Acordou deitado em um sofá com a boca amarga por aquela memória desgraçada. Remexeu-se, ainda estava escuro, mas Cayden estava sentado em uma mesinha mais adiante com o notebook iluminando seu rosto. Andrew grunhiu, a cabeça doía e enjoo o assolava. Levantou-se de uma vez, sentia que estava prestes a vomitar. Aquela água estranha enchendo sua boca sem parar. Notando os movimentos, o White apenas o disse “segunda porta à direita” e Andrew se abraçou com a privada tão logo pôde.
Vomitou até o que não bebera naquela noite, a dor martelando seu cérebro. Nunca mais sairia para beber com aqueles arrombados. Suspirou. Descarga, lavou a boca e esfregou alguma pasta nos dentes com o dedo para aliviar o gosto ruim. Seu reflexo no espelho estava pálido, com olhos avermelhados e fundos, e o cabelo numa zona sem fim. Lembrou-se de Kelly dizendo que o ruivo estava super na dele, se Cayden realmente estava, logo deixaria de estar graças àquele papelão.
Voltou pelo corredor que viera, constatando que aquele apartamento não era muito maior que o dele próprio. Três portas no corredor indicavam um quarto, o banheiro e talvez um escritório ou algo do tipo, além disso só havia a sala e a cozinha. Esperava que alguém tão rico morasse num lugar muito maior e mais requintado, mas Cayden o aguardava trabalhando numa mesinha de madeira comum disposta entre a sala e a cozinha, não havia divisão entre os dois cômodos. As luzes estavam acesas, deixando uma geladeira cara à mostra, mas nem uma televisão ele tinha.
Talvez tivesse problemas familiares e vivesse do próprio salário? Se bem que ele não achava provável que alguém com problemas familiares fosse trabalhar no escritório da família. Sentou-se na cadeira vaga da mesinha, agradecendo a Deus quando Cayden o ofereceu um copo de água e a aspirina.
— Você fala dormindo — comentou o White digitando sem parar no notebook. O relógio da sala marcava quase cinco da manhã.
Engoliu o remédio com o mínimo de água possível.
— Foi mal. — Imaginou que incomodara e Cayden claramente trabalhava em algo.
— Não é incômodo. — Seguia digitando. — Donna é o nome da sua mãe?
Cerrou os dentes por instinto, claro que estava falando disso enquanto dormia. Respirou fundo, contendo a vontade de chorar.
— É sim.
— Se quer um conselho. — O enter estalou alto e Cayden fechou o notebook em seguida. Parecia cansado. — Família é bem mais que sangue, se ela não pode aceitar algo tão básico, não é você quem precisa melhorar. Teria vergonha de perder a formatura de um familiar por algo tão estúpido.
Teodoro e Vincent estavam cansados de falar aquilo, não era nem que discordava, mas Donna era sua mãe. Ele não poderia ir a fábrica de mães buscar uma nova e menos homofóbica. Claro, tinha todo amor de Soledad, mas não fora ela a limpar suas fraldas ou assisti-lo dando seus primeiros passos. Só tinha uma Donna que era sua mãe no mundo, e essa uma Donna o execrava como uma decepção.
— Está meio tarde então descanse, te dou uma carona quando sair para o trabalho de manhã. — Cayden se levantou com o notebook debaixo do braço, o deu dois tapinhas e rumou para o corredor. — Boa noite, Andrew.
— Boa noite.
Voltou ao sofá macio em que acordara, se enrolou com a manta que estava caída no chão e pegou no sono chorando de novo. Patético, Andy, patético demais até pra você. Pensou em ligar para Jonathan, talvez conversar mais sobre tudo ajudasse e o ex-namorado entendia melhor que seus amigos. Conhecia a dor de perder a própria família, então não julgava os rodeios de Andrew com Donna.
***
Acordou pouco depois das sete como de costume, nem sinal de Cayden pela casa — claro que alguém que foi dormir cinco da manhã não levantaria duas horas depois. Achou seu celular carregando sobre o móvel da sala com um cabo que devia pertencer a algum outro aparelho. Havia mensagens de Teodoro se desculpando e dizendo que saíra com Vincent para beber, sua irmã dizendo que Kelly os avisara que ele “tinha se dado bem” e para não se preocupar com voltar cedo e uma mensagem de Donna. Quase derrubou o celular ao ver a foto dela, mas era verdade.
Tudo que a mensagem dizia era um “parabéns pelo diploma” e mais nada. Nenhum “beijinhos da mamãe” como ela sempre fizera questão de mandar, não quis saber se estava bem, se dormira, se comera, nenhuma daquelas perguntas insuportáveis que fizera por toda a vida dele. Pegou o celular e voltou para o sofá, foi respondendo as mensagens aos poucos.
No fim, estava perguntando ao ex-namorado se poderiam conversar um pouco. Considerando que trabalhava num fast-food, Jonathan logo estaria acordado para responder. Não tendo o que fazer, pegou no sono até Cayden levantar e fazer barulho pelo apartamento.
— Então você estava há seis quadras de casa e me fez te trazer até aqui? — Cayden ria, o café da manhã dele era exatamente isso: café. Uma xícara feita na cafeteira e mais nada.
Aquele homem vivia como um assalariado.
— Não sei como esqueci meu endereço — Respirou fundo mastigando a fatia de pão. — Desculpa mesmo te dar trabalho, eu teria dormido na rua de novo naquele ritmo.
— Era perceptível, mas devia tomar mais cuidado quando bebe. — Cayden soava realmente como um homem de 31 anos.
— Nem sei porque me ajudou, sou só o jornalista maluco que te infernizou quinze minutos. — Soprou o próprio café pela milésima vez, já adicionara leite e açúcar, mas nada tornava aquilo menos forte.
— Prefiro não ser processado por negligência, estava obviamente alterado e poderia se colocar em risco. — O espírito de advogado falava por trás da xícara pelando de café. — Além disso, quem vai escrever matérias boas sobre mim se deixar algo acontecer com você?
Conversaram mais um pouco sobre a faculdade e futuro, Andrew segredou seu desejo por trabalhar com jornalismo investigativo produzindo colunas para jornais impressos. Cayden debochou e disse que ele falava como um velho, depois indicou que se candidatasse a vagas de assistência em escritórios de advocacia, onde poderia aprender mais sobre direito.
Ganhou carona até em casa, ao menos o carro fazia jus a fortuna da família de Cayden, deixando-o mais curioso sobre a aparência rústica daquele apartamento. Quando finalmente chegaram, Cayden sorriu por trás dos óculos escuros que escondiam seus olhos avermelhados pela falta de sono e o estendeu um cartão.
— Se for preso por intoxicação em público, é só me ligar.
— Como se eu pudesse pagar dez minutos do seu dia — debochou saindo do carro, aceitou o cartão de qualquer forma.
Teodoro insistia no headcanon de que Cayden estava a fim dele, assim como Kelly no bar, então não perderia a chance de descobrir por conta própria. Parou na janela, debruçado, e enviou o próprio contato por bluetooth para o celular de Cayden.
— É assim que se faz hoje em dia — acrescentou rindo. — Obrigado por tudo, de verdade.
Viu Cayden arquear uma sobrancelha, mas não disse mais nada antes de puxar o freio de mão e partir para o próprio escritório. Um príncipe de bentley branco. Deu risada daquele pensamento e foi subir as escadas, seu pai estaria uma arara com o sumiço.

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