava do que Tales lhe pedira.
Em quatro anos, muitas coisas haviam mudado. Mas alguns sentimentos permaneciam enraizados no coração dela, como baobás…
O estalar de dedos na frente de seu rosto a trouxe de volta ao presente. Tales estava abaixado para ficar na altura dela, os olhos divertidos.
— Terra para Rin!
— D-Desculpa — ela enrubesceu ao perceber a proximidade entre eles. Procurou algo para se afastar sem parecer acuada e a sacola que segurava fez barulho quando ele se inclinou mais, prendendo seu olhar no dele. — O-O que tem aqui? — perguntou, levantando a sacola.
— Chocolates. Da Chocolat Élysée. Um dos meus favoritos.
Erin tirou a caixa luxuosa em tons de dourado e marrom escuro, com detalhes em relevo, da sacola. Estava envolta em uma fita de cetim que a fechava com um laço. Espiou os doces por uma brecha que ergueu da tapa e notou que havia diversos sabores de chocolate, em variadas formas e tamanhos.
— São muitos! — exclamou abismada. Parecia haver ao menos oitenta chocolates.
— São sabores sortidos. Provei muitos e gosto de praticamente todos. Queria que você provasse também.
— Obrigada, Tales — sorriu, erguendo-se nas pontas dos pés para beijar a bochecha dele.
Quando se afastou, ele acariciou alguns fios do cabelo dela, segurando alguns entre os dedos. Um leve sorriso pairou nos lábios dele, fazendo suas maçãs do rosto se destacarem. Com ternura, ele pousou a mão em sua cabeça, deslizando os dedos até roçar sua bochecha, o toque enviando arrepios por sua espinha.
Tales fixou o olhar em seus lábios outra vez. Ela engoliu em seco, sentindo uma agitação no peito.
— Acho que devemos voltar. Já devem estar sentindo nossa falta — riu nervosa, sua voz soando estranhamente alta no silêncio carregado.
— Você está certa. Vamos voltar. — respondeu ele, a voz baixa e rouca.
— Obrigada pelos presentes. Gostei muito! — Erin agradeceu novamente com o coração martelando ao alcançarem a cozinha.
Embora ainda fossem 21h30, decidiu encerrar aquela noite. O peso do sono se misturava à turbulência em seu peito, causada pelo quase beijo com Jake e pela estranha interação com Tales. E sua inquietação piorou quando voltou a sala e descobriu que James contara a todos sobre o primeiro “beijo de pepero” que ela dera com Jake, quando estavam no primeiro ano do ensino médio.
Heidi os nomeou como “casal destinado”, baseando-se na premissa romântica dada por Jamie, de um reencontro feliz entre os dois na universidade. Mas para Erin, tudo não passava de uma grande farsa.
Enquanto Tales voltava para o sofá com uma expressão indecifrável, Erin anunciou que estava cansada e subiu as escadas. Um arrepio percorreu seu corpo quando sentiu o peso do olhar de Jake sobre si — um magnetismo silencioso que a puxava para trás mesmo enquanto seguia em frente.
Não precisou virar o rosto para sentir a intensidade daqueles olhos escuros e cintilantes, que a acompanhavam como se quisessem decifrar os segredos mais profundos de sua alma.
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