Depois de se separarem, Davi sentiu um peso no coração ao lembrar da expressão confusa no rosto de Miguel. "Talvez, se eu não tivesse dito nada...", pensou ele, antes de se recompor enquanto caminhava em direção ao consultório. Ele deixou a área periférica onde estavam e seguiu para um bairro mais nobre. A distância até lá não era tão grande; afinal, não ficava longe do bar, levando apenas alguns minutos a pé.
Ao chegar, ele notou que a fachada do consultório era moderna, com cores claras e plantas que davam um ar acolhedor ao lugar. Ele suspirou ao observar o ambiente, preparando-se para entrar.
Assim que entrou, passou pela recepção e dirigiu-se diretamente à sala de espera, que era bem aconchegante, com poltronas confortáveis e uma decoração discreta. Sentado em uma delas, descansou a cabeça na mão, refletindo e processando as informações em sua mente. Não demorou muito para que fosse chamado por Fernando Costa, um dos nomes na lista de suspeitos.
"Você é Davi Cardoso?" perguntou um homem de longos cabelos loiro-escuros e olhos castanhos que contrastavam com sua pele de tom amêndoa. Seu rosto era longo, com um nariz comprido e uma barbicha bem aparada no queixo. Magro e elegante, ele usava um casaco longo marrom-claro, uma blusa de gola alta branca, calças escuras e botas de camurça. A combinação exalava sofisticação, mas Davi notou a tensão na postura do homem.
"Sim. Obrigado por me receber," respondeu Davi, com um aceno.
A sala onde entraram era iluminada por uma luz amarelada e decorada com móveis elegantes e discretos. Uma pintura colorida do Romero Britto chamava a atenção na parede, destoando do restante. "Que cafona", pensou Davi, enquanto seguia Fernando.
Assim que se sentaram, Davi foi direto ao ponto, com a expressão fechada e um tom seco: "Para começar... você se encontrou com Raziel no dia do desaparecimento dele. Sobre o que conversaram? Algo fora do comum?"
Fernando sorriu levemente, cruzando as pernas e ajustando a postura. "A conversa foi simples. Ele falou sobre trabalho, filhos e futebol. Só coisas comuns de sempre."
Davi inclinou-se levemente para frente, com as mãos cruzadas sobre os joelhos. "Como estava a relação de vocês ultimamente? Não se viam há quanto tempo?"
"Continuávamos amigos, como sempre," respondeu Fernando, mexendo na barba como se buscasse algo para aliviar a tensão. "Mas ambos estávamos ocupados com nossos trabalhos ultimamente."
"Ele parecia preocupado ou ansioso durante o almoço?"
Fernando hesitou por um segundo antes de responder: "Hm... Ele estava trabalhando em algo grande, então pode-se dizer que sim."
Davi notou a hesitação e apertou o tom: "E depois do almoço? Ele mencionou outros compromissos?"
"Disse que ia à casa do Breno, mas alguém ligou. Não ouvi quem era. Então saiu logo depois de comer, presumo que foi encontrar a pessoa do telefone."
Davi estreitou os olhos. Miguel havia mencionado ligações misteriosas que Raziel vinha recebendo. Agora, parecia que Jurema Souza havia sido o próximo destino de Raziel. "Será que ela era a pessoa das ligações?" Ele refletiu, mas não deixou transparecer.
"Você sabe de alguma desavença dele com alguém? Ele confidenciou algo a você?"
Fernando respirou fundo antes de responder: "Ele é uma pessoa atenciosa, mas... não é tão próximo, digo, emocionalmente, das outras pessoas."
"Durante a época da faculdade, vocês eram amigos, se não me engano. Alguma vez Raziel demonstrou alguma desconfiança ou desconforto sobre o Dr.Breno Vieira ou a advogada Jurema Souza?"
Fernando parecia pensativo. "Bom... Éramos de cursos diferentes, mas nossos amigos iam às mesmas festas. A Jurema era amiga da falecida esposa dele, e Breno nunca foi exatamente amigável. Eles basicamente tinham uma amizade superficial, sabe? Mantinham as aparências."
Davi anotou mentalmente. "E onde vocês estudaram?"
"Na Universidade Luminares, onde ele trabalha agora."
Davi manteve o olhar fixo em Fernando. "Considerando sua experiência como psiquiatra, você acha que Raziel poderia ter agido de forma impulsiva ou irracional?"
Fernando desviou o olhar para a janela, pensativo. "Ele sempre odiou injustiças. Então, às vezes, agia impulsivamente. Mas sempre pensava de forma racional nas decisões importantes."
"Alguém pode confirmar onde você estava após o almoço com Raziel?"
Fernando cruzou os braços, a expressão agora mais fechada. "Todos que trabalham na clínica podem."
"E seus pacientes?"
"Sigilo médico," respondeu Fernando, defensivo.
Davi sorriu de canto, percebendo a tensão crescente. "Ah, sim. Deve ser bom ter um amigo tão profissional, não é? Aposto que Raziel também está sob sigilo médico."
Fernando apertou os lábios, claramente incomodado. Depois de um breve silêncio, suspirou: "Olha, sim, ele estava lidando com um assunto complicado, mas fui eu quem decidiu não pressioná-lo."
"Entendi. Muito obrigado por hoje," disse Davi, levantando-se, embora sua expressão carregasse um tom de ironia.
Ao sair do consultório, Davi estava certo de que Fernando sabia mais do que revelara. Mentalmente, ele revisou os pontos-chave: Raziel saiu apressadamente após receber uma ligação, não era emocionalmente próximo de muitas pessoas, era impulsivo, especialmente quando se tratava de injustiças, e Fernando sabia mais do que estava disposto a admitir.
"Agora só preciso saber o que Miguel descobriu e unir essas informa-" Mas de repente Davi voltou a sentir aquele aperto no peito ao lembrar de Miguel.
No curto tempo em que estavam juntos, haviam se aproximado mais do que ele gostaria de admitir. Miguel era um garoto bobo e alegre, mas sua presença havia trazido novas cores à vida de Davi, assim como mais barulho ao seu escritório. Por mais que ele tentasse negar, Miguel era alguém especial.
No entanto, Davi sabia que, assim que encontrassem o pai de Miguel, seus caminhos se separariam. Afinal, essa união só havia sido possível devido ao problema que agora eles tinham que resolver.
"Ele é um garoto forte por dentro, e por ora, tudo o que posso fazer é ajudá-lo a encontrar sua felicidade." Murmurou Davi para si mesmo determinado a tentar afastar as emoções que começavam a tomar conta.
"Isso não vai acontecer de novo!" pensou. “Não posso me permitir cair novamente nesse poço. Meu único objetivo é encontrar o professor Raziel, e só. Não é como se eu quisesse um jovem bonito, alto, forte e irritante, mas gentil... ao meu lado por mais tempo," concluiu, tentando disfarçar o sorriso irônico que surgia em seus lábios.
Quando o professor Raziel Fernandes desaparece sem deixar rastros, a polícia presume o pior. Mas seu filho, Miguel, se recusa a acreditar que o pai esteja morto. Determinado a descobrir a verdade, ele conta com a ajuda de Davi, um detetive particular tão meticuloso quanto provocador e juntos mergulham em uma investigação cercada de silêncios, mentiras e lembranças fragmentadas. No centro do mistério estão três antigos amigos de Raziel, cada um com motivos ocultos e segredos que resistem ao tempo. À medida que Miguel e Davi se aproximam da verdade e um do outro, memórias esquecidas vêm à tona, revelando que algumas respostas podem ser mais dolorosas do que o próprio desaparecimento.
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