Após sair em disparada do escritório de advocacia de Jurema, Miguel se viu novamente diante da mesma porta de madeira avermelhada, no fundo de um corredor escuro, onde estivera alguns dias antes.
Ao entrar, deparou-se com o mesmo homem esguio que o havia ajudado e cativado. Davi estava analisando mais uma vez os últimos passos de Raziel no dia do desaparecimento quando percebeu a chegada de Miguel. Interrompeu seus pensamentos e se levantou, indo até a porta.
"Que bom que você chegou, Miguel. Liguei para o doutor Breno e ele disse que não poderia ser visitado hoje porque está viajando."
"Sério mesmo? Cara..."
"Sim, então só poderemos ir lá domingo de manhã. Que pena."
"É... Mas eu tenho algo para lhe contar."
"Sim, eu também. Recapitulando o que sabemos é que Raziel saiu apressadamente depois de receber uma ligação durante o almoço com Fernando e estava planejando ver o Dr.Breno depois. Descobri que profissionalmente ele não era próximo das pessoas e que ele não tinha inimigos até onde se sabe. Só que o lado ‘justiceiro’ é o que poderia colocar ele em perigo. Puf…” Bufou e assim concluiu sua fala “...Fernando sabia bem mais do que estava disposto a admitir para mim, foi uma conversa bem infrutífera."
"Certo. Eu descobri que foi a Jurema quem ligou para ele! Eles discutiam questões pessoais e algo relacionado a uma pesquisa importante. Ele estava preocupado e pediu que Jurema guardasse informações confidenciais. No dia do desaparecimento, meu pai mencionou que teria encontros com Fernando, no caso, o almoço, e com Breno, mas esse encontro não aconteceu por conta de algo urgente que Jurema descobriu. Ela me disse para procurar na Universidade Luminares."
"Hum? Onde ele trabalhava?"
"É, e talvez a tal pesquisa esteja lá."
"Aham, bom, isso faz sentido. Mas acho melhor voltarmos a investigar o sujeito misterioso que apareceu na Taverna da Rua Baker. Ele tem me intrigado, por isso vou falar de novo com a Sayuri."
"Ué, por quê? Se podemos encontrar as respostas na universidade?"
"Como assim? Nossa melhor pista é o homem com quem ele se encontrou no bar, e você quer ir atrás de burocracia lá na Luminares?"
"Davi, pensa um pouco." Ele apoiou a mão no queixo, respirando fundo antes de continuar. "Meu pai trabalhava lá. Se aconteceu algo com ele, pode estar ligado à universidade. Professores, alunos, documentos... qualquer coisa pode ser uma pista."
"E o cara misterioso? Sayuri viu os dois conversando na Taverna. Pode ter sido essa a razão dele ter desaparecido!" Davi cruzou os braços, impaciente.
"E se for alguém que ele já conhecia? Você acha que esse cara é como se fosse a última peça de um quebra-cabeça! Mas também é só uma aposta."
Davi deu um passo à frente, encarando Miguel. "Se ele descobriu algo perigoso, é lá que as informações podem circular. A Jurema e o Fernando não vão falar. Gente envolvida pode frequentar aquele lugar!"
Miguel levantou sua mão para a testa, sua frustração transpareceu na voz. "E você acha que chegar lá perguntando vai adiantar alguma coisa? Esse tipo de gente não fala com estranhos."
O olhar de Davi se estreitou. "Por isso eu prefiro agir. Observar, puxar conversa. Diferente de vasculhar papelada enquanto o tempo passa!"
A voz de Miguel subiu um tom. "E se ele deixou algo na universidade? Um e-mail, um rascunho, qualquer coisa? Você quer mesmo ignorar isso?"
"Quero encontrar o professor!” Vociferou. “Ah..." Seu tom ficou mais baixo, mas carregado de tensão. "Eu acho que ir à Taverna é a melhor chance pra isso."
Os dois se encararam por um instante, nenhum dos dois cedendo. O silêncio era pesado. Davi apertou os lábios, o olhar firme, mas aos poucos percebeu algo no rosto de Miguel: não apenas frustração, mas uma preocupação genuína. Ele parecia cansado, os ombros tensos, como se carregasse um peso nas costas.
Claro, afinal, um pilar importante da família sumiu. Agora eram só ele e sua irmã e, mesmo assim, ele estava ali, ajudando com o mistério enquanto ia se perdendo aos poucos.
Davi desviou o olhar primeiro, soltando um suspiro curto. Passou a mão pela gola alta de sua blusa e bufou, como se estivesse prestes a discordar, mas então sua expressão suavizou. Ele olhou de volta para Miguel, observando a forma como ele apertava o short entre os dedos, um gesto nervosismo.
Davi então disse: "Tá bom…" A voz saiu mais baixa, menos afiada. "A gente vai para Luminares primeiro."
Miguel ergueu os olhos para ele, surpreso com a mudança repentina de tom. Um pequeno sorriso puxou o canto de sua boca.
"Tem certeza?" Aliviado, ele relaxou os ombros.
Davi revirou os olhos, mas havia um traço de humor ali. "Não me faz repetir, garoto."
Miguel soltou uma risada curta. Ele não sabia bem o que estava sentindo, mas sempre que Davi falava, havia algo em suas palavras que o tocava profundamente, como se ele o entendesse de uma forma que ninguém mais conseguia. Num impulso, deu um leve soco no braço de Davi, não agressivo, apenas um toque familiar, confortável.
"Valeu, cara."
Davi balançou a cabeça, mas, quando Miguel virou de costas para caminhar até a porta, ele estendeu a mão e tocou gentilmente com seus dedos em seus longos cabelos pretos. O gesto foi breve, mas Miguel percebeu e parou por um instante, se virando surpreso. Davi disfarçou o olhar. Já não precisavam mais de palavras. Esse era o jeito de Davi dizer a ele que estava ali para apoiá-lo.
Sem mais brigas, seguiram juntos ao longo dos degraus. O peso da incerteza e do medo do desconhecido ainda existia entre eles, profundo e silencioso, mas agora compartilhavam não só o mistério, mas também as afeições que surgiam entre eles.
Quando o professor Raziel Fernandes desaparece sem deixar rastros, a polícia presume o pior. Mas seu filho, Miguel, se recusa a acreditar que o pai esteja morto. Determinado a descobrir a verdade, ele conta com a ajuda de Davi, um detetive particular tão meticuloso quanto provocador e juntos mergulham em uma investigação cercada de silêncios, mentiras e lembranças fragmentadas. No centro do mistério estão três antigos amigos de Raziel, cada um com motivos ocultos e segredos que resistem ao tempo. À medida que Miguel e Davi se aproximam da verdade e um do outro, memórias esquecidas vêm à tona, revelando que algumas respostas podem ser mais dolorosas do que o próprio desaparecimento.
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