O vento sussurra em turbilhões, desliza como dedos invisíveis entre os fios soltos de seu cabelo, e o toque uma carícia fria que se espalha pela pele. Larissa, de olhos entreabertos, sente o concreto sob os pés, o frio sólido que segura, e ainda assim, nada ali é firme, tudo dança com o vento—ela, as folhas que saltam em revoada do jardim lá embaixo, as nuvens que parecem se dissolver no azul infinito. As pernas pendem, leves, flutuantes, como se o vento pudesse levá-las também, levar a ela. O parapeito se faz limite.
A cidade se estendia diante dela, um emaranhado de telhados, ruas serpenteando entre as árvores. Tudo parecia tão pequeno lá embaixo: carros seguindo seus caminhos e pessoas que andavam em um ritmo que ela já não compreendia. A cada movimento desses pontos distantes, o cenário ganhava um novo contorno, quase como uma pintura que se alterava sutilmente ao som que preenchia seus ouvidos.
A melodia nos fones, fluindo e se entrelaçando com o vento, como se tudo ao redor pudesse desaparecer. O colégio, os prédios altos que cortam o horizonte, as vozes indistintas que se perdem no ar.
As notas dançam, uma a uma, empurrando os pensamentos para longe, afastando as sombras do dia.
Ali, nesse espaço onde a música vira refúgio, tudo é dela, só dela, um mundo onde o tempo se desfaz e nada precisa ter pressa. O ritmo bate em algum lugar profundo, algo que ecoa lá dentro e preenche... preenche o quê?
Talvez vazios que sempre estiveram ali, disfarçados em rotinas, em conversas curtas.
“Que romântico!” Larissa pensou, influenciada pela música.
A porta do terraço abriu-se com um ranger agudo, um som que pareceu rasgar o ar parado. Makoto congelou por um momento, como se a música que escapava dos fones dela o tivesse desorientado por um momento, mesmo sendo apenas um chiado ínfimo.
Mas então, respirou fundo e deu um passo à frente, os passos soando erráticos contra o concreto, quebrando o silêncio que havia transformado aquele terraço no seu refúgio particular, um espaço onde o mundo lá fora não chegava.
—Ei, o que você está fazendo? Sai daí! Cuidado!— A voz dele saiu mais alta e trêmula do que pretendia.
Larissa se virou devagar, retirando um dos fones de ouvido e o encarou, percebendo finalmente sua presença, a testa franzida e os olhos meio perdidos, como quem acorda de um sonho distante.
Achava que o antigo prédio fosse um lugar onde ninguém chegava.
— Oi? Que foi? — perguntou, piscando algumas vezes, ainda se situando da súbita interrupção—Posso ajudar com alguma coisa?
Makoto parou a poucos metros, o peito subindo e descendo de forma descompassada, como se tivesse acabado de correr uma maratona.
— Você... você tá bem? Achei que você... — ele hesitou, coçando a nuca enquanto desviava o olhar —, bom, que talvez estivesse pensando em... pular ou algo assim.
Ela o fitou por um segundo, atônita, como se tentasse processar aquelas palavras. E então, de repente, uma risada escapou, sincera e desarmada, ecoando pelo terraço e misturando-se ao som do vento.
Makoto piscou, mais confuso do que antes, observando-a enquanto ela balançava a cabeça, ainda rindo, os olhos brilhando de um jeito que ele nunca imaginou ver.
Larissa, ainda apoiada no parapeito, se inclinou um pouco demais enquanto ria. De repente, seus pés escorregaram levemente, e ela soltou um pequeno grito, misturado à risada, enquanto sentia o corpo perder o equilíbrio. Em um reflexo rápido, Makoto estendeu a mão e segurou seu braço, puxando-a de volta.
— E-epa! — ela exclamou, ofegante, mas sem conseguir conter o riso, o rosto corado pela mistura de susto e divertimento.
Makoto a manteve firme, sentindo o coração bater mais rápido do que gostaria de admitir.
— Que doideira! — disse, com um sorriso tão aberto que os caninos apareceram, deixando sua expressão quase infantil.
Ele piscou de novo, tentando entender, mas não conseguia decidir se deveria se sentir aliviado ou ofendido com a reação dela. Sentiu a garganta seca, e um pensamento passou rápido por sua mente: "Que idiota eu sou.”
—Você tá... rindo?—Ele arfou, ainda com a adrenalina correndo em suas veias, tentando entender a situação.
Larissa, percebendo o estado do garoto, rapidamente assumiu uma postura mais séria, como se estivesse tentando trazer de volta uma formalidade que havia se perdido.
Endireitou-se no parapeito, afastando as pernas para dentro e ajeitando o uniforme como quem se recompõe após uma brincadeira.
—Desculpa, não quis te assustar.
—Mas... sentada assim na beira?
—Entendo, acho que pode parecer estranho mesmo. Mas eu nunca pensei em pular, nada disso. Eu tenho fetiche em viver, entende?
Ele soltou um suspiro, o alívio finalmente tomando conta, e riu sem jeito.
—Acho que foi só meu lado dramático falando mais alto.
—É, você se afobou um pouco, mas valeu pela intenção.—Larissa olhou de lado para ele, ainda se divertindo com a situação.
— Não sabia que alguém frequentava esse prédio antigo... — Larissa comentou, ainda ajeitando a roupa amassada pelo quase-tombo.
— Eu também não...
Ela o olhou de lado, estreitando os olhos.
— Então, o que te traz a esse lugar abandonado?
Makoto hesitou por um segundo, coçando a nuca antes de finalmente se explicar.
— Bom… ah, convidar você pro clube de subculturas…
— E esse convite era da professora Ayumi, por acaso? — Larissa perguntou, enquanto o analisava com uma expressão de ceticismo.
— Não, não... — Makoto apressou-se em responder, balançando a cabeça.
— Foi mal, mas irei dispensar o convite.
— Pera, mas você nem sabe do que se trata ainda.
— As atividades de vocês estão bem expressas no nome do clube!
— Mas, pensa bem, pode ser divertido! — Ele insistiu, fazendo um gesto amplo com as mãos. — Eles fazemos até sessão de karaokê das bandas desconhecidas dos anos 90.
— Você faz parte do clube?
— Então... tipo... não, na verdade.
— Por quê?
— Não me interessa muito, sabe?—Ele desviou o olhar para o horizonte, como se estivesse pensando muito seriamente na respostas—Nunca me interessei por essas coisas. Prefiro ficar na minha, sem todo o drama de clube.
— Pois é, faço das suas palavras as minhas. Parece super tentador, sério. Mas, prefiro não me meter nesse tipo de socialização.
— Bom, não posso dizer que não entendo. Tem muita gente esquisita por lá… Mas, olha, eu nunca vi a professora pedir pra alguém entrar antes. Tipo, nunca mesmo.
— E o que será que ela viu em mim, hein? Porque, sinceramente, nem eu sei.
— Não faço a menor ideia... Mas sei que tem um dos membros do clube que também ficou curioso. — Ele fez uma pausa, olhando para ela de relance antes de continuar. — E ele confia bastante nos instintos da professora Ayumi, então achou que valia a pena insistir.
— E você confia nele?
— Um pouco…
— Olha, vou ser honesta... não sei qual é a da professora Ayumi, mas não sou muito fã de clubes. Ainda mais quando o convite vem acompanhado de "interesse especial".
— Tem gente que gosta de ver potencial nas pessoas. E, pelo visto, você chamou atenção de duas delas.
— Bom, espero que eles não fiquem desapontados. Sou só uma garota que quase se joga de parapeitos
—Ok, mas se mudar de ideia…—Makoto suspirou, derrotado.
Por que pensou que simplesmente chegar como um estranho iria funcionar? Kaito devia uma pela situação constrangedora, ele pensava insistentemente.
— Nunca diga nunca!— Larissa respondeu de imediato, sem nem hesitar. — Mas valeu pelo convite. E pelo braço.
Ele se afastou para ir.
Larissa respirou fundo e virou-se, com um olhar felino bem direto.
— Você é o garoto que fica me encarando, né? Makoto-kun— Ela soltou o nome dele como se fosse algo trivial, mas um lampejo de surpresa passou pelo rosto de Makoto— Bom, já que a gente tá aqui, que tal a gente dividir o terraço por hoje? Eu não mordo, prometo. E você pode continuar achando que me salvou, se isso te faz sentir melhor.
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