A semana se arrastava devagar, como um ponteiro de relógio que teimava em não avançar. Até mesmo seus tiques e taques pareciam irritantes de forma sobrenatural.
Devagar, quase como se o tempo decidisse brincar com ela, esticando cada segundo até ele parecer algo maior e mais sufocante.
Ela batia os pés, impaciente, porém, seu rosto mantinha-se imutável.
As manhãs chegavam em um ritmo lento, envoltas em uma luz fria que entrava pelas frestas da cortina, parecendo apagar qualquer traço de calor que ela esperasse encontrar.
Os dias se sucediam, trazendo consigo uma sensação densa, quase opressiva, que crescia e tomava forma a cada hora que passava. A rotina, que antes lhe oferecia alguma segurança, agora parecia uma sucessão de tarefas vazias, como passos dados sem rumo por um corredor interminável.
Larissa sentia a solidão se enraizar nela, sem pressa, envolvendo-a como a neblina fria que cobria a cidade nas manhãs mais cinzentas. Mas antes que essa sensação tomasse conta de vez, ela ainda tentava romper aquela barreira invisível entre ela e os outros.
Uma vez, na hora do intervalo, ela se aproximou de um grupo de meninas que conversavam animadamente sobre o último episódio de uma série. Larissa sorriu, tentando fazer uma piada sobre o final inesperado. As risadas que esperava não vieram. Em vez disso, apenas um olhar rápido e depois a conversa retomou sem ela. Era como se tivesse falado com o vento.
—É a vida...—Falava consigo mesma.
Outro dia, viu um garoto sentado sozinho na biblioteca, lendo um livro que ela adorava. Larissa respirou fundo e, num impulso, puxou uma cadeira, arriscando um comentário. Ele apenas assentiu, um murmúrio de resposta antes de voltar às páginas, como se ela fosse um ruído de fundo que ele estava ansioso para ignorar.
O silêncio entre os dois parecia gritar mais alto que qualquer palavra.
—Não foi uma boa abordagem, certo? Bem, é a vida...
Havia momentos em que ela sentia que alguns deles talvez quisessem se aproximar também. Às vezes, alguém a olhava por um segundo a mais, como se estivesse à beira de dizer algo, mas desistisse no último instante. Talvez fosse medo, talvez só um desconforto que não sabia nomear.
Percebia essas pequenas hesitações, mas nunca duravam o suficiente para que se transformassem em algo mais. Para um bom entendedor, meia palavra bastava.
Cada tentativa falha era como um corte rápido em um filme—um sorriso que sumia, uma conversa que morria antes mesmo de nascer. E com cada cena, a neblina se adensava ao redor dela, fria e constante, até que Larissa se via cada vez mais sozinha no meio de um mundo que continuava a girar, indiferente à sua presença.
—Fazer o quê, né? É a vida...
Repetir aquilo toda vez a deixava enojada de si mesma.
Na sala de aula, o quadro era sempre o mesmo, com fórmulas e palavras que se embaralhavam em sua mente sem qualquer significado. Não se preocupava tanto assim como os estudos, mas também não os negligênciava. Tinha uma longa experiência na arte da malandragem escolar.
Larissa estava ali, encostada na carteira, girando a lapiseira entre os dedos. Apertava o mecanismo, a ponta de grafite se esticava para fora como uma pequena antena, e então, ela a empurrava de volta para dentro. Era um ciclo sem fim, que deveria ser irritante, mas de algum jeito, se tornava quase terapêutico.
Apertar, a ponta saía; empurrar, a ponta sumia. Era um dos poucos aspectos da vida que ela podia controlar, pensou com uma ironia amarga.
Ela apertava o botão da lapiseira com mais frequência do que gostaria de admitir. A ponta surgia, voltava, surgia, voltava.
E ali, no meio de tanta incerteza e de relações humanas que sempre davam errado, pelo menos aquele treco de plástico obedecia ao comando dela, mesmo que fosse só um brinquedo temporário contra a chatice da vida.
Mas o diabinho em sua cabeça falava mais alto.
“Estava esperando o quê afinal? Ser bem recebida por alguns colegas? Inocência da minha parte” Pensara consigo mesmo. Mas não conseguia distinguir se a voz de sua cabeça estava tão somente ali ou se pensava pensava alto demais.
Saber um idioma que ninguém sequer se daria ao trabalho de tentar entender era, sem dúvidas, um superpoder subestimado. Permitindo-se essa vantagem, ela podia resmungar baixinho aquelas coisas que fariam qualquer um corar de vergonha, ou lançar de volta, com precisão cirúrgica, as piadas irritantes que insistiam em jogar contra ela.
Afinal, quem iria suspeitar de que, por trás daquele rosto calmo, havia uma enxurrada de sarcasmos em uma língua hermética?
Larissa tinha um talento peculiar para rotular as pessoas ao seu redor, quase como se estivesse organizando um catálogo mental dos colegas. Para ela, isso era um jeito divertido de passar o tempo durante as aulas.
Na mente de Larissa, a professora Ayumi era, sem dúvida, uma pessoa "gente boa".
Só que, quando ela dizia isso, não soava como um grande elogio. Na verdade, parecia mais o tipo de descrição que alguém usa quando não sabe exatamente o que dizer sobre a outra pessoa. Era como chamar uma cafeteria de "aconchegante" porque o café não era grande coisa, mas pelo menos tinha cadeiras confortáveis.
Mas, claro, não era só glamour nesse papel de "língua secreta".
Porque, enquanto o grande fluxo da vida na nação chamada Escola Sekigahara a empurrava para um status social digno de um burakumin — a figura esquecida e marginalizada do sistema —, ela ainda tentava manter uma faísca de esperança.
Essa esperança, embora enterrada sob várias camadas de frustração e desapontamento, tremeluzia como uma luzinha de emergência. Só que estava mais para uma lâmpada de geladeira com problema do que para um farol no horizonte, ficando cada vez mais fraca a cada dia.
É desesperador como o otimismo parecia tão burlesco…
A cada manhã, Larissa se perguntava se algo mudaria, se de alguma forma ela conseguiria ultrapassar a barreira invisível que parecia afastá-la de todos.
Mas os dias passavam, arrastando-se com uma monotonia cruel, e a sensação de exclusão apenas se intensificava.
A escola; a cidade; aquelas pessoas, que antes parecia um território a ser explorado, agora se transformara em um campo minado, onde um mísero movimento errado poderia provocar uma explosão silenciosa de desprezo ou indiferença.
Ou pior.
Larissa não entendia como tudo tinha chegado a esse ponto. Não. Na verdade, ela compreendia muito bem. As primeiras interações, embora tímidas, pareciam promissoras. Ela havia se esforçado para sorrir, fazer perguntas e mostrar interesse. Mas, de alguma maneira, suas palavras batiam nas pessoas como gotas de chuva em uma janela fechada, escorrendo e desaparecendo sem deixar impacto.
Era como se falasse outra língua, como se as sutilezas de sua presença fossem completamente ignoradas ou, pior, mal interpretadas.
Quando tentava participar de conversas durante as aulas, especialmente nas atividades em grupo, a resposta era quase sempre a mesma: silêncio. Às vezes, um olhar de soslaio, um desvio de atenção que a fazia questionar se tinha, de fato, falado em voz alta. Outras vezes, recebia respostas curtas, um “sim” ou “não” seco que deixava claro que a conversa não seria prolongada.
Mesmo o professor, por mais atento que fosse, parecia não notar o desconforto crescente que tomava conta dela. Aquelas tentativas constantes de ser gentil, de criar um vínculo com os colegas, pareciam inúteis. Um ciclo vicioso de rejeição que se repetia todos os dias.
No meio da semana, após outra tentativa fracassada de interagir, Larissa percebeu o início de algo mais agressivo. Não era exatamente bullying direto — ninguém a xingava ou a confrontava abertamente. Não. As provocações eram sutis, mas ainda assim crueis.
Passava pelos corredores e sentia as risadas abafadas, as costas viradas, os sussurros que claramente eram sobre ela. Era como se ela tivesse se tornado invisível, e ao mesmo tempo, estranhamente visível apenas para ser alvo de piadas.
“Nem tentam esconder…”
"Nem tentam parecer agradáveis…”
Larissa murmurou, observando o corredor vazio à sua frente.
Olhares esquivos, silêncios entrecortados, parecia gritar uma verdade oculta, tecida em meias-palavras e gestos dissimulados.
"Rumores; no bom português, eram chamados de fofocas." Ela pensou, sentindo uma pontada de desgosto. Claro, sempre havia rumores, e os japoneses pareciam adorar sussurros maliciosos e histórias sem fundamento.
Mas do que falariam dela sendo que ninguém a conhecia?
Ela conseguia sentir a raiva crescendo dentro de si, aguda como as pontas de um ouriço que se enrolava em defesa.
Ela parou no meio do corredor, inspirando fundo, tentando dissipar a sensação de sufocamento. O silêncio ao seu redor era mais pesado do que o normal, quase opressivo. Sua mente fervilhava com perguntas que ecoavam sem resposta.
Seria toda a escola assim? Ou havia alguém, uma figura escondida, que orquestrava a frieza e o afastamento? Havia algo de podre, uma insinuação de algo sombrio que ela não conseguia nomear. Alguém começara aquilo, espalhara as sementes do isolamento que agora floresciam ao seu redor e, alguns por medo ou pressão se juntavam aos demais?
“Que se dane, isso não vai mudar nada.”
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