Algures por esse vasto universo, existiu uma rainha que não tinha coroa nem terras. O seu castelo era o seu reino. Todos naquele castelo admiravam-na, pois esta era uma pessoa amável, disponível para ajudar quem passava pelo seu pequeno reino e muito carinhosa. Tinha uns lindos cabelos e olhos azuis. No entanto, ela escondia um grande problema. O seu coração perdeu a cor natural de azul-turquesa, para uma estranha mistura de cores. Ela não demonstrava o seu sofrimento, pois há muito anos aprendeu que o mundo não gosta de gente triste e queixosa. Teve de aprender a esconder as suas emoções e meter um sorriso na cara mesmo que o seu mundo esteja a cair.
À noite, quando todos iam embora para os seus reinos e planetas, a rainha sem coroa sentava-se no seu trono e chorava, chorava e chorava até o sono a abraçar.
A mudança de cor do seu coração derivou dos constantes falhanços da sua vida amorosa, ora porque quis, ora porque não quis. Nestas circunstâncias, o que poderia fazer uma jovem criatura que nunca ninguém ensinara a amar e teve de aprender sozinha? Que culpa tinha ela pela sua ignorância perante o amor? Ninguém nasce sabendo as regras. Infelizmente, a Vida não foi uma boa aliada, mas com os falhanços lá foi aprendendo. Pelo caminho foi rejeitada, foi abandonada, mas também ela não foi nenhuma inocente: ninguém é inocente quando se trata de amor e sobre a Vida. Pelo caminho teve de libertar o amor para salvar quem amava e deixá-la seguir o seu caminho, porque foi a melhor coisa a fazer para ambas. Tal como ela esperava, ela foi uma vilã numa história de alguém. Somos todos vilões em algum momento da Vida, isso ninguém escapa. Santos e santas estão as igrejas cheias e já não existe mais espaço. Com as partidas da Vida e das desventuras, o coração desta rainha ficou doente e é aqui que a sua história começa.
A rainha decidiu viver só com o seu coração, cuja cor não lhe pertencia. Quando não recebia visitas, ficava na companhia dos seus dragões, que vigiavam dia e noite o seu pequeno reino.
A rainha sabia que mudar a cor do coração é muito difícil, para não dizer quase impossível, mas ela não era uma pessoa que desiste facilmente. Eventualmente, ela encontraria uma solução. Como? Ela não sabia. Mas uma coisa é certa, ficar parada a lamentar-se e repetir os erros do passado não seria a atitude mais adequada a tomar.
A rainha embarcou numa jornada para tentar mil e uma coisas para mudar a cor do seu coração. Ela tentou apagar as memórias do seu passado, mas não resultou. Ela desapareceu dentro do seu castelo, o que piorou ainda mais o seu sofrimento. Ela até selou os seus sentimentos dentro da sua alma, mas de nada lhe valeu. A rainha ficou muito doente e o coração continuava da mesma cor. Às vezes, a única coisa a fazer quando um problema não tem solução é aceitar e conviver com ele. O passado é passado, e não podemos mudá-lo. O futuro não está sob o nosso controle. Muitas vezes, temos de aceitar as coisas como elas são.
Não mandamos no coração. Porém, as estrelas que, de certa forma, estavam junto dela, alertaram-na, diversas vezes, para que esta não se deixasse iludir, até porque ainda não era o tempo certo. Mas a Rainha sem coroa acreditava no amor.
Ela tentou, mas a vida não lhe ajudou. Pior, a Vida fez-lhe uma rasteira e caiu levando consigo quem amava. Como a rainha odiou a Vida. Teve de libertar quem amava para ela. A Vida às vezes oferece coisas e depois quando quer pede de volta. Só ela sabe as suas próprias razões, pois é eterna e dona de tudo o que vive. A rainha decidiu ficar sozinha, não teve outro remédio de confiar apenas no Tempo para lhe ajudar.
Costuma-se dizer que o amor não só cura, como, também, pode ferir profundamente. Saber dominar a arte de amar é uma das lições que aprendemos na jornada da vida. Foi o que a rainha aprendeu ao longo da sua jornada. Ninguém iria salvá-la. Só ela podia ajudá-la a levantar-se e caminhar em frente. Salvadores e salvadoras só existem…. nos livros. Se a rainha queria uma salvadora, então ela teria de ser a sua própria heroína.
Entre a inércia e lágrimas, a Rainha sem coroa levantou-se e dirigiu-se à porta do seu castelo. Olhou ao seu redor e respirou profundamente. Agradeceu ao Universo pela oportunidade de poder amar, pois é um presente que muitos não sabem sentir, muitos dão por garantido e perdem quando menos esperam.
A rainha sem coroa aceitou que amar talvez não faria parte dos seus planos na jornada da vida e fez tréguas com a Vida. Finalmente, a serenidade abateu no seu coração doente. No entanto, ela nunca perdera a esperança de que um dia ele pudesse mudar de cor.
Anos passaram, a Rainha sem coroa manteve a sua postura de serenidade e alegria, uma falsa alegria, mas ninguém deu por nada, porque, mais uma vez realço, as pessoas não gostam de gente triste. Manda a regra da “positividade” que nos devemos afastar das pessoas tristes, pois estas são muito negativas e só colocam entraves na nossa jornada. Então, a rainha, com medo dessa negatividade "tóxica", fingiu ser feliz o tempo todo.
E fê-lo porque já bem lhe bastava ter o seu coração doente. Não necessitava de juntar isso a uma mente envenenada com desconexão e uma melancolia que persistia em picar a sua alma intermitentemente.
Isto é o resultado de tanta positividade falsa e tanta supressão de emoções. Isso, como é óbvio, não ia correr muito bem. Suprimir emoções nunca corre bem. Todas as noites, ela sentava-se no seu trono e observava a cúpula de vidro que mostrava o céu reluzente, onde as suas amigas estrelas a confortavam a sua solidão. De vez em quando, ela ainda chorava, mas as lágrimas eventualmente secaram. Só um olhar triste restou nos seus olhos, que com o tempo perderam o seu brilho. Só restou a sua vontade de adquirir sabedoria, e foi nos seus livros que ela passou a maior parte da sua vida. No entanto, com tanta sabedoria, tantos vislumbres de novos mundos e ideias, a sua vida era rotineira, sem brilho, sem cor. Era como se o mundo se movesse devagar e ficasse com tons pálidos. Com o tempo, ficou tudo em tons de cinza. Era assim a vida da Rainha sem coroa naquele castelo, que era um dos mais bonitos por aquelas andanças, mas por dentro era um silêncio que congelava a alma.
De muito longe, a Vida a observava. Mais uma vez, a Vida fez das suas. Mas, pelo menos, desta vez não foi mau.
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