Assim, antes que sua reação àquele veneno resultasse numa investida efetiva do inimigo, Raissa foi interceptada por seu irmão, que a puxou pela camisa xadrez. Logo, ele sacou sua espada preta, tomada pelas chamas, causando uma lacuna no ar e cortando o efeito daquela toxina. Precavido, Benjamin se jogou para trás, repensando sua próxima ação com astúcia. Então, aterrissou e impulsionou-se adiante como um obstinado pela vitória, tentando acertar seu alvo com um ataque vertical.
Como resultado desse objetivo, o homem conseguiu vislumbrar uma abertura limpa para evitar uma desvantagem e a perda de alguns fios de cabelo do Buloke.
Percebendo o desequilíbrio do oponente e o cuidado que ele demonstrava com sua irmã atrás de si enquanto desviava, o Hamamelis avançou como um bote de uma serpente: rápido, porém cauteloso.
O choque das lâminas ocorreu.
— Raimundo Buloke... — disse o inimigo. — Não era você que devia ser o protagonista dessa rebelião? Até para ser um fracasso, você não assume as rédeas do seu destino. Sua irmã fala por você!
Resistente à força exercida pelo usuário de venenos, Raimundo ergueu o corpo com dificuldade para mostrar que não estava à mercê da inferioridade imposta pela repentina investida. Sentia, de fato, que aquelas palavras não passavam de tentativas de explorar sua fragilidade para definir um rótulo sobre ele. E, apesar de tudo, nutria uma réplica que afastava tudo isso junto de sua linguagem corporal de um guerreiro.
— Isso não importa agora! Só preciso te derrotar e seguir meu caminho!
De repente, a espada que estava em disputa foi incorporada pelas mesmas labaredas que eram jogadas ao solo. Isso fez com que Benjamin soltasse o cabo, causando o afastamento dele com um empurrão, desistindo de vencer aquela disputa com uma sábia covardia.
Um duelo que se auto anulava tinha início. Ainda assim, a balança da vantagem pendia para o lado de quem agora estava mais determinado a proteger aquela que fora afetada por algo que tinha receio de deixar perdurar por muito tempo. Para Raimundo, cada segundo gasto naquele confronto poderia ser vital para sua irmã que estava no chão, o observando de baixo.
Tinha que impossibilitá-lo, enfraquecê-lo, atacá-lo e finalizá-lo com esmero, visto que cogitar numa derrota tão cedo assim seria o mesmo que condenar ambos à morte.
Com seus olhos tão flamejantes quanto o reflexo que batia nas suas irises, obrigou o determinado Benjamin a evitar que alguns cortes o atingissem, algo que tem êxito até cem por cento, entretanto, foi atingido na bochecha e em seus braços de raspão.
— Seu filho da pu-
Antes que o olhos de cobra conseguisse completar seu xingamento ao obstinado jovem, que já os havia afastado consideravelmente da pista de skate, levando-os a quase um limite daquele espaço. Raimundo, então, girou no ar e desferiu um potente chute que lançou o garoto de cabelos verdes contra a parede grafitada, causando rachaduras nela.
O olhar de superioridade de Raimundo Buloke à figura que tentava se recuperar destacava o nojo que ele sentia por aquele que havia feito com que seu amigo recém falecido e tantas outras pessoas de renome, contribuíssem para a ideia absurda de que o vínculo sanguíneo entre ele e sua irmã não existia.
Internamente, lutava com a vontade de cortar a cabeça dele ali mesmo. Até que, tomado por essa fúria, sacou sua espada, intensificou suas chamas até ganharem um tom azulado e atacou o Hamamelis com ferocidade.
“É agora!”
Essa era a impressão causada por sua intensidade ao desferir o golpe. No entanto, ele apenas cercou o inimigo utilizando um último recurso que havia ignorado durante o ataque ao esconderijo dos Seguidores de Naya: uma habilidade da Bico de Águia baseada em uma barreira de fogo irrefreável que forçava a permanência de quem estivesse no centro do círculo. Conhecidas como “chamas puras”, essas chamas foram amplamente utilizadas por Luiz Buloke em suas invasões, quando tinha ciência de quem era inocente e quem não era.
— Poxa, aí você complica a vida do amante de arte aqui. Estragou minha parte favorita do grafite. — brincou Benjamin, enquanto limpava o sangue de sua boca.
Raimundo concedeu pouca importância, dando as costas decidido a seguir até sua irmã, que estava afetada pelo veneno do oponente, agora, finalmente contido.
A visão de Benjamin tornava-se turva sob o efeito das labaredas de fogo e da distância crescente em relação ao garoto que tentava alcançar.
“Agora por que você se dedicava tanto e permanecia em silêncio... Nunca foi sobre você, né?”
O último vestígio da presença dos irmãos Buloke, para o líder Hamamelis, veio com a imagem do garoto levando a cacheada no colo rumo à saída da praça, devido à fraqueza nas pernas causada pela toxina. Aquela imagem arrancou um sutil sorriso do derrotado, que, livre dos olhares de seus semelhantes, admirou aqueles jovens obstinados em tentar, à sua maneira, o que ele também almejava.
Logo após atravessarem um dos acessos à praça, Raimundo deparou-se com uma rua que parecia não ter um fim, a qual delimitava fronteiras com regiões que jamais imaginaram cruzar.
— Ei... Pode... — uma tosse a atrapalha — me soltar se quiser.
Mesmo com uma resposta imediata, o irmão a acomodou com cuidado irretocável, deixando-a numa posição em que pudesse se apoiar na parede.
— Tranquila?
— Com certeza. Me deixa aqui no canto por um segundo que eu dou um jeito de seguir... — Sua frase foi interrompida por uma súbita crise de fadiga, que a fez ceder contra a parede, sendo amparada pela cintura pelo irmão.
— Não vai dar, não. Temos que arrumar um jeito de você ter a mínima condição de caminhar. Não sei até onde você conseguirá aguentar.
Impotente, Raissa não conteve o suspiro de frustração enquanto mordia o lábio. Então, cedeu ao cálculo das probabilidades para evitar o auxílio contínuo do seu irmão.
— Maninho... Pelo que me lembro, há uma farmácia um pouco adiante. Você consegue conferir para mim? — Seu sorriso dócil ganhou forma num pedido forçado.
Sutilmente, Raimundo deslocou-se para além do prédio onde estavam com as costas encostadas e inspecionou o perímetro. Notou que, embora ambos os lados da rua estivessem repletos de lojas fechadas devido ao horário, ainda havia uma luminosidade para garantir a segurança. No entanto, essa luz não se estendia por toda via, visto que no segundo cruzamento que levava ao Morro do Éden, havia apenas um poste com mau contato, cuja luz intermitente se misturava às cores vermelha e azul das sirenes das várias viaturas estacionadas ali.
A princípio, sentiu um leve espanto, mas, ao refletir com cautela, concluiu que aquela reação era o mínimo esperado para uma cidade alarmada diante dos recentes acontecimentos. Movendo o olhar até o fim da calçada, então, avistou a placa de uma drogaria que funcionava vinte e quatro horas, sem parar por estar localizada numa via que levava à saída da cidade.
— Como está a rua?
— Cheia de policiais. — O tom áspero do jovem gerou um incômodo imediato na menina, mas ela conteve a vontade de socá-lo ao vê-lo vasculhar a mochila, buscando um casaco e um boné na mochila. Tinha que se submeter a um disfarce para prosseguir sem despertar suspeitas. — Fica aqui sem chamar a atenção.
— Tá bem, mandão.
Deixando a garota de bochechas infladas aguardando, o moreno seguiu sorrateiramente pela calçada, ciente de que logo entraria na visão periférica dos agentes da lei. Quando isso acontece, o máximo que conseguem perceber são suas costas, dado que ele não demora para cruzar a entrada do estabelecimento.
Ao perceber que havia se metido numa enrascada devido ao desconhecimento da toxina, Raimundo atravessou as seis fileiras até chegar à bancada traseira da drogaria. Lá, um médico mexia no celular no canto do balcão, distraído, até perceber que um cliente se aproximava ansiando atendimento.
Ele então se ergueu, ajeitou o jaleco, estreitando-o junto ao corpo, e recepcionou o Buloke com uma postura esquisita, deixando explicito que atender alguém naquele horário era uma situação atípica.
— Boa noite. O que deseja?
— Minha irmã foi envenenada por uma substância que eu não faço ideia qual seja. Tem algum antitóxico que faça efeito rápido? — Tentava evidenciar o desespero para além do perceptível, ressaltando a urgência da situação.
O profissional assentiu de imediato e buscou três antitóxicos que poderiam servir como uma solução prática. Assim, o entrave para escolha seria superado pela aleatoriedade, ou ao menos era o que ele esperava...
— Quais são os sintomas dela? Dificuldade para respirar? Dor de cabeça?
— Todos esses com uma certa intensidade. Ela não está nem conseguindo andar direito.
— Hm... — Reflexivo com a mão no queixo, o médico decidiu recomendar hidroxocobalamina, também conhecido como “vitamina b12” no rótulo. Porém, antes de seguir apenas recomendando, ele atentou uma importante nota de rodapé. — O mais correto seria aplicar a medicação na própria pessoa.
— Não tem problema. É só me informar a dosagem...
— As coisas não funcionam assim, meu jovem. — O homem intervém puxando a medição para trás, frustrando a mão do garoto que apenas cortou o ar. — Apenas um profissional pode aplicá-la.
Uma mínima tensão havia se instaurado na atmosfera, pois para trazer Raissa até ali, teriam que a expor por tempo suficiente para possivelmente serem reconhecidos numa região onde estava cercada por policiais. Mesmo assim, a gentileza daquele médico gerou uma singela pena em ter que tomar alguma medida para evitar ceder para o protocolo certinho.
“Não vai ter outra maneira...”
— Me desculpa.
— Pelo quê...
Antes que pudesse ter uma resposta, sua cabeça se encontrou com o balcão e aproveitando daquela abertura, Raimundo pegou o frasco antes que quebrasse e partiu em velocidade até a saída após cometer um furto sagaz que se tornou inevitável.
— Ei, você tem que pagar! — A atendente do caixa mais adiante se assustou com a brusca movimentação do ladrão, então ela foi para o exterior do estabelecimento, gritando como um alarme indicando o perigo iminente que os policiais teriam que lidar. — Ladrão! Ladrão!
Os gritos surtiam efeito na direção contrária, visto que os agentes da lei se apresentavam para cumprir seu trabalho de conter as ameaças ao comércio local. Entretanto, Raimundo tinha ganhado tempo suficiente para se aproximar do primeiro cruzamento para a comunidade, só que mantinha a preocupação se ele conseguiria buscar Raissa para acessar aquela região que provavelmente tomaria vantagem sobre os perseguidores.
— Aqui, maninho! — O grito surpreendentemente surgiu do outro lado da rua, onde a cacheada teve que se apoiar no poste para não desmoronar. Sua fraqueza era gritante, mesmo assim, já se preparou para uma eventual situação adversa que fizesse eles dependerem de ela adiantar sua posição.
Percebendo a enrascada que se meteram, Raimundo compreendeu como nunca que devia se propor aquele percurso na subida, então, atravessou a rua ao mesmo tempo que os policiais logo dispararam duas vezes em direção aos membros inferiores para frear o jovem sagaz.
Concluindo que sua decisão não seria a mais adequada lidando com pessoas com armas de fogo, o moreno saltou, virou ligeiramente e sacou sua espada, fazendo uma trilha de fogo azul para evitar que eles passassem daquela demarcação. Assim, desviou dos disparos e alcançou sua irmã, oferecendo-lhe as costas como apoio sem hesitar, aproveitando o tempo que tinham para subir aquela ladeira suspirando.
— Me... perdoa pela... dificuldade que estou causando.
— Cala a boca, sua peste! Você nunca será um fardo para mim.
Aquelas palavras agressivas tinham um peso significativo para a menina fragilizada que respirava com dificuldade. No entanto, fechou seus olhos como uma criança tentando recuperar as energias que estavam sumindo.
Impedidos pela barreira flamejante, os guardas se curvam, frustrados. Em sequência, se aproximaram dos funcionários da drogaria que foram tremendamente prejudicados pelo furto.
— Sentimos muito, está inviável prosseguir com a perseguição. Você tem alguma característica do assaltante em mente?
— Nenhuma. — A voz que responde o policial vem de trás, era o próximo médico que fora atacado pelo jovem.
Não fazia nenhum sentido que um homem obviamente atacado não tenha uma mínima informação sobre alguém que o feriu, entretanto, o policial não contestou por entender que para eles estarem tão enfurecidos possivelmente haviam sofrido um grande prejuízo.
— Tudo certo. Ficaremos de olho e investigaremos o perímetro quando essas chamas cessarem. Boa noite.
— Boa noite, senhor. — Os dois respondem em uníssono, em seguida, partindo de volta para o estabelecimento que estavam trabalhando, onde provavelmente tomariam uma advertência do gerente. Porém, baixinho o médico dava um norte para aquela jovem que demonstrou uma inexperiência em lidar com esses problemas que envolvem trabalho.
— Não se preocupa. Quando a polícia não consegue resolver, há uma organização que com certeza irá encontrar os responsáveis por isso.
— Você mentiu para polícia?
— Que isso. Vai dizer que você nunca contou uma mentirinha para alguém?
O homem ironizou, dando tapinhas no ombro da atendente como se tivesse tudo sob controle. Logo, eles retornaram ao estabelecimento e se revezaram entre as funções de limpeza e o acionamento da misteriosa organização. Em seguida, o médico puxou o celular e ligou para alguém.
— Boa noite, querida. É o seguinte: um rapaz moreno, de olhos castanhos, acabou de assaltar minha drogaria e fugiu em direção à sua comunidade.
— Que absurdo! Estaremos em alerta a qualquer movimentação por aqui. Sentimos muito pelo prejuízo.
— Não há problema. O rapaz parecia estar desesperado também. Peço que pegue leve, mas não deixe de fazer o que é certo. — Sensibilizado, o homem experiente respirou fundo antes de desligar a ligação e se juntar à arrumação da companheira de trabalho.
(...)

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