Andrew se arrumou da melhor forma que podia, a maioria das roupas boas de sair estavam sujas e ele não fazia ideia de onde Cayden o levaria. Apostou num look esportivo que serviria tanto para algo casual quanto para um ambiente com dress code mais severo. Amarrava os cadarços do sapatênis quando a bolha azul de mensagem acendeu a tela de seu celular.
“Cheguei” (Sr. White – 07:57 PM)
Respondeu um simples “descendo” com uma mão só e enfiou seu kit de sobrevivência urbana no bolso interno escondido do casaco. Camisinha, uma nota de 50 mais amassada que dinheiro de bêbado, carregador, sua bombinha inhaler, lencinhos, e carteira de motorista para garantir que poderiam o identificar se necessário num hospital.
Avisou Teodoro que estava saindo com o advogado gostoso e compartilhou a localização do celular com o amigo só por precaução. Cayden poderia ter feito qualquer coisa dele bêbado naquela noite, mas o seguro morrera de velho. Nova Iorque não era tão gentil a ponto de um homem bissexual poder se dar ao luxo de ser ingênuo ao sair com caras novos.
Desceu as escadas ignorando a dor nas pernas de tanto correr para lá e para cá no escritório, Cayden vestia uma roupa nos limiares do casual com o social quando entrou no carro. O ruivo cheirava a loção de barbear e um perfume amadeirado forte que irritou os olhos de Andrew. A janela aberta seria sua aliada. Conversaram majoritariamente sobre o emprego no caminho, Cayden o parabenizou por ter conseguido entrar num jornal de prestígio e Andrew não ficou nem um pouco surpreso em saber que Aaron conhecia o senhor e a senhora White.
Supôs que havia acertado nas roupas quando entraram em um restaurante italiano que, apesar de parecer o tipo de lugar que nenhum prato custaria menos que setenta dólares, tinha umas cinco mesas ocupadas por famílias em roupas casuais. Uma espécie de trattoria para gente rica, supôs. Um manobrista levara o carro da porta e a atendente os guiou até uma mesa no segundo andar, Andrew ficou surpreso com a estrutura. Mesas distantes com divisórias que certamente impediam os clientes de verem uns aos outros, as mesinhas redondas possuíam apenas duas cadeiras cada.
Sentaram-se na mesa mais privativa de todas, numa área externa que apesar de ter vista para cidade Andrew duvidava que alguém do lado de fora fosse capaz de enxergar através da película escurecida nos vidros. Havia uma ótima razão para não ter conseguido descobrir nada sobre a vida íntima de Cayden, afinal.
— Por que isso parece um lugar onde se fala sobre crimes? — Andrew tentava aliviar a tensão enquanto abria o guardanapo. O garçom disfarçou o risinho de canto.
— Considerando que me encontro com clientes aqui, meio que é. — Cayden sorriu.
Cayden tentou pedir as entradas, mas Andrew revirou os olhos para as ideias americanas demais. Pediu uma porção de aranchini, o garçom sugeriu um vinho para acompanhar e Cayden aceitou depois de soltar uma gracinha sobre Andrew ser fraco para bebida. E ele era mesmo, especialmente vinho, vinho sempre acabava em péssimas decisões de vida.
— Então acertei na comida italiana? — Cayden comentou assim que o garçom se retirou para buscar as entradas.
— Achei até suspeito, inclusive. — Cruzou as pernas, dando-se a liberdade de apoiar o cotovelo na mesa para segurar a cabeça no punho.
— Chutei por causa do nome da sua mãe e seu nome ser católico. — A explicação fazia sentido. — Mas não achei que fosse ser tão apegado.
— Meus avós são italianos, para minha nona pisar numa trattoria e não comer aranchini é um crime.
Cayden sorriu de um jeitinho que iluminou seus olhos de gato.
— A única carga cultural que meu avô tem a oferecer são partidas de golfe, rodeios e gastar mais que o necessário em conversíveis.
O cofundador da Blake & White, Jeffrey Donald White. Se a memória não falhava, já era um setentão aposentado. Andrew finalmente se deu conta de que ele sabia muito mais sobre Cayden do que o contrário, talvez essa fosse a razão daquele jantar.
— Meu pai já desistiu de tentar me ensinar golfe, não tenho paciência. — Sorriu, o garçom retornara com a porção grande de aranchini e um colega trazia o vinho atrás dele.
Não entendia bulhufas sobre safras nem nada disso, então confiou que Cayden escolhera algo suave. O cheiro de vinho sempre atiçava o paladar, agradeceu o garçom por instinto, mas Cayden permaneceu em silêncio até os funcionários saírem. Se ele costumava levar clientes ali ninguém estranharia a discrição. Era o disfarce perfeito para alguém no armário, precisava admitir.
— Nunca tinha comido desses. — Cayden parecia curioso com o bolinho de arroz mordido entre seus dedos.
— Eu adoro. — Estava quase se queimando para comer mais rápido. — Posso perguntar por que me chamou?
— Em resumo, meu chefe se irritou com meu número de horas trabalhadas esse mês e me deu dois dias de folga — Cayden girava o vinho dentro da taça ao falar. — Então finalmente tive tempo livre para te ligar.
— Por que não estou surpreso que você trabalhe a esse ponto? — Deu risada, lembrando que Cayden o encontrara na rua às três da manhã saindo de uma conversa de trabalho.
Deixaria o comentário sobre “Seu chefe, você quis dizer seu pai?” para outra hora.
— Como assim?
— Esqueceu da matéria que fiz, Sr. White? — Sorriu ao pegar a própria taça de vinho, o cheiro não parecia de vinho tinto pelo menos. — Eu sei tudo que há para saber sobre você, alguém com tantas conquistas somadas a um diploma em direito como melhor da turma em Harvard. Ou você estava comprando tudo ou é um workaholic.
O vinho era relativamente suave e doce, mas a ardência na garganta indicava que o teor alcoólico não era tão sutil a ponto de poder se descuidar.
— Só gosto do meu trabalho. — Deu de ombros, claramente não vendo problema naquele modo de viver. — E, com todo respeito, Sr. Harris, nós dois sabemos que não sabe metade do que há para saber sobre mim.
Andrew corrigiu a postura na cadeira, deixando a taça sobre a mesa e se servindo de outro aranchini.
— Adoraria descobrir.
A resposta finalmente arrancou um sorriso com intenções claras de Cayden, mesmo que ele tenha disfarçado em seguida. Pelo que conseguia perceber, não era tão difícil quebrar as reações de plástico dele fora do escritório.
— E você, Andrew, o que há para saber sobre você?
— Não muito. Nasci e cresci em Siracusa, meus pais vieram para cá quando eu tinha uns treze anos. Voltaram pouco depois que fui para Boston, voltei alguns meses atrás para procurar emprego porque estava cursando menos matérias.
— Seus pais preferem Siracusa?
Negou com a cabeça.
— É para estarem perto da família, meus avós estão velhos. Eu preferi estudar, o plano original seria voltar também, mas agora…
— Entendo. Está se estabelecendo bem, deve ajudar.
— A vista compensa, às vezes. — Sorriu descaradamente, não tinha as preocupações com discrição de Cayden.
A sobrancelha ruiva se erguendo foi resposta suficiente àquela gracinha. O aranchini acabara e não havia nada além do papo e do vinho para os fazer companhia no segundo andar.
— Mas estou me esforçando para dar certo no jornal — prosseguiu pegando a taça, precisava tirar aquele amargor da boca. — Não quero depender mais do dinheiro deles e voltar para casa está fora de cogitação. Você tem razão sobre a Donna.
— Tem quantos anos, Andrew?
— Vou completar 23.
— É uma boa faixa para impor esses limites. Não tenho esse tipo de problemas, mas é importante ter independência, por isso tenho meu apartamento desde que me formei. Claro, é bem mais arriscado para você.
— Pois é. — Bebericou mais do vinho. — Sucesso é a única opção pra mim, então até entendo seu lance com trabalho. Deus sabe quantos sapos engulo todo dia e os calos que o sapato social já está me dando de tanto correr atrás de tudo pra todo mundo na redação.
— Acredite ou não, sei exatamente como se sente — Cayden sorria de um jeito triste. Andrew imaginava algo do tipo, ele sendo o filho adotado. — Quando estagiei na promotoria era um inferno, meu chefe fez gato e sapato de mim por três anos. Mas só saí quando tive certeza que aprendi tudo que queria.
— Por que valia a pena? — Andrew torcera o maxilar, se Cayden estava mesmo falando em meritocracia para ele usaria a nota de 50 para pagar o táxi para voltar para casa.
— Não exatamente, claro me fez um criminalista melhor trabalhar com a promotoria. Conheço policiais, posso pedir favores quando preciso, conhecer o proceder real com pé no chão é valiosíssimo. — Cayden suspirou e deu um gole longo no vinho. — Mas conhece meu histórico, já me viu largar algo pela metade? Sucesso é a única opção sempre.
— Seus pais são exigentes?
Cayden riu como quem ouve uma ótima piada.
— Não, não acho que se importem. Mas eles adotaram um ninguém e me sustentaram por mais de uma década. Já sujei o nome deles o suficiente por simplesmente usar ele por aí, sabe? — Girava o indicador na boca da taça. — Dar trabalho é algo para filhos biológicos, não crianças que podem voltar para o Foster Care no minuto que virarem um problema.
Aquilo soava meio óbvio sabendo que Cayden ficara quase dois anos em lares provisórios, ao mesmo tempo sua mente preferia viver na fantasia. Não pensava em como aquilo marcaria alguém, portanto não chegava àquele tipo de conclusão dolorosa sozinho. As conquistas intermináveis, o trabalho que não acabava nunca, era óbvio que ele se sentia em dívida e aquele perfeccionismo era uma forma de pagar. O oposto de não causar problemas é criar soluções, afinal. Elevava o nome White às alturas consigo, mesmo não sendo um “de verdade”.
O prato principal finalmente chegara, matando a conversa naquele ponto desconfortável. Cayden White era muito mais que o príncipe da narrativa épica de sua matéria. Era um homem calejado, alguém de passado muito bem enterrado pelos White.

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