Me devolva!

Batom Vermelho

Entrando na sala também mal iluminada, Sachiko se sentou em uma cadeira de madeira, apenas uma película blindada e transparente a separava da estranha mulher de sorriso amigável que a observava com interesse do outro lado.

Apesar do sorriso amigável Sachiko podia sentir o olhar afiado da mulher estudando seu corpo através do vidro transparente. Era como se fosse um pedaço de carne sendo avaliado pelos olhos de um tigre. Após alguns momentos de silencio constrangedor a mulher de batom vermelho finalmente fez um sinal com os olhos para o carcereiro as deixarem a sós.

- Com sua licença... – Um dos guardas respondeu antes de fechar a porta e deixar ambas a sós na sala que cheirava a perfume.

- Bom dia... - A mulher misteriosa finalmente quebrou o silêncio com uma voz aveludada. Seu halito cheirava a um misto de menta com cigarro. –Finalmente a sós não é mesmo? – Ela riu.

- E.. Quem é você?-

- Ora ora, me desculpe por não me apresentar, não queria ser rude mas você não me deu tempo, querida!- Ela respondeu com um tom de voz brincalhão enquanto acendia um cigarro.

- Eu sou Naomi Sakaguchi. Prazer em conhecê-la, Sachiko Murakami. Devo dizer que você é muito mais bonita pessoalmente do que na foto da sua ficha policial... Aqui diz que você é exatamente o tipo de garota problema que eu preciso, hm?- Naomi deu um riso abafado ao ver a presidiária franzir a testa.

- Você parece confusa, querida. Mas não se preocupe, não sou uma mulher de rodeios... Eu sei que em breve vão te servir o café da manha e eu não quero deixar você perder sua refeição. Fora que... Meu tempo vale muito dinheiro, muito mais do que você imagina, então vamos direto ao assunto, sim?-

Sachiko permaneceu quieta, esperando que a mulher terminasse seu maldito monologo.

- Eu sou dona de uma cadeia de bares, hotéis e bordéis bem famosos em Tokyo. Sozinha eu herdei e expandi o império do meu finado marido mais do que aquele incompetente jamais conseguiria, como tempo é dinheiro eu estou aqui a negócios... Eu vim aqui perguntar se você estaria interessada em trabalhar para mim assim que sua estadia nesse lugar chegue ao fim. Afinal todos sabem que são poucos os lugares que aceitam funcionários ex-presidiários... -

Sachiko se sentia cada vez mais desconfortável com a situação. O que uma dona de uma cadeia de bordeis estaria querendo com uma presidiária como ela? A menos que...

-Epa... Espera. Você... Quer que eu me prostitua?!- Sachiko respondeu revoltada.

Naomi A encarou por alguns segundos e começou a gargalhar.

-Oh querida, me desculpe. Mas não. Apesar de eu gostar do seu tipo, não acho que você faria sucesso com os meus clientes. -

Sachiko suspirou se sentindo aliviada, porém confusa. –... Então o que você quer comigo?-

-Eu já teria dito se você não fosse tão impaciente. - Naomi respondeu enquanto arrumava casualmente seu casaco. – Você é alta e musculosa, não ia servir para os meus clientes dos bordéis... No entanto... – A mulher pegou uma papelada de dentro de seu casaco.

-Aqui na sua ficha diz... Que você sabe lutar muito bem. Que era do tipo rebelde quando entrou e que brigava bastante até antes disso, mas que a vida enjaulada no fim a deixou mais... Obediente. É disso que eu preciso!- Ela terminou com um brilho sinistro no olhar.

-... E daí?-

-... E daí que eu gostaria que você trabalhasse como segurança em uma de minhas boates. O que acha da minha oferta, hm?-

Sachiko permaneceu em silencio, pensativa, mas nada lhe via a mente. Depois de tanto tempo acostumada com a rotina da prisão, ela não havia parado pra pensar seriamente sobre o que iria fazer quando fosse solta. Lá fora não havia ninguém esperando por ela, as perspectivas de achar um emprego seriam pequenas e ela não tinha bem certeza se iria conseguir se adaptar novamente a vida em liberdade. Ela estava sozinha e pensar em um futuro lhe dava náuseas e frio na barriga.

-... Então você tem o costume de visitar prisões com frequência? Não acha meio arriscado procurar seus empregados justo aqui?- Sachiko disse em tom de sarcasmo, mudando de assunto.

Naomi levantou uma sobrancelha e começou a tirar o seu casaco que roxo parecia caro.

- Mais do que imagina. – Ela respondeu com um sorriso e um brilho no olhar diabólico. Ao mostrar sua pele branca enquanto se despia, cores começaram a saltar em padrões específicos que se espalhavam pelo seu corpo parecendo as escamas de um animal.

A presidiária já havia visto isso varias vezes, portanto não havia duvida... Aquilo que Naomi estava mostrando certamente era uma tatuagem de Yakuza. E dada a atenção aos detalhes ela podia deduzir que foi feita por alguém importante. Agora toda aquela situação estranha parecia estar finalmente fazendo algum sentido.

-Você não é a única que conheceu o inferno. - Naomi disse com um tom de voz mais sério enquanto fechava seu casaco, agora ocultando rapidamente sua tatuagem antes que Sachiko pudesse ver todo o desenho.

-E digamos que eu sei lidar muito bem com quem não cumpre com seus acordos... E então? Você não me respondeu ainda... O que acha da minha oferta?-

Sachiko riu de nervoso e olhou para baixo, sem saber ao certo o que pensar sobre isso.

- Honestamente... Eu... Não faço a menor ideia. –

Naomi riu.

-Tudo bem, querida. Eu entendo. - Dizendo isso ela se levantou da cadeira cuidadosamente para não amassar seu vestido.

 – Afinal... Eu suponho que tempo é algo que você tem de sobra para pensar na minha proposta. – Ela concluiu enquanto deu as costas e caminhou elegantemente em direção à porta.

-Até breve... Murakami san.- Disse a mulher mais velha, deixando a presidiária de cabelos negros finalmente sozinha com seus pensamentos.

-Huh... Breve... Até parece. - Ela disse, cuspindo no chão. Devido às muitas brigas e falta de obediência as normas sua pena havia sido estendida por mais quatro anos. Se aquela mulher realmente se deu o trabalho de ler sua ficha ela tinha plena consciência disso e falou aquilo de propósito.

-Desgraçada... –

Em seguida a porta atrás de Sachiko se abriu, iluminando bruscamente a sala escura e fazendo os seus olhos doerem.

-Vamos, seu tempo aqui acabou. - Disse o guarda impaciente. – Já esta quase na hora do café. -

Sachiko resmungou baixo e se levantou indo na direção da luz, onde mais dois guardas esperavam por ela.

Indo em direção a sua cela as palavras da mulher de batom ainda ecoavam na sua cabeça, tudo aquilo ainda parecia muito surreal até para os seus padrões.

Enquanto caminhava acompanhada pelos mesmos três guardas, Sachiko ouviu uma pequena comoção: Era uma novata que tinha acabado de chegar e já estava xingando e resistindo a desagradável revista corporal da qual ela já estava tão acostumada.

Ela olhou diretamente para a novata riu se lembrando um pouco de si mesma.

“Coitada, mal sabe pelo o que a espera...”.

Ela pensou, achando graça enquanto via outra espernear.

-Ei! Uma dica, novata!- Ela disse enquanto passava perto da outra- Todas que caem nesse buraco entram se achando, mas no fim ou se matam ou acabam pondo o rabo entre as pernas. Vê se tenta não aumentar a sua pena fazendo essas merdas-

-Ninguém me diz o que fazer sua vaca!!! - A novata respondeu e foi então correndo imediatamente em sua direção parecendo estar ainda mais enfurecida, isso é... Até ser parada e imobilizada no chão por mais três guardas.

-... Não diga depois que eu não avisei! –