— Então. — Cayden sorria de um jeito engraçado, como quem olha uma criança comendo a areia da caixa em vez de fazer um castelo. — Seus pais já sabiam que estava levando um namorado pra casa e sua mãe ainda surtou depois?
— Nem faz sentido, né? — Andrew forçou um riso nasalado. — Tive que dirigir no meio da noite do Dia de Ação de Graças até Boston graças a isso, coitado do Jonathan.
— Jonathan?
— Era meu namorado na época — explicou bebendo mais um pouco de água.
O risinho do White se alargou, deixando muito mais que óbvia a razão daquela pergunta. Achava até bonitinho um cara que se preocupava em não pegar alguém compromissado. Não tinha a menor preocupação com isso em seus rolês. Se chegavam nele e eram bonitinhos, a aliança não era dele para se preocupar com chifre doendo na cabeça de ninguém. Andrew era solteiro. Livre, leve e solto na pista há alguns anos já. Bom, ninguém procurava o amor de suas vidas nas casas noturnas que frequentava também.
— Cara, se eu não estivesse solteiro não estaria aqui — aquele comentário era um patrocínio do vinho Leroy Domaine sei lá o quê, safra de sabe lá Deus quando. Andrew não se ocupara em decorar todas as palavras ditas pelo garçom.
Desejou entornar a água, mas se bebesse mais alguma coisa acabaria vomitando por ter comido demais. Puta merda, Andy. Seu único trabalho era se manter sóbrio para acabar na cama daquele homem, mas lá estava ele falando mais do que deveria. Só podia rezar para Cayden gostar de gente com a língua solta pelo álcool.
— Como consegue ficar alto com uma taça de vinho? — Cayden corrigiu a postura na cadeira, parecendo cruzar as pernas por baixo da mesa.
— Espere até me ver depois de um shot de tequila. — Deu de ombros. Estava na chuva pra se molhar, afinal.
— Quer descobrir por que não encontrou nada sobre meus relacionamentos antigos? — O sorriso plástico retornara a face do White, dando espaço ao advogado prodígio no lugar do ruivo de riso fácil. Andrew engoliu seco e fez que sim, apesar de já ter suas suposições.
Cayden pediu a conta e pagou antes que Andrew pudesse pensar em muito além de como não gostava daquele sorriso plástico. Logo estava no carro com uma folha sulfite entre suas mãos suadas, o cheiro de produto de limpeza do carro irritava seu nariz. Pigarreou, estava alto, não maluco para ser incapaz de ler o conteúdo daquilo.
“Termo de confidencialidade e sigilo” os campos de dados pessoais estavam com linhas para serem preenchidas. O contrato tinha três folhas e era claramente diferente de qualquer termo do tipo que já vira, focava unicamente no sigilo daquele relacionamento com algumas cláusulas intrigantes.
— Não vou reclamar desse lance de cobrir despesas médicas, mas está querendo me bater ou o quê? — Andrew ria de nervoso, uma seção inteira dedicada ao tópico. Ele não poderia pagar se machucasse Cayden, então tinha razões para se preocupar.
— Acidentes acontecem, Andrew. — Cayden ria com um braço apoiado no volante. — Sou advogado, é tudo questão de garantia e segurança.
Não negaria que já tinha ouvido histórias dos estudantes de direito processando até a empresa da máquina de doces do corredor, então nem se surpreendia muito. Já supunha que Cayden usava contratos do tipo para não ter conseguido uma mísera informação — o valor da multa em caso de quebra deixava bem claro o porquê —, mas ainda era meio estranho. Talvez fosse o vinho.
— Não que seja da minha conta, mas deve ser um saco tudo isso pra ficar uma noite com as pessoas. — Apertou o botão da caneta, aqueles campos não se preencheriam sozinhos. Ainda bem que o contrato estava preso numa prancheta, a luz do carro não era nem de longe a ideal, porém. — Foda mais burocrática da minha vida. — Pensou alto num murmúrio que fez Cayden rir escondendo a boca por trás da mão.
— Eu não tenho casos de uma noite, Sr. Harris.
Foi a vez do risinho de Andrew se alargar. A natureza do contrato era clara, uma amizade-colorida em critérios jurídicos basicamente. Duvidava que Cayden fosse de namoro sério em padrões comuns, não haveria como manter sigilo dessa forma, mas gostava de saber que aquilo era mais do que uma noite. Aquela parte católica e filha de seus pais sempre se alegrava com isso. Suas noitadas sempre eram sucedidas por um sentimento atordoante de culpa.
— Só tem um problema — disse ainda preenchendo os campos.
— Posso alterar qualquer questão que te incomodar.
— Não, é tranquilo pra mim. O problema é que avisei meus amigos que ia sair com você, na verdade ele sabe onde meu celular está em tempo real — Riu de nervoso. — Questão de garantia e segurança — repetiu tentando aliviar o climão que aquele tópico costumava causar.
“Então eu acho que você talvez seja um serial killer, avisei meus amigos pra polícia poder achar meu corpo depois.” Nunca era o melhor assunto de seus primeiros encontros.
— O contrato não é retroativo, então tudo bem. Só não pode dizer que isso foi um encontro e nem divulgar meu endereço por aí. Tenho inimizades bem violentas do meu tempo na promotoria. — Cayden não soava nem um pouco surpreso ou deesapontado. — Me desculpe.
— Por me fazer usar meu pulso dolorido nisso? — Terminava de preencher seu endereço.
— Por ter que mentir para os seus amigos.
— Quando estávamos no último ano da escola ele pegou um cara casado e eu só soube anos depois. Então acho que tudo bem.
Cayden o encarou com incredulidade palpável por alguns instantes, mas Andrew terminou de assinar o contrato e o fez se mover. O advogado conferiu todas as folhas antes de dar partida no carro para fora do estacionamento. Andrew desligou a localização do celular enquanto avisava a Teodoro “Me deve 30 dólares, ele queria falar da matéria no jornal. Indo pra casa de táxi aqui.”
***
Cayden morava num complexo de apartamentos fechado, foi preciso passar por um postinho com guarda para liberarem a entrada do carro no estacionamento. Os carros que identificava pelo lugar, assim que desceu do carro, não eram tão caros quanto o de Cayden, mas ainda eram algo que jamais sonharia em cobrir com seus míseros cinco dígitos anuais. O estacionamento subterrâneo era frio e lhe causava arrepios.
— Por sinal… — comentou Andrew assim que o elevador se fechou, Cayden pressionava o botão do décimo primeiro andar. — Não é meio contraintuitivo trazer os caras pra casa se tem tanto cuidado? Ainda mais você sendo famoso.
— A única forma de saber que estou acompanhado é pelos vídeos de segurança do prédio. — Cayden se encostou no fundo do elevador. — Os funcionários têm contratos de sigilo com a empresa de segurança, eles só têm a perder. É um risco besta para viver paranoico e ainda posso negar, não tem nada de estranho em trazer amigos pra casa.
— Você parece um mafioso.
— Só trabalho pra alguns.
Andrew não tinha ideia se aquilo era brincadeira ou não, mas alguém capaz de defender um assassino confesso certamente defenderia criminosos do colarinho branco. O resto do percurso foi preenchido pela musiquinha do elevador e o som dos passos deles em direção à porta do apartamento 207.
Lembrava-se bem do espaço, mas ainda ficava incrédulo por aquele homem não ter uma televisão. Talvez fosse por motivos religiosos? Não fazia ideia e a taça de vinho não bastava para comentar. Tudo simples demais, pequeno demais, cores neutras demais. Impecavelmente limpo também, como se viva alma não habitasse o lugar, o cheiro de desinfetante no carpete parecia recente — e irritava o nariz.
— Vou pegar uma água pra você. — Cayden ria após trancar a porta, Andrew não estava em posição de negar o quanto era fraco pra bebida.
Sentou-se no sofá, nada parecia diferente no apartamento. Tudo estava limpo, a mobília poderia ser resumida em “estritamente necessário para viver”, observou Cayden abrir a geladeira que tinha duas garrafas de água cheias, dois potes aparentemente lacrados de cupnoddles e uma travessa coberta com plástico filme. Começava a se perguntar se aquele homem realmente morava ali. Tirou a jaqueta e respirou fundo, aqueles detalhes não importavam contanto que a cama fosse boa. A julgar pela qualidade daquele sofá supunha que sim.
— Aqui. — Cayden o entregou o copo e sentou em seguida, cruzando as pernas por reflexo.
Andrew queria ocupar a boca com outras coisas, mas preferiu beber a água logo. Cayden tirara o casaco também, expondo mais seus braços musculosos que marcavam bem na camisa de manga longa.
— Nunca mais te deixo beber comigo. — Cayden meneava a cabeça ao falar.
— Desculpa — pediu entre goladas.
Não estava nem perto de estar bêbado de verdade, mas conhecia mais de um cara que tinha critérios mais exigentes que a lei seca para dormir com alguém.
— Tudo bem. Precisamos conversar de qualquer forma — Cayden soltou o rolex do pulso e suspirou.
— Um contrato e ainda tem mais? — Deu risada, nem era culpa do vinho.
— Tem, gosto de colocar os pingos nos Is — Arrumou-se de lado no sofá, os olhos verde-chá cravados em Andrew. — Antes de mais nada, não curto sexo baunilha. Ent-
— Com todo respeito, Cayden. — Colocou o copo vazio no braço do sofá. — Vivo em clube e casa noturna, pareço o tipo de trouxa que tem medo de chicote? — Cruzou as pernas também. — Não vai ser o primeiro cara a meter uma coleira em mim, nem se me desse cocaína seria o primeiro. Me respeita, mano.
— É muito bocudo, Andrew. — A sobrancelha arqueada não diminuía o risinho de canto. Fazia um tempo que não achava um Dom capaz de apreciar seu temperamento, mas o destino parecia estar a seu favor. — E você conhecer algo e entender é bem diferente, então não vai fugir dessa conversa com suas noitadas.
— Não sendo edge play eu tô dentro — Deu de ombros, abrindo os braços nas costas do sofá em seguida.
Cayden o olhou com aquele riso maroto de novo, talvez tentado a provar que aqueles não eram limites muito bons para saúde dele.
— Indo pelo começo, é top ou bottom?
— Switcher, mas se você curte dominação não tenho problema em ficar por baixo sempre.
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra, Andrew. — Cayden seguia rindo da cara dele. Queria arrancar aquele risinho maroto com um beijo. — Agora, não nos conhecemos então não sabemos os limites um do outro. Não sou profissional, então nem ferrando que vou encostar a mão em você de cara.
— Tem burocracia até pra apanhar?
— É sua integridade física, Andrew, devia ter mais cuidado com os malucos que se mete por aí.
Respirou fundo, estava ansioso e estressado pelo dia de trabalho. Cayden tinha razão, mas ele só queria ser macetado contra a cama até esquecer da dor nos pés, os problemas com Donna e de quanto dinheiro realmente precisava ganhar para ser independente. Era pedir demais? Conseguiria fácil em qualquer clube rapidinho, mas Cayden tinha mais processos seletivos que Harvard.
— Certo. E o que você acha melhor então?
— Começar devagar — Cayden se aproximou, puxando-o pelo queixo e trazendo o rosto de Andrew para perto de si. — Nos conhecermos melhor, fazer tudo seguro, são e consensual. Vai descobrir que é bem mais gostoso assim.
Começou como sempre começava: lábios se colando. Simples, suave, macio. Amoleceu no toque dele, uma mão grande pesava em sua cintura, puxando-o até o colo do White. Foi ali que percebeu estar em apuros com aquele homem, quando a umidade rompeu a linha de seus dentes. O beijo tinha gosto de vinho, quente e lânguido. O fôlego faltava, fosse pela valsa ou pelo tesão, Andrew nem se importava. Passou um braço por cima dos ombros dele, impulsionando-se para cima apoiado nos joelhos. Fazia tempo que não gamava tanto num simples beijo.
Cayden cheirava a perfume amadeirado que não demorou muito a fazê-lo espirrar. Precisava avisar sobre a rinite para manter o “seguro” então.

Comments (0)
See all