Numa alvorada gelada, na parte suburbana da cidade, era uma noite cotidiana como qualquer outra quarta-feira na terra da garoa. Reinava um sossego onde tudo que se podia ouvir era o som dos carros passando na rua e o barulho tranquilo do vento. Esse mesmo silêncio foi cortado por uma repentina batida na porta de madeira avermelhada de um escritório no fundo de um escuro corredor, toc-toc... Logo em seguida, um apelo ressoou pela porta.
"Boa noite? Tem alguém aí?!" Uma voz aveludada disse, porém demonstrava um desespero em suas palavras.
Após uma pausa, ouviu-se uma voz rouca que respondeu. "Sim, pode entrar!" E logo após suspirou. "Fazer o que, né?"
Ao entrar no pequeno escritório iluminado por uma luz amarelada, com prateleiras cheias de livros sobre diversos assuntos, uma decoração simples e uma mesa com vários papéis espalhados, podia-se ver um homem sentado numa cadeira folheando aqueles papéis. Um homem que, apesar de estar na faixa dos trinta anos, não aparentava essa idade, com um rosto arredondado, óculos que lhe conferiam um ar de sabedoria, olhos verdes claros com a pele bege clara e bochechas com pequenas sardas. Ele tinha um cabelo curto tingido de loiro e um corpo magro, mas forte. Ele remexia os papéis de maneira abatida, então lançou um olhar inexpressivo para o jovem que acabara de entrar. Assim que ele o encarou, viu que ele usava uma blusa preta com gola alta, calças marrom, luvas pretas que estranhamente deixavam os dedos à mostra e um sobretudo verde chamativo. Com o olhar baixo, o jovem perguntou para esse homem:
"Então é o senhor que é o detetive Davi Cardoso?" Disse esse jovem que era bem alto, tinha um rosto firme com um queixo forte, olhos dourados, sobrancelhas grossas e um sorriso com belas covinhas. Com sua pele morena e cabelos longos e pretos embaixo do seu boné, tinha um corpo esbelto à mostra pela regata de moletom, short marrom acinzentado e um brinco dourado em uma orelha, que dava a ele o frescor da juventude.
"Sim, sou eu. Então, em que posso ajudá-lo, rapaz?" Respondeu Davi.
"Preciso de sua ajuda. Meu pai desapareceu e preciso que me ajude a encontrá-lo!" Gritou desesperado.
Um silêncio se instaurou no pequeno cômodo, Davi ficou estático com o rosto demonstrando impaciência, pensando no que falar. Assim que se recompôs, ele disse em uma voz suave:
"Vamos com calma, por favor. Esse é um caso para a polícia e não para mim. Não importa o quão preocupado esteja, não posso ajudar."
"Eu já convoquei a polícia. Só que eles não acreditam que ele está vivo, acham que ele está morto em algum lugar, mas eu sei que não está. Eles não vão ajudar em nada. Eu preciso de você!"
"Que merda é essa que o moleque está pensando?" Foi o pensamento que passou pela cabeça do detetive ao olhar para aquele rapaz implorando por ajuda. Ele franziu a testa, era nítido que vários pensamentos contraditórios passavam pela sua cabeça naquele momento. Quando estava prestes a dizer para o jovem sair, o jovem propôs um acordo:
"Se eu te explicar o que aconteceu e o porquê de você ser o único que pode me ajudar, você ao menos pode pensar em aceitar ou não achá-lo?"
Ainda assim, parecia que ele não queria ouvir nada, mas ao olhar para aquela silhueta com ombros caídos, respiração pesada e um olhar distante e depressivo em pé à sua frente, ele sentiu uma pequena palpitação no peito e logo cedeu. Ele então olhou com uma expressão impaciente e disse:
"Então que tal amanhã? Porque eu só quero ir para casa tomar um pouco de café. Desde ontem, estou preso nesse escritório trabalhando."
O rosto depressivo do rapaz logo corou com a oportunidade e ele então concordou:
"Uh-huh! Eu entendi, realmente é melhor assim. Amanhã virei então pela parte da tarde, está bom para o senhor?"
"Claro, quero dizer, geralmente as pessoas ligam para marcar uma consulta, mas..."
"Hã! Então eu devia ligar?"
"O quê? Não! Agora não, né? Mas enfim, pela parte da tarde está bem. Mas, qual seu nome mesmo?"
"Ah! É verdade, sinto muito, meu nome é Miguel Fernandes."
"Miguel..." Sua expressão fechou e tirou um bloco de notas da gaveta da mesa e escreveu algo. "Entendi, até amanhã jovem."
Assim, ambos saíram pelo corredor para se encontrarem novamente amanhã. A noite havia se extinguido, e o dia clareou. Era uma tarde de inverno, mas o clima estava tão quente quanto no verão. Vai entender o clima dessa metrópole. Ao entardecer, lá estava ele, Davi Cardoso, a caminho do encontro. Ao chegar à entrada de seu pequeno local de trabalho, viu, para sua surpresa, que havia uma pessoa sentada nas escadas que levavam ao corredor dos escritórios. Era seu (provável) futuro cliente sentado ali, com uma silhueta ansiosa à sua espera. Ao ver que o detetive havia chegado, seu semblante mudou, e logo lançou um sorriso alegre.
"Boa tarde" Ele disse ao se levantar e estender a mão para cumprimentar.
"Chegou bem cedo, hein? Estava tão ansioso assim?"
"Sim, senhor..." Ele parecia surpreso por ter seu aperto de mão correspondido, e seu corpo deu um leve arrepio.
"Vamos subir para o escritório, então." O detetive disse sorrindo.
Então, os dois subiram aqueles degraus até chegar naquele longo corredor que, como naquela madrugada, ainda estava escuro. O detetive abriu aquela porta de madeira com tom avermelhado, e eles entraram. Davi Cardoso puxou uma cadeira para frente da mesa, sentou-se em sua cadeira de maneira costumeira ao chegar para trabalhar e logo disse com uma voz quase inexpressiva ao se ajeitar em seu lugar:
"Agora pode começar sua narrativa, sou todo ouvidos, e depois direi se vou ou não te ajudar" assim, olhou para Miguel, que se sentava à sua frente, e começou a narrar com sua voz aveludada carregada de melancolia.
"Vou contar minha trajetória desde o início, então! Não disse antes, mas me chamo Miguel Fernandes de Almeida, tenho 25 anos. Minha família é composta por mim, minha irmã mais nova, Eloise, e meu pai.
"A história de vida do meu pai é bastante comum, pois ele veio do Ceará, onde morava e ajudava meu avô na roça. Sempre teve o sonho de estudar e tornar-se professor, pois achava a escola um lugar divertido e gostava de aprender. Quando se tornou jovem, pagou uma caravana e veio para São Paulo trabalhar e estudar.
"Esforçou-se por alguns anos, conseguiu passar no vestibular e fez pedagogia. Ele ama ler romances, especialmente os de mistério e policiais. Em seguida, especializou-se em história, línguas e criminologia.
"E foi na época em que ele fazia vários bicos que ele conheceu minha mãe. Eles se encontraram em um mercado, onde ele trabalhava como repositor. Depois disso, começaram a namorar, e alguns anos mais tarde, se casaram.
"Realmente foi uma longa e complicada vida; noto como ele se esforçou para ter o que tem hoje" Irrompeu Davi.
"Sim, principalmente após a morte da minha mãe. Fomos criados pelo meu pai, e por isso temos um relacionamento próximo dele. Sou apaixonado por fotografia desde a infância e agora trabalho como fotógrafo freelance. Basicamente, esse é o histórico sobre minha família. Então, com isso em mente, vou contar sobre o desaparecimento do meu pai.
"Claro, então quando tudo começou mesmo? Notou alguma coisa fora do comum antes do dia do desaparecimento?
"Bom..." pensou Miguel por um momento e continuou "Tudo começou em um dia que tinha sido normal até onde sei, nada fora do comum, já que ainda estava lecionando na Universidade. Ele tinha o costume de ir a restaurantes com colegas , em dias de jogos de futebol, sempre assistindo eles em casa e saía para outros lugares variados.
Alguma coisa parecia ter instigado o detetive, pois ele perguntou cheio de curiosidade:
"E quem eram esses 'colegas' com quem ele saía com mais frequência?
"Dependia da ocasião, já que havia eventos relacionados ao trabalho, mas eu conheço três pessoas, que além de mim e minha irmã, são próximas a ele. Essas pessoas são o Sr. Fernando Costa, que é um psiquiatra, Dr. Breno Vieira, que é um cirurgião amigo dele, e a Dona Jurema Souza, que é sua advogada." De repente seus olhos arregalaram, e ele em êxtase disse "Sim! Lembrei agora, meu pai sempre foi uma pessoa aberta quando se tratava de seus assuntos, mas, recentemente, começou a atender telefonemas escondido, quando ele tinha o costume de sempre comentar quando perguntávamos sobre.
"Ele sempre costumava contar tudo, certo? Então, ele não disse o motivo das conexões misteriosas" ele questionou muito intrigado com a nova informação fornecida.
"Quando eu perguntava, ele apenas dizia 'Nada para se preocupar...' Pelo seu tom, com certeza devia ter me preocupado mais" seu semblante demonstrava uma profunda tristeza.
"Não se culpe, não podemos forçar as pessoas a falar" sussurrando ele continuou "principalmente se for uma informação perigosa.
"Hã? O que disse?
"Agora posso perguntar sobre o último dia que ele foi visto então?
"Ah, sim claro, a polícia fez a verificação com testemunhas e câmeras de segurança, então temos uma linha do tempo dos locais onde ele estava e terminaram os prováveis horários de quando ele foi avistado.
"Ótimo, pode me dizer então os locais, os roteiros aproximados que ele estava.
Miguel pegou seu celular e começou a ler em voz alta a seguinte cronologia:
8 horas: Acordou, tomou café e se arrumou.
9 horas: Foi à missa de domingo.
10 horas e 40 minutos: Ao sair da missa, foi à padaria, onde permaneceu por 10 minutos.
10 horas e 50 minutos: Voltou para casa.
11 horas: Ao chegar em casa, trancou-se no escritório, dizendo que iria corrigir trabalhos, mas eu o ouvi atender uma ligação.
13 horas: Logo após, saiu para almoçar com Fernando Costa em um restaurante próximo.
14 horas: Sozinho, disse que iria visitar a casa de Breno Vieira ao sair do restaurante.
15 horas: De lá, foi ver sua advogada, Jurema Souza, em seu escritório de advocacia.
17 horas: Foi ao bar, onde uma bartender chamada Sayuri Suzuki o viu conversando com alguém estranho.
18 horas: Saindo de lá, foi à universidade Luminares, alegando ter esquecido algo importante.
20 horas: Foi visto esperando um ônibus, mas se virou e entrou em uma loja de bairro, onde só olhou as prateleiras e não foi mais visto por quaisquer câmeras depois de sair da loja às 22 horas.
O detetive apresentava uma expressão fechada, como se estivesse avaliando os fatos, formulando hipóteses ou imaginando as circunstâncias que envolveriam a resolução desse mistério. Enquanto estreitava os olhos, encarava o rosto do jovem rapaz à frente de forma incisiva.
"Agora que ouviu o caso, o que diz a respeito, hum?" Davi virou a cadeira e olhou para a fresta da parede pensativo; era como se estivesse prevendo o que poderia ocorrer. Seu perfil não parecia o de uma pessoa emocional. Então, bruscamente, ele se virou e encarou Miguel bem no fundo de seus olhos e explicou:
"Eu não deveria aceitar. Normalmente, meus casos são sobre infidelidade conjuntural, investigação empresarial, verificação de antecedentes, basicamente coleta de dados como documentos e informações. São coisas bem menos problemáticas..." Ele disse isso em um tom indiferente para o outro.
"Mas várias pessoas contratam investigadores particulares para esses tipos de casos também?" Ele se levantou e implorou em uma voz vacilante: "Eu não falei, mas eles me deixaram um cartão e atrás dele estava escrito 'Se você tiver problemas, vá até ele'. com a letra do meu pai!
Ao terminar a frase, Davi estremeceu, em seu olhar estava o reflexo de alguém que parecia dever um grande favor a um antigo amigo. Seu busto demonstrava uma profunda indecisão quando, abruptamente, ele se virou e deu um longo suspiro. Miguel estava estupefato por essa atitude repentina e logo se virou calmamente e olhou para ele se aproximar e, então, em um tom alto, começou a falar.
"Meu objetivo, quando abri este lugar, não era me envolver em negócios perigosos ou emocionalmente exaustivos. Gosto de histórias de mistério, é claro, mas essa é a realidade onde se precisa analisar com muita calma nossas ações..." Interrompeu o outro impaciente "Vai aceitar?" Continuou o detetive "Eu... vou, mas só porque você parece se preocupar com ele e algo parece estranho. Então, estou curioso. Eu não sou um tipo de Sherlock Holmes ou Hercule Poirot, mas vou ajudar alguém que pode me ajudar eventualmente.
"Sério?! Vai ser um prazer te ajudar a investigar!" Ele disse alegremente.
Confuso, ele perguntou de forma indignada "Me ajudar? Mas no que?"
"É claro que eu vou te ajudar, e meu pai está por aí com problemas, então vou ajudar."
"Não mesmo! Não preciso de nenhum assistente. Eu não trabalho bem em equipe. Melhor deixar eu seguir sozinho. Se eu precisar de algo, eu aviso" argumentou de forma relutante.
"Mas eu posso ser útil." O rapaz começou a listar seus atributos de forma intensa: "Sou muito confiável, sabia? Além disso, sou confiante, posso dizer as coisas de forma direta e sou bom com pessoas, então posso ajudar na parte do interrogatório das pessoas próximas ao meu pai.
"Hum... pode ser, mas você tem certeza disso? Não é algo tão divertido quanto nos filmes." Disse demonstrando seu lado mais sarcástico.
"Eu quero ajudar a achar meu pai, por favor. Pode confiar em mim, sim?"
O detetive mal aceitou o trabalho e já se viu em outro dilema. Vendo o quão teimoso o rapaz era, ele não tentou mais negá-lo, então se sentou e com a voz cansada disse:
"Ah, tá bom. Aceito. Aceito o caso!" e entre dentes disse de forma aborrecida "E você pode ser meu assistente já que quer tanto.
FIM DO PRÓLOGO
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