Parado no mesmo lugar, ainda abalado, Miguel encarava os carros que passavam e pensava que o detetive que o acompanhava deveria ser mais sincero com ele. Na visão dele, aquele homem se isolava de propósito. Tomava café quase como um vício, fumava para pensar e mal dormia. Por isso, parecia fraco e magro. Mas, ao mesmo tempo, era gentil, prestativo, dedicado e tão bonito quando estava concentrado.
Fazia tempo que Miguel não se sentia assim por alguém, e esta era a primeira vez que ele sentia um formigamento perto de uma pessoa que conhecia há tão pouco tempo. E mais velho que ele. Sim, eles haviam tido desentendimentos, mas se resolveram de forma natural e ficaram ainda mais próximos. Agora, ele tinha um objetivo. Saiu em direção ao seu destino.
Caminhou pelas calçadas desniveladas e pelos sinais da cidade, aproximando-se cada vez mais de encontrar uma pista que pudesse ajudá-lo a encontrar seu pai. Havia algo que Jurema Souza sabia, e ele precisava descobrir.
No entanto, ao chegar ao local, foi surpreendido. O lugar que ele precisava visitar era um grande prédio com janelas de vidro. Era brilhante, com linhas modernas, reflexos azulados e uma leve inclinação no design, que dava um toque imponente. Na frente, havia um pequeno jardim com canteiros de flores e um caminho de terra, trazendo cor ao cinza da cidade.
Ao entrar, encontrou uma recepção bem decorada, com móveis elegantes e uma secretária atenciosa. O lugar era movimentado, com pessoas indo e vindo – advogados e clientes discutiam casos nas salas. Miguel percebeu que o ambiente era bem mais formal do que ele esperava. Hesitou por um momento. O contraste entre a sofisticação do local e seu visual casual o fez sentir-se deslocado.
Foi então que, ao olhar ao redor, algo lhe chamou a atenção: uma mulher elegante. Ela tinha cabelos grisalhos, curtos e cacheados, olhos azul-claros penetrantes e pele de tom marfim. Seu rosto exibia uma harmoniosa simetria. Esbelta, vestia um blazer moderno e uma calça de cintura alta em azul-celeste, combinados com uma blusa preta. Completando o visual, usava sapatos de salto alto que destacavam sua presença refinada.
Seus olhos se encontraram, e ela se aproximou com um sorriso.
"É você, não é? O pequeno Miguel... Veio aqui para me procurar, não é?" ela exclamou com uma voz suave.
Miguel respondeu, ainda um pouco surpreso: "Ah, sim, sou. Tô aqui para encontrar a Jurema Souza. Ela é você?"
"Sim. Você não se lembra de mim?"
Miguel hesitou. "Lembrar...?"
"Sim! Eu te segurei no colo quando você era bebê!" ela disse, rindo.
Miguel deu um sorriso tímido. "Ah... desculpe. Não lembro mesmo."
"Venha. Vamos para minha sala conversar em particular, sim?"
"Bora lá."
Enquanto subiam, Miguel observava o ambiente. O corredor era decorado de forma simples, mas elegante. Havia poltronas nos cantos, e todos os funcionários usavam ternos. Alguns revisavam papéis, outros trabalhavam em seus computadores. Quadros discretos e plantas grandes compunham a decoração, predominantemente em branco e preto. Ele tentava ignorar os olhares que lançavam a ele ou ao seu boné com a aba para trás e seus shorts largos.
Ao chegar à sala de Jurema, Miguel encontrou um espaço espaçoso e organizado. Havia uma grande mesa de trabalho, estantes cheias de livros de direito e uma janela ampla, que deixava a luz natural entrar. O ambiente era sério e formal, mas acolhedor. Ele sentou-se em uma poltrona confortável à frente da mesa de Jurema, onde havia um porta-retratos com uma foto dela ao lado do marido, além de um computador e algumas decorações simples, como um porta-lápis em formato de nuvem – muito fofo para a imagem que Miguel tinha de uma advogada.
"Sinta-se à vontade", disse Jurema, com um tom tranquilo e uma postura impecável enquanto o observava com olhos que pareciam enxergar além da superfície de seu ser.
Miguel respirou fundo e pegou o bloco de notas que Davi havia lhe dado de antemão e uma caneta de Jurema para anotar as respostas. Ali estavam as principais perguntas que deveria fazer à suspeita. Tentando não demonstrar nervosismo, ele ajeitou a postura, colocou um semblante sério no rosto e começou: "Você foi a conselheira jurídica do meu pai recentemente. Que tipo de questões ele discutia com você?"
Jurema inclinou-se levemente na cadeira, cruzando os braços. "Direto ao ponto, hein? Bem, a maior parte era confidencial, mas posso dizer que envolvia questões pessoais e algo que ele estava pesquisando."
"Ele mencionou alguma preocupação específica? Algo sobre segurança, talvez?" perguntou Miguel, com a voz firme.
"Sim", ela respondeu, com um tom mais sério. "Ele parecia preocupado. Pediu que eu guardasse algumas informações importantes para ele."
"Informações sobre o quê?"
"Isso, infelizmente, eu não posso revelar", respondeu Jurema, desviando o olhar para a janela.
Miguel não se deu por vencido. "E no dia em que ele desapareceu? Vocês se encontraram?"
"Sim. Liguei para ele naquele dia. Precisava discutir algo urgente, porque... bem, surgiu uma questão de última hora."
Miguel inclinou-se levemente para frente, atento. "Você o viu discutindo com alguém ou agindo de forma diferente nas semanas ou dias antes de desaparecer?"
Jurema balançou a cabeça, pensativa. "Não. Assim como você deve saber, ele parecia estar normal."
"Ele comentou sobre Breno Vieira ou Fernando Costa durante as conversas que tiveram? Alguma preocupação com eles?"
"Ele mencionou que ia almoçar com Fernando naquele dia e, depois, ia visitar a casa do Breno. Mas não sei de nenhuma preocupação com eles."
"Como foi sua relação com meu pai após..." hesitou, ajustando a posição na cadeira, "a morte da minha mãe?"
Jurema suspirou, sua expressão suavizando: "Você sabe que eu era amiga da sua mãe. Depois que ela se foi, não tive muito contato com ele. Algumas conversas esporádicas, só isso. Com o tempo, nos distanciamos. Mas, recentemente, ele precisou de um advogado, e voltamos a conversar."
"Você conhece alguém que poderia estar interessado em prejudicar meu pai?" perguntou Miguel, tentando conter a tensão na voz.
Jurema tinha um olhar abalado, mas tentou disfarçar com uma expressão irreverente enquanto permanecia em silêncio.
Miguel percebeu o desconforto em seus olhos azuis, tão claros quanto o céu em um dia de verão sem nuvens, e decidiu pressioná-la.
"Existe algum motivo pelo qual meu pai poderia querer desaparecer por vontade própria?"
Dessa vez, Jurema ficou em silêncio por um momento, desviou o olhar novamente e murmurou: "Isso... não posso afirmar."
"Eu sinto que a senhora sabe mais do que está dizendo… Por favor, eu só quero entender o que aconteceu com meu pai.” Ele cruzou os braços, o desconforto era evidente em seu rosto.
Jurema hesitou, desviando o olhar. "Eu realmente não sei. Eu o encontrei naquela tarde, mas nada de incomum aconteceu. Não posso falar do que eu não sei."
"Então o que ele queria conversar com o Breno?"
Ela apertou as mãos, visivelmente desconfortável.
"Eu acho... Que pode ter algo a ver."
"Com o quê?" Miguel inclinou-se levemente para frente, atento a cada palavra.
"Com o que ele estava pesquisando."
A resposta fez Miguel franzir a testa, mergulhando em seus pensamentos. Poderia Breno estar envolvido no desaparecimento de seu pai? Mas eles nem haviam se encontrado naquele dia. O que Raziel queria ter dito ao médico, afinal?
De repente, ele se lembrou das palavras de Davi: "Talvez seu pai... só não queira ser encontrado."
Com um impulso, ele bradou para a cabisbaixa advogada:
"Acha que ele queria desaparecer?"
Jurema suspirou profundamente, como se carregasse um peso.
"Talvez."
Miguel levantou-se, frustrado.
"Beleza, então. Tchau!"
"Espere!" disse Jurema, hesitante. "Se quer minha opinião... deveria procurar na faculdade onde ele trabalha. Se eu fosse você, investigaria isso com cuidado."
"Valeu por responder às perguntas." Sua voz saiu baixa, quase um sussurro.
"Claro," respondeu Jurema, com um tom gentil.
"Agora eu preciso encontrar outra pessoa."
"Sim. Ah, olha, se precisar de qualquer ajuda, é só me chamar, ok? E me avise se descobrir algo."
"Hum." Ele assentiu, sem olhar para trás, e saiu apressado.
Perdido em seus pensamentos, Miguel abaixou a cabeça, cerrando os punhos. Parecia que todos ao redor sabiam o que havia motivado o desaparecimento de seu pai, menos ele e sua irmã mais nova. Sim, eles não eram mais crianças. Ele, aos 25 anos, já era um adulto responsável. Sua irmã, que estava no primeiro ano do ensino médio, era incrivelmente madura. Mas, mesmo com toda a racionalidade, era impossível não sentir a dor de perder alguém tão próximo sem explicações. A saudade apertava em seu peito.
Enquanto caminhava pelo corredor, Miguel sentia o peso das respostas que havia recebido. Sua mente girava em torno de cada detalhe. Por que seu pai teria motivos para desaparecer? E qual seria o papel do Dr. Breno nisso tudo? Com o olhar fixo no chão, ele apertava o bloco de notas, a determinação crescendo a cada passo. Ele precisava dessas respostas.
Ao sair pela porta do escritório, o ar fresco do pequeno jardim o envolveu, mas não trouxe alívio. O céu começava a tingir-se de laranja com o pôr do sol, e o som distante das folhas balançando no vento parecia contrastar com a urgência que ele sentia. Ele pegou seu celular e ligou para Davi.
"Alô? Já terminou por aí?" perguntou Miguel, tentando esconder a ansiedade na voz.
"Sim, estou quase chegando no escritório. E você?" respondeu Davi, com a voz grave pela ligação.
"Acabei de sair. Vamos conversar assim que eu chegar no seu escritório, beleza?"
"Ótimo! Quero saber tudo assim que você chegar.”
Encerrando a ligação, Miguel respirou fundo e olhou em volta, como se buscasse respostas no vazio do jardim. Sem perder tempo, virou-se e saiu em disparada com seu corpo atlético. Ele precisava encontrar Davi. Saber o que o detetive havia descoberto era essencial. A cada passada, a determinação de Miguel se tornava mais firme.
Continua...

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