Quando a porta se abriu e a professora a chamou, no entanto, as expectativas foram sutilmente desconstruídas.
Ela entrou na sala com uma calma que parecia quase etérea, como se flutuasse em vez de caminhar. Seus olhos âmbar, profundos e cativantes, refletiam a luz suave que filtrava pelas janelas, criando um jogo de sombras e luminosidade em seu rosto.
A pele morena, que se destacava de maneira incomum para os padrões locais, exibia um brilho saudável, um contraste vibrante com o ambiente ao seu redor. Sua propria presença trazia uma energia única, quase hipnótica. Sua postura era confiante, com os ombros relaxados e a cabeça erguida, enquanto seus movimentos eram fluidos e quase casuais.
Makoto, que geralmente se distraía durante as apresentações, a observava atentamente.
Havia algo nela que não se encaixava no cenário típico de transferências escolares. O contraste entre suas características e a imagem esperada pelos outros era evidente, e isso o intrigou.
“Será que ela é de Okinawa?” pensou Makoto, considerando o tom de sua pele, mas logo descartou essa ideia.
Algo está estranho, refletiu, notando o modo como ela se movia, como se carregasse um leve desconforto por estar ali, e uma postura diferente do que ele costumava ver nos estudantes da ilha.
As primeiras reações de seus colegas foram uma mistura visível de decepção e surpresa.
Era de se esperar.
Ele conseguia ouvir pequenos suspiros e até algumas risadas abafadas, como se a aparência dela tivesse quebrado uma ilusão coletiva.
E ela com certeza ouvia tudo.
Ninguém parecia decepcionado quando pensaram que ela fosse americana ou europeia, Makoto pensou, uma sensação de irritação crescendo dentro de si.
“Realmente, muito estranho…” pensou ele, considerando todas as possibilidades óbvias e sempre voltando a uma mesma palavra.
A professora pigarreou e, com um sorriso encorajador, pediu que se apresentasse. Ela respirou fundo e sorriu de forma educada, parecendo já acostumada com esse tipo de situação.
Quando começou a falar, sua voz era firme, mas havia uma leve hesitação, talvez causada pela língua ainda não totalmente familiar.
Carregava um certo sotaque incompreensível, mas não era ruim. Ao contrário, falava bem demais para uma estrangeira.
—Meu nome é Larissa Watanabe Vasques—começou ela, cada palavra em um ritmo cuidadoso, mas sem perder o tom confiante
Larissa aproximou-se da lousa com uma calma que parecia dissonante ao frenesi silencioso da sala, pegando o giz com uma delicadeza quase cerimonial.
Seus dedos deslizaram sobre o material branco, traçando letras finas, frágeis como se fossem feitas de seda esgarçada.
Com uma leve pressão, começou a desenhar as formas angulares de seu nome em katakana.
Os caracteres fluíam tímidos, com suas linhas curtas e interrompidas, quase desvanecendo antes mesmo de se completar.
As linhas suaves e apagadas mal sustentando seu peso contra o fundo negro da lousa.
—Eu sou brasileira... minha mãe é japonesa, de Okinawa.
"Isso explica o sotaque também!"
Ela sorriu de lado, como se já esperasse a reação negativa da sala.
E, de fato, o murmúrio aumentou. Alguns cochichos surgiram de imediato, seguidos por risadas abafadas de canto.
"Brasileira?" A palavra flutuou no ar, repetida por algumas bocas com desdém.
O preconceito, quase palpável, se espalhava na forma de piadinhas maliciosas e risadas discretas.
Makoto, ao ouvir os comentários, sentiu-se desconfortável.
Ele havia visto esse tipo de coisa antes, mas naquele momento parecia especialmente irritante. Ele sabia que, se ela fosse americana ou europeia, a sala inteira teria ficado impressionada, curiosa. Mas, sendo do Brasil, isso mudava tudo?
A imagem de Larissa, antes mal formada em sua mente, agora começava a ganhar uma dimensão nova e inesperada.
Ela não era a caricatura de estrangeiros que aparecia na televisão, mas sim uma presença real, complexa e inesperada.
Larissa continuou a apresentação, mantendo um tom firme.
—Esse é meu primeiro ano morando no Japão. Até então, vivia em São Paulo, no Brasil.
Ela fez uma pausa, seus olhos escaneando a sala, parecendo medir a reação de cada pessoa.
—Se for mais fácil, podem me chamar de Watanabe. Sei que Larissa pode ser um pouco difícil de pronunciar.—Ela sorriu novamente, mas desta vez, seu sorriso parecia mais direcionado aos comentários sobre sua origem.
Makoto observou enquanto ela falava e analisou friamente a escrita de Larissa.
Watanabe? Não parecia o nome mais adequado para ela, pensou, mas entendeu o porquê. Havia algo forte e indomável em Larissa – ou melhor, Watanabe –, que fazia com que ela desafiasse, mesmo que indiretamente, as expectativas.
Ela com certeza ouviu alguém a chamar por um apelido que acabara de surgir.
“Latina-chan.”, alguns diziam, sem a preocupação de realmente esconder esse apelido idiota.
“Latina-chan? Bem apropriados para ela!” Ren disse para Haruto.
Makoto que antes nunca havia parado pra pensar nas atitudes de seus amigos, agora, sentia um certo desprezo.
Ela era diferente, de certa forma, apesar de polida em sua apresentação, era muito mais do que qualquer estudante de intercâmbio estrangeiro que ele havia visto na televisão.
—Watanabe-san, sempre faço essa pergunta aos meus alunos—Disse Ayumi-sensei. Como uma boa leitora da atmosfera da sala—Quais são seus três livros favoritos
—Pequeno Príncipe, Helena e Confissões.
O último livro, obviamente, pegou Ayumi-sensei em seu ponto mais fraco.
Enquanto guiava Larissa para seu lugar, os cochichos persistiam, como se a sala inteira estivesse debatendo silenciosamente o que acabara de presenciar como um evento trágico.
Makoto, no entanto, não conseguia desviar os olhos dela. Havia algo caótico em sua presença, algo que destoava da normalidade cotidiana que ele tanto detestava.
Larissa olhou de volta, sem expressar qualquer sentimento.
Talvez fosse isso que mais o atraía, mesmo que ele ainda não compreendesse completamente o motivo.
Ela era um ponto de desordem no seu mundo ordenado, e ele sabia, de alguma forma, que essa sensação não desapareceria tão cedo.
Uma brasileira isolada em um país distante encontra um garoto entediado, preso na monotonia de sua própria rotina. Entre encontros desajeitados, os dois descobrem que às vezes o que parece simples pode se transformar em algo especial. Uma história leve de amor que floresce nas menores coisas.
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