Era Ano Novo.
Estava sentado no bar com os meus amigos e falávamos dos mesmos assuntos bobos de sempre. Eram as mesmas risadas e os mesmos olhares; nada incomum, nada diferente, mas eu sentia a tempestade se formando.
Observando meu reflexo no copo, eu sabia que não era uma tempestade como as outras. As outras transbordavam, me faziam sorrir, como se eu estivesse desbravando o mar furioso, enfrentando raios e trombas d’água. Elas me traziam alegria e me deixavam voar livre na tormenta, mas essa…
Essa era diferente.
Era seca, era oca, era vazia, era fria, esmagava meu peito e ardia os olhos. Me jogava no deserto furioso e alçava meu corpo no turbilhão de areia. Onde começa o mundo? Onde ele termina? Eu já não sabia. Estava à mercê do vento gélido. Minha vontade foi dilacerada pela areia e meu reino esmagado pelas dunas.
Perdi tudo.
Não sou mais quem costumava ser.
Isso me assusta.
Tenho medo.
Alguém me ajuda…
Qualquer um…
As risadas alegres invadem meus ouvidos, mas são tão falsas. Elas arranham meu coração clamando por sangue. O tremor de minhas mãos é contido no sorriso congelado no rosto. Eles não podem ver minha tempestade. Eu não vou deixar que vejam.
Isso vem e vai em ondas, é sempre assim, sempre assim... Eu posso ver nossos corações, que outrora transbordavam de alegria, desaparecendo nas ondas do deserto.
A voz, que achei ter sufocado, agora escorre pelos meus dedos e eu não posso fazer nada. Enfrentando os ventos da tempestade, atravessando sem rumo o deserto, encontrei nosso quarto vazio.
Eu não fui o suficiente?
O silêncio é a resposta mais cruel, mas é a única que eu tenho. Às vezes, a corrente segurando seu anel de ouro parece tão pesada.
Isso vem e vai em ondas, soterradas pelas areias do deserto, as memórias que compartilhamos parecem turvas. Você levou tudo quando se foi, me deixando só a tempestade quando se foi.
Se ninguém tem culpa, então o que eu faço com a culpa que eu sinto?
Isso vai e vem em ondas, escapa do meu controle e me leva para longe.As dunas do deserto que nos levam para longe, nos roubam, nos destroem, nos machucam…
Será que machucam mais que os vidros no asfalto? Será que machucam mais que a lataria prata amassada e tingida de vermelho? Se você caiu, por que tirou os sapatos?
Será que foi rápido?
Voltei minha consciência para a conversa e ela continuava como se nada tivesse acontecido, mas todos viam sorrisos nervosos e o consenso silencioso de que o deserto havia engolido nossos sentimentos. E eu, sentado lá com um nó na garganta e o peito acelerado, me resignei ao silêncio frio, seguindo o rumo que a tempestade me conduzia.
Agora, a explosão dos fogos colorindo o céu noturno marcam a passagem do tempo, marcam mais um ano sem você.
O que eu deveria ter feito?
O que eu poderia ter feito?
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