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Rastros de Silêncio

XIII. Rastros de um reencontro inesperado

XIII. Rastros de um reencontro inesperado

Jul 30, 2025

– Domingo –

Na outra manhã, Miguel mal tinha dormido na noite passada, tomado pela ansiedade e pela vergonha. Nos últimos dias, Davi dominava a maior parte de seus pensamentos. Ele era cheio de camadas, impossível de decifrar, irresistível de entender. Havia tanto para afastá-los: a idade, o mistério, o passado… tudo isso, mesmo sem ter recebido uma resposta. Agora, ele planejava jogar todo o seu charme para cima dele. 

Primeiro passo? Café da manhã.

Enquanto isso, Davi já estava acordado. Também tivera uma noite mal dormida, pois não conseguia pegar no sono naquele quarto repleto de coisas que lembravam Miguel: o cheiro, o sorriso bobo, o rosto no momento da declaração. Naquela hora, tinha ficado tão envergonhado que saiu apressado… e talvez isso tivesse sido o melhor. Fazia tanto tempo que ele não se relacionava com alguém que se sentia inseguro sobre como agir dali em diante. Que resposta ele deveria dar? Ele pensou que seria impossível aceitar.

Então, um cheiro bom interrompeu seus pensamentos. Sim, era café. Um aroma delicioso. Ovo estrelado, pão na chapa e mais, era um café da manhã de hotel. O cheiro de café fresco preenchia a cozinha, misturado ao som de pratos cuidadosamente empilhados. Miguel movimentava-se com precisão quase exagerada, cortando frutas como se cada pedaço fosse uma equação delicada. Estava absorto ou fingia estar.

Sentado à mesa, Davi observava. Não comentou nada, mas seus olhos verdes captavam cada gesto. Miguel evitava encará-lo, mas, de tempos em tempos, sua voz saía mais doce do que com qualquer outra pessoa naquela casa.

"Quer adoçante ou açúcar no café?" perguntou ele, segurando a xícara como se fosse frágil demais para o seu aperto.

Eloise entrou na cozinha, com o cabelo ainda bagunçado e a camiseta pendendo de um ombro. Observou o irmão por alguns segundos, os olhos se estreitando.

"Desde quando você faz o café assim?" ela perguntou, franzindo a testa.

"Desde hoje." Miguel respondeu, sorrindo de lado, sem encará-la.

"Você tá agindo como se estivesse limpando a cena de um crime."

Miguel soltou uma risada breve, mas ao apoiar a  xícara na frente de Davi fez um som alto.

"É só café da manhã" murmurou.

Mas ninguém acreditou nisso. Eloise olhou dos dois para a mesa. Aquilo era estranho. E, vindo de Miguel, estranhamente atencioso (mais que o normal), era quase preocupante.

O trajeto até a clínica foi feito em um carro alugado por Miguel. Era velho, mas cumpria o que prometia: andava. Um Renault Kwid, para ser mais exato, ou como Davi mentalmente apelidou, "o corajoso". A cada lombada, ele fazia um som que parecia um pedido de socorro. Lá fora, o céu nublado parecia refletir o clima dentro do carro. O único som era o do carro tentando existir. O som do motor pedindo por amparo era o único que preenchia o silêncio entre os dois. Miguel mantinha os olhos fixos na estrada, as mãos apertadas demais no volante. Davi olhava pela janela, tentando se concentrar nos prédios que passavam, como se aquilo pudesse ajudar nos próprios pensamentos.

"Vamos manter o seguinte plano", disse Davi, ainda olhando pela janela, quebrando o silêncio. "Eu provoco, você observa. Só intervém se ele tentar mudar o rumo da conversa."

Miguel assentiu, mas demorou a falar.

"Se ele falar alguma coisa sobre o meu pai, alguma besteira... eu não sei se vou conseguir ficar quieto."

"Vai sim! Ou ele vai provar que consegue nos manipular."

Miguel soltou o ar devagar, como se estivesse segurando aquilo fazia tempo e vociferou: "Ele já provou uma vez. Conseguiu afastar meu pai da gente."

Davi enfim virou o rosto pra ele.

"A gente ainda não sabe o quanto disso é verdade. Mas vamos fazer ele contar o que sabe." Ele fez uma pausa. "Só... segura a raiva."

Miguel assentiu de novo.

"Eu sei. Vou dar um jeito, tá bom?" disse, tentando parecer firme, mesmo sem acreditar muito nisso.

A tensão em seus ombros o traía, como se estivesse tentando conter esse nervosismo. Davi voltou a encarar a estrada à frente. Por alguns segundos, nenhum dos dois disse mais nada. Só o som constante dos pneus no asfalto e a expectativa do que estava por vir.

[Na Clínica de Breno]

A fachada da "Clínica Aurora" era impecável. Por fora, linhas modernas e vidros espelhados refletiam as nuvens cinzentas, como se aquele lugar quisesse se vender como perfeito. Ao entrar, o ambiente continuava dentro desse mesmo ideal: recepção organizada, equipe sorridente, poltronas confortáveis, revistas em ordem, paredes em tons neutros, corredores silenciosos, um leve aroma de desinfetante. Mas, por trás das plantas ornamentais e do brilho das superfícies, havia algo... frio. Um lugar limpo demais para ser sincero.

Miguel sentiu o estômago revirar. Davi, ao lado, estava em silêncio, mas seus olhos captavam tudo. O lugar parecia esconder mais do que mostrava. E os dois sabiam bem disso.

A recepcionista, sorrindo como uma boneca de porcelana, os conduziu até o consultório do Dr. Breno Vieira.

Breno era exatamente como Miguel o imaginava. Os cabelos cinza, penteados para trás com precisão cirúrgica. Os olhos escuros e profundos contrastando com a pele oliva. Um rosto quadrado, marcado pelo tempo, com um bigode longo sobre a boca e um nariz achatado. Vestia um colete vermelho transpassado sobre uma camisa cinza de manga longa, gravata preta, calça social e mocassins escuros; tudo nele gritava formalidade e controle.

Ele os recebeu com um sorriso ensaiado. Gentil, mas gelado.

"Senhores... uma surpresa vê-los aqui. Posso ajudar em algo?"

"Detetive Davi Cardoso" disse Davi, a voz cortante.

"Miguel Fernandes" completou Miguel, mais contido. "Filho do professor Raziel."

"Uma honra conhecê-los. Sinto muito pelo desaparecimento do seu pai."

"Viemos conversar sobre um velho amigo seu." disse Davi, seco, ao se sentar na cadeira do escritório de Breno.

"Oh, claro. Então, me diga: em que posso ajudar?" perguntou Breno, como quem já ensaiou a frase.

Davi foi direto: "Quando foi a última vez que viu Raziel Fernandes?"

Breno inclinou-se para trás, cruzando as pernas com calma.

"No começo do mês passado. Depois disso, ele mencionou que passaria em minha casa, mas, como sabem, isso não foi possível."

Miguel apertou os punhos. A voz saiu carregada:."E o senhor... percebeu que ele estava em perigo? Meu pai confiava no senhor, não confiava?"

"Confiava. Mas andava estranho. Evitava detalhes... chegou a me entregar um relatório meio confuso. Parecia aflito."

Davi o observava com atenção.

"Raziel parecia inquieto nos últimos dias?"

"Talvez um pouco. Mas nada alarmante." Breno entrelaçou os dedos sobre a mesa.

Davi não parava: "Sabia das ligações estranhas que ele recebia? Dos encontros com a advogada?"

"Não em detalhes. Sabia que estava investigando algo. Raziel é... teimoso. Nunca deixa ninguém se envolver."

"Meu pai sempre foi reservado" disse Miguel, quase como se quisesse se convencer disso.

A conversa escalava. Davi continuamente jogava perguntas diretas.

"Se estivesse envolvido, como esconderia isso?" ele provocou. "O que tinha nesse ‘relatório meio confuso’?"

Miguel, com a voz firme: "Acha que ele ainda confia em você, doutor?"

O médico hesitou. E, naquele momento, hesitação era uma resposta. Davi notou o tremor leve em suas mãos. Miguel respirou fundo, a dor transbordando.

"Você se sente culpado pelo que aconteceu com ele?"

Silêncio. A pergunta ficou no ar, densa como fumaça. Os olhos de Miguel brilhavam com emoção contida. Breno finalmente desviou o olhar.

"Raziel... descobriu algo" murmurou. "Raziel não sumiu. Ele escolheu desaparecer. Eu acredito nisso."

E o silêncio se instalou como uma névoa densa.

"Ou foi forçado a isso" murmurou Davi, o olhar firme.

"Talvez" Breno respondeu. "Mas ele sabia com o que estava lidando. Pode ter ido fundo demais."

"Com o quê?" perguntou Miguel, tenso.

"Raziel descobriu algo perigoso. Vou falar pra vocês ficarem longe disso, meninos. Tudo faz parte de um esquema antigo envolvendo parte da clínica."

Davi se inclinou, atento.

"Então ele queria desaparecer por vontade própria, né?"

"Vocês não entendem. Raziel estava prestes a fazer algo arriscado. Mexeu com gente errada. Eu tentei avisá-lo, mas ele não quis ouvir. Ia expor um esquema..." a voz de Breno caiu num sussurro "...corrupção na área médica. Alteração de documentos. Ocultação de informações. Álibis forjados em consultas da clínica para acobertar criminosos."

"E isso te assustou?" Miguel perguntou, olhando diretamente nos olhos do médico.

"Sim. Mas não fui eu. Eu juro que não tenho nada a ver com o sumiço dele."

Breno parecia sincero, mas havia algo preso em seu olhar.

"E por que ele sumiria por conta própria?"  Davi insistiu.

"Porque talvez... ele soubesse que não sobreviveria se ficasse." Breno respondeu com calma, fitando os dois com olhos duros como pedra. Depois, suspirou pesado. 

"Nunca quis me envolver nesse emaranhado..." sua voz saiu baixa, quase uma confidência carregada de resignação, "...mas, uma vez que pisei nesse caminho, não tem como voltar atrás. Já faz parte de quem eu sou agora."

Ele apoiou as mãos na mesa, firme, como se tentasse segurar algo que escapava.

"Não posso negar o que vi... nem fingir que não faço parte disso. Tudo começou... por causa do meu filho." A voz de Breno tremeu, carregada de algo entre culpa e dor. "Se ele não tivesse se envolvido, nada disso teria saído do controle."

Davi e Miguel se olharam. O silêncio entre eles era mais denso que o ar da sala. Os olhos de Davi buscavam vestígios de sinceridade no rosto de Breno, enquanto Miguel tentava conter a dúvida que crescia dentro de si.

"Será que ele está dizendo a verdade?" Os dois se perguntavam, mas nenhuma palavra foi dita.

Breno levantou-se devagar, ajeitando o colete vermelho com um gesto automático.

"Se precisarem de algo, sabem onde me encontrar." disse, mas o olhar não prometia ajuda, apenas distância.

Davi e Miguel trocaram um último olhar antes de se levantarem também.

Ao abrir a porta, foram recebidos pelo corredor frio da clínica. As luzes brancas refletiam nas paredes lisas, sem cor. O som dos passos ecoava no ar do ambiente.

Na saída, Davi parou bruscamente. Seus olhos fixaram-se em um enfermeiro do outro lado do corredor. Um rosto familiar.

"Hã?" murmurou, pálido. O mundo girou por um instante.

Miguel percebeu a mudança imediata na expressão do detetive.

"Você conhece ele?"

Davi não respondeu de imediato. Os olhos estavam presos na porta branca por onde o homem havia desaparecido. Uma sombra de seu passado acabara de emergir.

"Breno... ele está envolvido com mais do que o desaparecimento do seu pai."

Mais tarde, no carro parado, o silêncio era mais denso que a escuridão da noite. Miguel observava Davi, que mantinha o olhar perdido na janela.

"Você conhecia aquele enfermeiro?"

Davi fechou os olhos por um instante.

"Ele era o Nero… Aquele que fez parte do meu passado, o lugar onde tudo começou."

Miguel se entristeceu e apertou a mão dele, em discrição.

A cidade se estendia à frente, mas agora, mais do que nunca, sabiam que estavam entrando em um território onde passado e presente se confundiam como fumaça no ar.
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