Me devolva!
Afastamento
Sachiko ficou se admirando no espelho com o novo uniforme se sentindo estranhamente satisfeita com sua aparência, até se lembrar do fato de que Naomi ainda estava lá.
-Obrigada pela oportunidade Naomi san. Eu não irei decepciona-la!- Naomi sorriu.
– Não agradeça, isso foi fruto de sua decisão e trabalho duro, posso ser dura, mas sei recompensar quem mostra dedicação a mim. – A mulher mais velha então pegou um cartão e entregou nas mãos de Sachiko.- Aqui está o endereço e como chegar lá pelo metro. Voce sabe como ir para Shinjuuku ni Choome não é?-
-...Não, mas, vou descobrir não se preocupe com isso. -
-Ótimo. Agora pode ir, considere-se dispensada. Não quero te deixar mais cansada do que já esta. –
Se sentindo um pouco mais energizada, Sachiko agradeceu novamente e foi embora. Antes de descer as escadas ela avistou uma das empregadas com uma bandeja de comida a bater na porta do quarto de Aiko.
-Vamos Aiko sama, saia um pouco do quarto, a senhorita precisa tomar um pouco de sol... -
-Não! Eu não quero falar com ninguém!- a menina retrucou do outro lado sem abrir a porta, deixando Sachiko intrigada com a situação. -O que houve?- Ela perguntou a empregada.
- Ah Murakami san, ela esta de péssimo humor desde ontem, ela não quer sair do quarto, nem falar com ninguem. – Disse a empregada com um ar de preocupação. –Eu até ofereci seus lanches favoritos, mas Aiko sama não sai do quarto. -
A ex-presidiária suspirou e bateu na porta. -Aiko? Esta tudo bem ai dentro?-
-Não! Vai embora!- Sachiko suspirou novamente. - O que houve?-
-Eu quero ficar sozinha! Ninguém gosta de mim!- Disse a menina com a voz de choro.
-Qual é baixinha, eu tenho certeza que isso não é verdade-.
-É sim! Nem a mamãe me quer por perto... -
-Não diga isso, eu tenho certeza que ela te adora. –
-... E como você sabe? Ela grita e quase não brinca mais comigo. -
-Os adultos tem que trabalhar, as vezes por isso eles ficam cansados e bravos e falam coisas que não deviam, não diga essas coisas. Sua mãe vive me dizendo o quão ela gosta de você. –
A porta fez o barulho de um clique e se abriu lentamente pela metade. -Verdade?- Disse a menina com lagrimas escorrendo pelo rosto ao espionar pelo lado de dentro.
-Verdade. Ela te ama muito. - Sachiko disse com um sorriso, enquanto se abaixava para ficar na altura dela. – E agora? Vai ficar ai pra sempre? Se for assim eu não vou poder brincar com você hoje. - A criança então fungou o nariz e secou suas lágrimas com as duas mãos.
- Não. Quero brincar. - Ela disse ainda soluçando.
-Então saia daí e vamos comer um bolo, depois eu brinco com você do que você quiser. –
Aiko então abriu a porta e deu um sorriso tímido. –Tá.- Ela respondeu, segurando a mão da mulher mais velha, deixando a empregada claramente aliviada.
-Obrigada. - A moça sussurrou para Sachiko, que apenas respondeu dando um sinal de positivo com sua outra mão enquanto caminhava de mãos dadas com a criança escada abaixo rumo a cozinha.
Com bastante tempo livre, após comerem juntas a Ex-presidiária passou quase todo o tempo brincando com a menina sem saber que estava sendo observada por Hana, que ao longe suspirava se sentindo culpada. No meio da brincadeira, Aiko acabou esbarrando com ela enquanto corria.
-Hana chan! Hana chan! Voce tem que ver! Sa chan está vestida que nem um pinguim!- Aiko disse rindo alto se referindo ao terno novo. Hana sorriu se sentindo desconcertada.
-Sim, sim. Estou vendo. – A mulher respondeu, tentando se esconder quando viu que Sachiko se aproximava das duas. - Ai está você!- Sachiko disse enquanto fazia cócegas na menina, que começou a rir e se contorcer.
Hana observou a cena se sentindo ainda mais culpada pelo o que estava por vir. Sachiko então parou o que estava fazendo e se levantou.
- Voce realmente está estranha hoje, Hana san.- Sachiko disse tentando decifrar a expressão dolorida impressa no rosto da outra mulher.
-Estou apenas cansada, só isso. -
-Cansada demais pra explicar o porque é inadequado falar comigo?-
Hana engoliu seco e abriu a boca para falar alguma coisa, mas as palavras não saíram a tempo, pois Tojo já estava a buzinar chamando pela outra mulher.
-Nos falamos mais tarde. – Hana disse levando Aiko pela mão para dentro da casa.
-Certo... - Sachiko disse se sentindo desconfiada.
Após chegar a seu alojamento e seguir toda sua rotina noturna, Sachiko foi checar seu celular.
Nenhuma mensagem.
“Estranho, ela esta me evitando?”
Várias coisas se passavam pela cabeça de Sachiko. Teria ela feito algo de errado? A mulher checava de dez em dez minutos o celular e nada.
Fazia algum tempo que ela não se sentia tão ansiosa por uma resposta, seja La qual fosse. Era estranho como elas ficaram próximas tão rapidamente para então as coisas ficarem estranhas entre as duas. Ela não queria admitir, mas estava preocupada. O silêncio do outro lado a estava corroendo por dentro, mas por quê?
Duas horas se passaram e nada. Angustiada com a espera, Sachiko resolveu tomar a iniciativa e mandar uma mensagem, que foi rapidamente respondida.
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-Esta tarde, Sachiko san. O que você quer?-
-Quero entender o que esta acontecendo. -
-Nada esta acontecendo, eu só acho que não devemos continuar nos falando, eu não sou uma lésbica como você então não quero ficar com uma má reputação onde trabalho-.
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Confusa, Sachiko parou de digitar e ficou em silencio digerindo essas palavras com um aperto no peito.
-É sério isso??-
Sachiko demorou a responder, sentindo um nó na garganta enquanto esperava por uma resposta decente.
-Sim. Espero que entenda minha situação. Adeus. -
“Entender a situação ... dela?!”
Sachiko começou a digitar uma resposta, mas quando foi enviar notou que estava já havia sido bloqueada.
“Mas o que?!”
Ela checou de novo. Não havia erro. Apesar de todas as noites que passaram jogando e rindo juntas, sem brigas ou desentendimentos, ela havia sido bloqueada como uma estranha inconveniente.
Seu coração começou a bater forte por algum motivo. Raiva?
Sim, mas não era só raiva, todos os sentimentos negativos de rejeição que ela havia guardado a sete chaves desde que havia tido aquele maldito pesadelo estavam voltando a tona com toda a força, fazendo seu estomago embrulhar.
Enquanto olhava a foto que tinha de Hana em seu celular ela se perguntava se ela era uma figura assim tão insignificante para ser dispensada tão rapidamente.
Reputação. Ela nunca entendeu como as pessoas davam tanta importância para uma coisa tão vaga, as coisas sempre mudavam, as pessoas mudam, porque então ficar preso a algo tão fútil?
Se as pessoas normais já valiam tão pouco, então qual seria o seu valor para ela?
Foi quando sachiko notou. Esses sentimentos confusos eram familiares. Ela já havia sentido isso antes anos atrás. Aquela felicidade boba de saber que alguém estava ali para escuta-la falar besteiras, aquele conforto de saber que aquela pessoa apenas existia.
“Ah não...”
Ela notou tarde demais que o sentimento que tinha por Hana não era apenas uma amizade casual. Sachiko bateu com os punhos na cama furiosamente, revoltada consigo própria por ter notado isso apenas agora. Que tipo de idiota ela era por ter caído pelos charmes de alguém tão egoísta? Egoísta e que jamais iria lhe olhar do mesmo jeito.
“Ridículo.”
Sachiko riu amargamente enquanto sentia uma lagrima solitária escorrer de seu olho. Como ela poderia estar se sentindo tão mal por causa de alguém assim?
Sachiko se perguntava o porquê de ter esse tipo de sentimento por quem não ligava. Era sempre assim e Naomi estava certa, nesse jogo, sempre perde quem mais se importa.
A mulher respirou fundo e jogou o celular na cama, ela não queria mais olhar para aquela coisa. Já não era a primeira vez que ela estava apenas feliz de estar ao lado de alguém para apenas ver a pessoa se afastar.
“Que se dane! Que se dane ela! Que se dane tudo!” Ela pensou enquanto se jogava na cama, se sentindo exausta.
“Não importa. Vou dar tudo de mim nesse emprego e esquecer que isso aconteceu.”
Sentimentos humanos eram transitórios e frágeis como uma vela no vento. E essa vela iria se apagar eventualmente, assim como varias outras que já haviam se apagado dentro dela.

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