E então abriram-se seus olhos, despertando de um sonho ruim, o mundo era turvo e confuso, seu corpo não respondia a seus comandos, mas mesmo assim o jovem rapaz tentou despertar. Este é Sentoki Akaihono, um jovem de dezessete anos, cabelos vermelhos bem espetados com uma mecha branca, e atualmente sem camisa e amarrado, em um tipo de caverna.

- A senhora Kagami não me preparou pra algo tão complicado... - Ele murmurou, ainda tonto. Não conseguia sentir direito os braços, estava amarrado em alguma tora de madeira encostada na parede. 

Antes que pudesse pensar em algum plano pra fugir, ele foi surpreendido com pisadas, duras e desajeitadas, e atrás delas risadas no escuro da caverna.

- Gehahahah - Uma voz feia e estridente riu, gerando calafrios na alma do garoto - Parece que o nosso lanche do dia despertou meninos! – A voz se aproximou mais e mais, se revelando como um ser feio e imundo, baixo, verde como musgo e com orelhas espetadas como lanças, neste mundo são conhecidos como goblins. Foi um bando desses monstros que capturou o jovem e agora cercavam ele como abutres.

- Quem são vocês... O que querem comigo... Não sou ninguém... - Disse o jovem com o pouco de força que conseguia.

- Ora, Para responder sua pergunta, que é muito curiosa, eu digo. Somos o bando de goblins da colina negra, heheheh - O monstro parecia curiosamente entretido em prolongar o desespero do rapaz - Queremos, é claro, como é comum por essas partes, devorar você.

- Não! - Gritou o jovem - Que tipo de lugar é esse, não me matem, mal cheguei aqui! - Suor frio pingava de seu rosto, e era visível a tremedeira no seu corpo.

- Ora, isso explica a falta de conhecimento, você é estrangeiro, não é? - o Goblin agora abria uma cara de espanto e curiosidade, se aproximando mais do garoto. - Isso também explica os panos e armas exóticas que trazia consigo, pensamos que era algum tipo de clérigo ou bruxo, enviado para nos enfrentar, mas acho que nos enganamos, não é?

- S-Sim, eu não sou uma pessoa importante, sou só um andarilho qualquer, me deixem ir embora - O seu desespero diminuía.

- Gehahahah – Uma risada estridente rasgou a caverna. - Tolo, e daí que é um qualquer? Hahahahah! Não seja estúpido, vamos te desmontar, te assar, e te comer de qualquer jeito!

Os olhos de Sentoki começaram a lacrimejar ao ouvir essas palavras, e suas esperanças foram reduzidas. Enquanto ouvia o riso diabólico do líder dos goblins, fechou os olhos e começou a relembrar...

Já estava fazendo uma semana desde o desaparecimento de sua irmã Fuyu Akaihono, e Sentoki não conseguia descansar, todos os dias saía de casa para procurá-la, mas nunca recebia notícias positivas. Em um fatídico dia decidiu buscar em algumas áreas mais distantes, em outras cidades, e então foi quando aconteceu, enquanto atravessava uma ponte, tropeçou e caiu na avenida abaixo, e a última memória de que se lembra é do caminhão se aproximando e uma dor muito forte.

E então, abriram-se seus olhos, despertando de um sono profundo, Sentoki acordou, e se viu deitado, em uma sala completamente negra. A sua frente um grande trono reluzia dourado, ornado com joias e tesouros a seus pés, e sentada em seu acolchoado banco, residia uma mulher, com uma beleza tanto humilde quanto surreal, de pele tão clara como a lua, brilhando imponente naquele infinito escuro. Seus longos cabelos tinham um cintilar azul e branco, e seus olhos esbanjavam importância. Sentoki ao relembrar imagina que se passaram infinitos milênios enquanto ele observava a beleza daquela mulher, porém, apenas se passaram poucos segundos, quando ela quebrou o silêncio com sua fala espectral.

- Salve, Sentoki Akaihono, o portador da coragem, e convocado especial da senhora que reside a sua frente, deusa dos mares e da verdade, Kagami. Sei que pode parecer de súbito, porém devo dizer, estás morto, e foi convocado para meu mundo, pois tenho interesse particular em você.

Novamente o silêncio retornou por algum tempo, porém dessa vez um novo tipo de confusão invadia a mente do jovem Sentoki. Dessa vez ele quebrou o silêncio, levantando-se do chão.

- Surreal, realmente, não tenho palavras e minha mente está uma bagunça, senhora. - E então ele se ajoelhou. - Mas agradeço por ter me dado uma segunda chance, a senhora talvez não saiba, mas tenho uma missão importantíssima para cumprir, e o bem-estar de minha irmã depende disso.

- Sim, tenho conhecimento de sua missão, e te trouxe aqui porque acho que posso te ajudar a completar sua busca, e encontrar sua irmã.

Sentoki parou e a olhou, boquiaberto, se sentia pequeno e burro perto de uma deusa tão sábia.

- Sua irmã não desapareceu ou foi raptada por homens, Sentoki. Ela foi sequestrada, sim, mas por forças do mal muito poderosas do meu mundo.

- O-Oque? Como?

- O lorde das trevas foi morto por quatro heróis sagrados, a cinco mil anos atrás. Derrotado e humilhado ele jurou vingar-se e retornar ao mundo, dominando e destruindo tudo a sua volta, nos últimos três mil anos sua influência começou a ser sentida no meu mundo, que aos poucos se tornou infestado com criaturas das trevas, distorcidas e imundas. Recentemente descobri que parte do plano do lorde das trevas é de renascer no corpo de uma mortal, mas não uma mortal qualquer...

- Minha irmã? - Disse o jovem, tentando processar toda aquela informação.

- Exato. Não sei o motivo, mas aparentemente ele necessita de uma alma pura de outro mundo, e ele acabou trazendo sua irmã. Atualmente ela se encontra nas catacumbas do castelo de Hellscape, cristalizada com algum tipo de magia negra.

- Como... Como posso resgatá-la, senhora Kagami?

- Bom, os altos servos e campeões do inimigo saíram em marcha, em busca de artefatos perdidos, conhecidos como os tesouros sagrados. Artefatos mágicos usados pelos heróis que destruíram o lorde das trevas pela primeira vez. Estão em busca de usar a magia dos tesouros sagrados pra realizar a ressurreição e reencarnação do inimigo. E se pudermos impedir que isso aconteça, poderá resgatar sua irmã. E se fizer isso, realizarei um desejo que seu coração peça.

- Caramba... Bom, só me aponte a direção e eu vou pra esse castelo agora mesmo – Ele abriu um sorriso, como se já tivesse resolvido sua confusão e entendido sua missão.

- Não seja um tolo Sentoki, não pode invadir a fortaleza do inimigo, preste atenção nas minhas palavras. Tens que recuperar os tesouros sagrados, são doze ao todo, se conseguir fazer isso, conseguirá resgatar sua irmã.

- Oh certo, certo, então só me mostre onde estão os tesouros e pra lá eu irei.

- Você realmente é um homem corajoso, Sentoki Akaihono. Porém, antes de te mandar na sua missão, vou te dar novas vestimentas e novos equipamentos.

E então foi feito, com um estalar de dedos uma luz surgiu no corpo de Sentoki, e lá estava ele, vestido num manto branco, com uma de cruz vermelha no peito, em sua cintura uma pequena bolsa com alguns itens, e em sua mão um tipo de bastão curto, como o cabo de uma espada sem lâmina alguma.

- Considere-se agora um cavaleiro pessoal de sua senhora Kagami. Essas vestes refletem isso, e será aceito em qualquer igreja de meus seguidores no meu mundo enquanto vestir esses panos. Na sua pequena bolsa de cintura tem uma bússola que te ajudará a se localizar, dois pequenos frascos com poções de cura, uma faca curta e uma corda pequena. Na sua mão está um item magico, chama-se Bastão de Dorobou, é uma arma muito poderosa, que pode tomar a forma de qualquer arma do mundo, contanto que você tenha habilidade de usá-la. Fique de olho em itens mágicos, pois eles são muito poderosos e vão te ajudar bastante.

- Certo, isso parece ser bem útil e poderoso, obrigado mesmo senhora.

- Então direi suas primeiras direções. Alcance a cidade de Hirugard, ao Norte, e lá terá aconselhamento entre meus seguidores. Evite as montanhas ao viajar, coisas das trevas escondem-se na escuridão. Tome cuidado Sentoki, e boa sorte em sua jornada. Não posso me envolver diretamente e afetar o meu mundo, mas espero que você triunfe e resgate sua irmã.

E então novamente os dedos se estalaram, e antes que Sentoki pudesse agradecer ou fazer qualquer pergunta, uma luz forte o engoliu, e então toda a realidade deixou de ser real. Quando ele abriu os olhos, estava de dia, sentado em uma pedra chata e redonda, com algumas pedras de mármore jogadas ao redor. Parecia um tipo de altar abandonado. Sentoki olhou ao seu redor e sentiu-se maravilhado com esse mundo surreal e fantástico. Estava no topo de uma planície vazia, deu passos na grama e sentiu um forte cheiro de flores, viu à distância, no horizonte, linhas de árvores, montanhas, e vulcões. Finalmente se tocou, estava em um lugar completamente diferente, medieval e alienígena a seu mundo normal, lembrou-se de jogos de RPG que costumava jogar quando era menor e abriu um sorriso. Antes que pudesse se perder na alegria de estar em um mundo fantástico, ele se lembrou de sua missão, e então começou a marchar, com a bussola em uma mão, e o bastão de Dorobou na outra. 

Passo vai e passo vem, sempre seguindo ao Norte, Sentoki já havia andado cerca de oito quilômetros, já eram, aparentemente, três da tarde e o sol brilhava forte. O jovem já estava perto de sair da área de planície, já podia ver a linha das árvores se aproximando, e então quando menos pensava adentrou a floresta sem hesitar. Nos primeiros minutos na floresta focou em procurar comida, colhendo frutas de arbustos e árvores menores. Encontrou frutinhas como uvas azuis, e frutas maiores que cabiam na palma da mão como laranjas avermelhadas. Depois de alguns minutos decidiu se sentar em uma área mais afastada e provar o sabor das frutas, a pequenina tinha um sabor doce como geleia e desmanchava na boca, a maior tinha um gosto doce e azedo, e com uma textura de goiaba, era bom e comeu o bastante para se sentir farto. 

Sentoki descansou algumas horas, e quando o sol começou a se pôr ele decidiu seguir em frente. Continuou em direção ao Norte. Vez ou outra ele passava por algum animal selvagem que olhava pra ele e corria de medo, aves e quadrupedes, viu um pouco de tudo, e quando a noite chegou por completo começou a ouvir uivos e rosnados à distância. Quando sentia medo pensava em sua irmã, quando se sentia despreparado pensava na proteção da deusa Kagami, e assim ele prosseguiu, até o nascer do sol, sem ser incomodado pela fauna local. 

Já eram oito horas da manhã, e então ele surgiu do outro lado da floresta, saindo em direção pra uma área ampla, com muitas regiões montanhosas e uma estrada de terra. Desceu até a estrada e continuou seguindo por ela, tinha a esperança de chegar em Hirugard logo. Quatro horas depois, o sol brilhava forte e a estrada estava se aproximando demais das montanhas, porém Sentoki preferiu se manter junto a estrada, que parecia mais segura. Meia hora de caminhada, e então ele ouviu as pisadas e os gritos, sentiu um golpe forte na cabeça e quando se deu conta, já estava em um sono profundo, sonhava com sua irmã em desespero, gritando pelo seu nome, sofrendo nas garras do inimigo.

Sentoki abriu seus olhos e então estava de volta ao presente, amarrado e sendo humilhado por carniças que riam em frente a sua presa, ele estava assustado, mas por algum motivo agora sentia uma raiva se gerar e crescer dentro dele. Seus olhos pararam de derramar lágrimas, e ele só conseguia focar no rosto imundo do goblin à sua frente. Não foi dita nenhuma palavra, e não foi ouvido som nenhum além das gargalhadas demoníacas dos goblins naquela caverna, eles riam enquanto espetavam os braços e pernas de Sentoki com suas lâminas, o ódio do jovem o ajudou a focar e ignorar a dor, mas já estava perdendo as forças. Ele fechou os olhos novamente, e então sentiu como se as risadas diminuíssem, aos poucos, não sabia se estava perdendo a consciência ou morrendo, mas aos poucos os risos foram diminuindo, se reduzindo, e então pensou ter escutado gritos de dor. Ele abriu os olhos novamente e em pé na sua frente estava uma mulher, com um olhar mortal, pele clara como a neve e cabelos negros lisos, enrolados em um coque acima da cabeça, usando uma roupa curta sem mangas que deixa o umbigo amostra e um calção de pano longo, e deitados a seus pés descalços estavam os corpos dos goblins, quebrados, sangrando, mortos.

- Você está vivo? - Ela perguntou, parecendo levemente irritada.

- Sim, mas por pouco, sinto dores pelo corpo todo...

- Certo vou te ajudar. - E então ela começou a desatar as amarras.

- Ugh obrigado, aliás me chamo Sentoki Akaihono, novamente, obrigado por me salvar.

- Prazer Sentoki, me chamo Ashi Totsuzenshi.

Ao olhar melhor pra moça Sentoki notou como ela tinha orelhas pontudas, pensou nas elfas de videogames, apesar de elas serem loiras de onde ele veio.

- Posso te perguntar o que fazia pelas redondezas? Todo mundo conhece o perigo das colinas negras, esse grupo de goblins é só uma pequena parcela de todos os que moram nessas cavernas. - A garota parecia preocupada, mas também furiosa com o viajante idiota.

- Bom, na verdade eu estava à caminho de Hirugard, vim bem do Sul, e acabei me perdendo, não tenho nada além de uma bussola e direções.

- Hm. Bom você tem sorte, eu estava planejando um ataque a esse esconderijo goblin já faz algum tempo, você me ajudou a distraí-los o suficiente pra que eu pudesse entrar e derrotar todos os inimigos.

Ele sorriu e se levantou com dificuldade, ambos andaram juntos e enfim encontraram os pertences de Sentoki, abarrotados numa caixa de madeira velha. Ele vestiu seu manto e então tomou uma das poções, curando todas as suas feridas instantaneamente. Ashi olhou pra ele com os olhos arregalados.

- I-Isso é realmente uma poção de cura? E das poderosas ainda por cima... - Ela estava espantada.

- Sim, é uma longa história, mas basicamente foi sua deusa que me deu essas roupas e essas coisas que eu carrego.

Ashi ficou sem palavras por alguns segundos, aquela situação parecia completamente surreal pra ela, como poderia alguém com itens tão poderosos ser refém de goblins fracos. Ela decidiu não fazer perguntas por enquanto.

- O que quer que seja, vai ter que me contar sua história mais tarde. Venha, vou te levar até o meu vilarejo aqui perto, precisamos descansar depois de um dia tão cheio.

- Certo, não sei nem que horas são atualmente.

- Onze da noite.

- Sério? Puxa eu dormi bastante...

E então eles saíram, seguindo um corredor pedregulhoso até a entrada da caverna. A noite reluzia prateada, com a lua cheia brilhando poderosa acima de tudo. Desceram uma ribanceira e seguiram um caminho estreito para Oeste e depois Norte. Caminharam mais ou menos por uma hora até chegar no vilarejo, que era pequeno e humilde, com algumas dezenas de casas feitas com tijolos simples, Ashi não disse muita coisa, só o levou até sua cabana e preparou uma rede improvisada pra ele. Sentoki dormiu como uma pedra ao deitar-se na rede, todo seu cansaço finalmente tomou posse de seu corpo e ele desmaiou. Ashi saiu por alguns minutos e voltou banhada, ainda demorou alguns minutos ponderando até se deitar para dormir.