Chovia pesado lá fora enquanto Andrew digitava a matéria sobre o Sr. White, riu do início ao fim da gravação no celular, enquanto transcrevia perguntas e respostas. Depois arregaçou as mangas e começou a emendar sua história junta. Foi preciso abusar da amizade de uma colega estagiando no serviço social para conseguir algumas informações, outras apenas demandaram uma pesquisa mais criteriosa por arquivos públicos da cidade. Ao fim da noite, possuía um rascunho promissor narrando a jornada emocionante de Cayden White. 

Como um cavaleiro de armadura reluzente, Cayden conquistara diversas coisas por mérito próprio — tudo facilitado pelo dinheiro e influência de sua família, claro, mas esses detalhes nada épicos não entravam no texto. Dormiu por cima do notebook, debruçado na mesa como um camarão, e foi agraciado com ótimos sonhos para uma noite tão chuvosa. 

Cayden lhe abria os botões da camisa social um a um, indagando se ele tinha interesse. Andrew ria, confirmando, instigava os movimentos sempre que possível. A voz dele o chamando de Sr. Harris eriçava todos os seus pelos e não houve surpresa alguma quando despertou com uma ereção matinal. Precisava sair para curtir um pouco assim que pudesse, a faculdade estava o enlouquecendo a ponto de ter sonhos eróticos com o tema de seu trabalho. 

Banho, café, de volta ao trabalho. Seguiu naquela rotina por uma semana inteira, só parava na hora de ir para a aula ou nos quarenta minutos que eram religiosamente reservados a enviar currículos antes de dormir. Domingo à noite finalmente estava com a matéria pronta e comunicara ao professor que fizera tudo sozinho, mas algo não deixava sua cabeça: Cayden ameaçando o processar por falar demais. 

Não tocara na vida íntima do advogado em momento algum do texto, mas ainda assim se sentia inseguro. E se estava falando demais? E se Cayden se irritasse? E se as pessoas o achassem emocionado demais falando naquele homem? Mesmo que imaginasse que Cayden não administrava a própria caixa de e-mail, resolveu enviar o arquivo final só por garantia. Teria que entregar o trabalho na quinta, então não havia como alegar que não dera tempo de resposta. 

Caro Sr. White, boa noite. 

Sou Andrew Harris, estudante de jornalismo que o entrevistou alguns dias atrás, envio este e-mail para agradecer pela incrível oportunidade de o entrevistar. Graças ao senhor, poderei entregar o trabalho dentro do prazo e creio que há chances reais de publicação no jornal da faculdade. 

Segue em anexo a matéria, caso tenha interesse em ler. 

Agradeço novamente pela sua atenção e me ponho à disposição para esclarecer qualquer ponto necessário no texto. 

Atenciosamente, 

A. Harris. 

Enviado e caiu na cama, não dormia direito há dias. Naquela noite, não sonhou com nada e a rotina seguiu normalmente. Fez uma entrevista de emprego na terça, mas duvidava que fossem o encontrar numa revista de fofoca sobre famosos. Na quarta, saiu para jogar RPG com seus amigos, comeram nachos e guacamole até a mãe de Teodoro se cansar deles. Dormiu por lá mesmo com Teodoro roncando alto e Vincent babando o travesseiro no colchonete ao lado, eram amigos desde o ensino médio e adorava manter aquela relação. 

Pela manhã, Dona Soledad acordou os três aos berros como de costume, depois os serviu o café da manhã. Café e pão com manteiga, ele adorava as comidas da família de Teodoro. Comiam os três olhando os celulares sob protestos da senhora, mas Andrew ficou descrente pela notificação em seu e-mail. 

Prezado Sr. Harris, bom dia. 

Finalmente pude ler sua matéria e gostaria de elogiar a qualidade da sua escrita, creio que vá se tornar um bom jornalista no futuro. Percebi que se empenhou muito na pesquisa e só espero que não tenha infringido nenhuma lei no processo, mas, caso o tenha, recomendo que busque a Blake & White para sua defesa. 

Não tomarei mais de seu tempo, mas gostaria de apontar que faltou a vírgula na frase abaixo: 

• Ainda que tenha encontrado percalços no caminho Cayden White acabou se formando como melhor de sua turma. 

Atenciosamente, 

Cayden White 

Sócio Sênior | Blake & White. 

— Não acredito nesse cara — Andrew ria encarando o celular, Vincent logo veio ler a tela. — Olha isso, ele corrigiu uma vírgula do meu trabalho. 

— Poxa, mas cê tinha que enviar o texto pro entrevistado? — Vincent meneava a cabeça. 

— Quê que foi? — Teodoro erguia as sobrancelhas do outro lado da mesa. 

— Ele ameaçou me processar se tocasse em um assunto, então achei melhor enviar a matéria antes de ir parar no jornal — Virou a tela para Teodoro, reclinando-se sobre a mesa de café. — Pode isso? Playboy todo engomadinho. 

— Achei bonitinho, né, mamá? — Teodoro alargou o sorriso. — Ele te elogiou e ainda ajudou com o texto. Deve ter gostado de você. 

— Andrew faz sucesso com os meninos — Dona Soledad soava orgulhosa com isso. — Me lembra meus tempos de menina em Tijuana. Tu padre era tan guapo… 

A conversa logo se tornou sobre os tempos de menina dela e eles ouviam pela milionésima vez como se ainda fosse a primeira. Soledad dizia que Andrew e Vincent eram também seus filhos, por isso os gritava igualzinho faria com Teodoro. A animação costumeira o contagiou e foi renovado para casa, corrigiu a vírgula no trabalho e achou melhor não enviar outro e-mail agradecendo. Cayden era ocupado demais para desperdiçar seu tempo com inutilidades. 

Enviou mais currículos naquele dia, a formatura se aproximava. Foi para aula normalmente, entregou seu trabalho, fofocou muito com suas amigas e tentou convencer Kelly a entrar para seu grupo de Dungeons & Dragons pela milésima vez, mas ela dizia não querer se misturar com nerds. Por fim, seus colegas decidiram ir para um bar próximo a faculdade e os seguiu como de costume. Trocava mensagens com Teodoro e Vincent ao longo do trajeto e depois na mesa de bar, mas não demorou muito para ele ter passado dos limites e voltar para casa apoiado nos braços de dois caras bonitos — namorados de Kelly e Lara. 

*** 

Tinha três entrevistas para aquela semana, não aguentava mais inventar motivações para querer um emprego. Precisava consertar o motor de partida do carro, mas os jornais e revistas não queriam isso como motivação. 

Sua matéria dera tão certo quanto imaginara e reluzia nos jornais impressos, estava aprovado em todas as matérias e já poderia se considerar um belo desempregado. 

Seu pai ligava às vezes para perguntar como estava, se voltaria para casa, se não achava melhor tentar um emprego em outra área. Odiava a insistência de Adam naquelas horas. Sua mãe, por outro lado, continuava o ignorando desde o fatídico Dia de Ação de Graças quatro anos antes. Andrew não tinha culpa e não estava disposto a pedir perdão pelo chilique dela em relação ao seu namorado da época. 

Desde então, fora a duas paradas só para ter certeza que ela veria as fotos. E não precisava das migalhas de Donna quando tinha o amor incondicional de Soledad. Logo não precisaria mais da mesada dos pais e se veria livre daquele incômodo recorrente. 

Enviou os convites para colação de grau e fechou o notebook velho, iria encontrar sua irmã num café dali a algumas horas e precisava se arrumar. Fuçava o Instagram enquanto escovava os dentes em frente ao espelho, quando o destino resolveu jogar um vídeo fancam do caso Lewis, as fãs seguiam o adorando mesmo depois da condenação à prisão perpétua, pelo que Andrew sabia o homem recebia centenas de cartas de amor na prisão. 

— I'm a bitch, I'm a boss — cantarolava junto, lendo os comentários para rir. 

Cuspiu a pasta na pia, bem a tempo de evitar que se engasgasse com um comentário específico. 

@Lewis.Bitch27: concordo q nosso kingo é um tesão mas vcs já repararam q esse advogado dele tbm é um pedaço de mal caminho? 

Logo abaixo alguém respondia: 

@Failureboyart: na minha fanfic eles são um casal pq um cara desses ia defender um who se não fosse por amor? #Lewhite 

Gargalhou imaginando a reação de Cayden com aqueles comentários, mas duvidava que a defesa fosse perder tempo com as fãs malucas de um criminoso condenado. Vestiu calça e um suéter para evitar o frio, arrumou o cabelo da melhor forma que os fios rebeldes permitiram e saiu. O carro não teimou muito daquela vez e não demorou para estar sentado no café aguardando Brenda. 

A party discutia a data da próxima sessão de D&D no chat, enquanto Andrew apenas disse ser um vagabundo que poderia se adaptar ao que fosse melhor para eles. Seus colegas de faculdade estavam marcando um after-party para depois da colação de grau, no mesmo barzinho exclusivo para alunos que sempre iam. Poderiam ver formandos de outras turmas e beber adoidado já que podia voltar a pé para casa, mas ele não tinha certeza se sua economia resistiria às últimas decisões financeiras dele. 

— Andy? — Brenda tirava o cachecol ao lado da mesa, levantou e a abraçou. Fazia muito tempo que não se viam. — Que saudade! 

Sentaram-se e fizeram o pedido logo em seguida, a irmã o contava sobre seu noivo, o casamento, a decoração que planejava para o quarto do bebê que ainda nem fora gerado. Tentava manter o foco e ficar feliz por ela, mas aqueles assuntos eram todos tão distantes que se complicava aqui e ali por coisas que nem fazia ideia. 

Como assim não podia esquentar água para o chá na cafeteira mesmo? Bule elétrico soava como algo desnecessário.

— Mas e você, como anda? — Brenda finalmente perguntou, o café deles já ia na metade. 

— Correria né, ando fazendo várias entrevistas. Minha matéria que publicaram no jornal da faculdade vai ajudar com certeza. 

— E o Jonathan? 

— Ah, você sabe, Brenda. A gente terminou bem, ainda nos falamos, mas não acho que tenha nenhuma chance de reatarmos. Ele tá em outra já que eu sei. 

— Sabe, sei que não quer ouvir isso, mas não acha meio idiota ter comprado toda essa briga com a família pra depois largar o cara? — Ela remexeu a colher dentro do copo. 

— A questão não é o Jonathan, sou eu. Se ela não pode entender que sou assim não posso fazer nada. — Andrew deu de ombros. — Eu não escolhi brigar nem ignorar ninguém. Vivo minha vida, só isso. 

Sua irmã suspirou e mudou o assunto para a formatura, a colação de grau e todos os outros eventos que se aproximavam. Andrew preferia assim e exigiu que ela trouxesse o noivo para o conhecer também. Riram, apesar de tudo, e sentiu-se menos sozinho depois de ver que Brenda continuava sendo sua irmã. Ela fora a primeira a saber da bissexualidade, ainda no ensino médio, e sempre o apoiava da forma que podia.