Óbvio que assim que entrou sua primeira providência foi se atrapalhar inteiro. O escritório estava com as lâmpadas apagadas e, apesar do enorme janelão aberto pelas costas do Sr. White, o dia estava nublado lá fora. O ambiente em meia-luz o fez não perceber o segundo piso assim que entrou, tropeçou de mal jeito e quase caiu igual uma fruta madura. Sr. White disfarçou o riso e Andrew continuou andando como se nada houvesse acontecido.

Agora ele te acha um pateta, parabéns, Andrew.

— Bom dia, Sr. Harris — cumprimentou depois de correr a língua pelos lábios rosados para disfarçar melhor o sorrisinho. — No que posso ser útil?

— Bom dia — balbuciou enquanto sentava, a mente se perdendo graças ao tropeço. — São só algumas perguntas simples, estamos fazendo uma matéria sobre ex-alunos que se deram bem na vida. Sou estudante de jornalismo. — Duvidava que aquele homem lesse os próprios e-mails.

— Não fazia ideia que me consideravam um homem de sucesso na faculdade — Sr. White abriu um sorriso perfeitamente alinhado, tão plástico quanto aquela falsa humildade.

Não queria gastar os quinze minutos com conversa fiada, então matou os cumprimentos e elogios tão logo pôde, indo direto ao ponto.

— O celular está gravando as respostas — comunicou deixando o aparelho sobre o birô preto. Abriu seu bloquinho de notas e tomou coragem, aquilo renderia a melhor matéria e seria impossível não conseguirem a publicação além da nota. — O escritório Blake & White foi fundado pelo seu avô e um sócio, passou para o seu pai alguns anos atrás, o senhor acha que seu sucesso atual tem relação com isso?

Abrir com uma das perguntas mais cretinas era sempre melhor naquelas circunstâncias. Girava a caneta azul entre os dedos, compenetrado na expressão de Cayden White, que soltou um riso nasalado bem de leve, focando melhor os olhos verdes em Andrew.

— Essa é uma ótima pergunta, é verdade que somos um escritório familiar, mesmo hoje tenho o prazer de chamar o Sr. Blake de amigo. Mas, acho precipitado apontar que seja a razão do meu desempenho pessoal como advogado. Até porque todos sabem que não sou candidato à chefia do escritório, como filho caçula e menos experiente.

Não é que o ruivo sabe brincar?

— Então, aproveitando essa tangente, a próxima pergunta: é de conhecimento público que o senhor é filho adotivo dos White, isso afetou seu desempenho como aluno ou advogado alguma vez?

Cayden torceu o maxilar de leve, talvez dando-se conta do tipo de matéria que Andrew pretendia escrever. Ele poderia simplesmente se recusar, dizer que aquilo era uma falta de respeito e ir embora, e então Andrew poderia dizer tudo que quisesse sobre ele. O gravador estava ligado e o áudio iria para nuvem independente do que ele pudesse tentar. Cayden sorriu de canto, jogando-se para trás na cadeira.

— Diria que tornou meu desempenho melhor, tenho pé no chão, consigo lidar com situações que alguns dos meus colegas não poderiam por falta de vivência.

Andrew espelhou seu sorriso. Até então acreditava que estava prestes a encontrar outro riquinho insuportável, mas Cayden parecia gostar da brincadeira e renderia uma ótima matéria sobre o patinho feio virando cisne naquele ritmo.

— É uma forma bela de ver a vida. — Andrew girou a caneta de novo, quase mordendo a tampa por costume. — Próxima pergunta: no caso recente "Lewis contra o povo" em que o assassino possuía uma legião de fãs, seu escritório foi o primeiro a demonstrar interesse no caso. O senhor o defendeu no júri, por quê?

— Acredita que alguns homens não têm direito à defesa, Sr. Harris? — A resposta veio do jeitinho que esperava.

— Mas por que escolheu o defender especificamente, ele poderia receber um defensor público, não?

— Senti que o Sr. Lewis poderia ter a melhor defesa possível conosco e seus familiares concordaram, talvez por isso ele tenha conseguido evitar a pena de morte.

— O senhor se considera um homem caridoso, Sr. White?

— Diria que sou um homem justo. — Cayden sorria sem mostrar os dentes, o sol finalmente começava a brilhar lá fora, iluminando melhor o rosto dele.

Tempo, Andy.

— Assisti ao julgamento do Sr. Lewis para nossa matéria de investigação criminal e, apesar de não entender muito de direito, gostaria de dizer que foi muito bem na corte. — Hora de amaciar o ego antes do gran finale. — Próxima pergunta. A Blake & White tem uma porcentagem significativa investida em projetos filantrópicos, isso tem alguma ligação com seu ingresso na empresa após se formar na faculdade?

— Ah, não, de forma alguma. Minha mãe sempre administrou essa questão, meus pais são muito compromissados em devolver nossos lucros para sociedade de alguma forma.

— Entendo, e como foi a faculdade para alguém tão inteligente e amado?

— Meus professores têm algumas opiniões sobre essa colocação, Sr. Harris. — Finalmente endireitou a postura, conferindo o relógio no pulso. — Foram ótimos anos. Fiz amizades que duram até hoje, inimizades também. Durante o curso tudo é tão cansativo e precisamos ir a tantos tribunais, preencher toda papelada do mundo, e ainda assim achávamos tempo para beber. Diria que aproveitei ao máximo.

— Temos algumas fotos da sua turma em que parece realmente se divertir muito, mas não pude deixar de perceber algo tanto nos registros desse período quanto nos atuais — Só mais três minutos. — Não encontrei nada sobre seu estado civil, nem mesmo uma ex-namorada. O que me leva à questão, o senhor é gay, Sr. White?

Um filho adotado e gay de sucesso, duvidava que alguém pudesse achar uma matéria melhor que aquela. Mal acreditava que conseguira a entrevista e não abriria mão daquilo por nada nesse mundo. Se fizesse uma boa matéria, seria contratado num jornal ou revista assim que se formasse.

As sobrancelhas de Cayden se ergueram por um milésimo de segundo, entreabrindo os lábios finos. Andrew tinha certeza de que aquele homem poderia o tombar com um único soco se quisesse, dada a grossura de seus braços, mas sua futura carreira estava na reta e nenhuma indiscrição era demais quando saída da boca de um jornalista.

— Por que a pergunta, está interessado, Sr. Harris? — Cayden levantou rindo.

Lera na Wikipédia que ele tinha 1,85 de altura, mas ver aquela geladeira em pé o fazia parecer muito mais alto. Andrew engoliu seco, temeroso que estivesse prestes a ser convidado a sair da sala.

— É uma questão relevante à matéria, senhor… — Ainda bem que transcreveria as respostas, porque sua banca de jornalista fora pelos ares.

Cayden circundou a mesa, parou um instante ao lado dele e pareceu rir de canto brevemente.

— Se não quiser um belo processo por difamação, eu a faria deixar de ser, Sr. Harris. Minha vida íntima não tem correlação com meu trabalho — falava tranquilamente ao servir um copo de água para Andrew. — Agora, se me dá licença, seu tempo acabou e preciso voltar ao trabalho. Foi um prazer.

Assim, sem mais nada, Cayden White o largou no próprio escritório sem um pingo de receio. Aquela era a resposta de um homem nem um pouco hétero na opinião pessoal dele, mas sendo bissexual se sentiria nojento por jogar alguém para fora do armário. Talvez a família não soubesse e seria impossível negar que afetaria sim a vida profissional do outro. Se Cayden preferia o roupeiro quatro portas para o caber dentro à liberdade de ser assumido, não seria ele a passar por cima disso.