A homofobia é uma palavra relativamente nova para a humanidade, mas antes ninguém poderia imaginar algo sobre o assunto. O preconceito era tanto que, em alguns lugares, as pessoas julgavam os homossexuais como pervertidos. Até mesmo em Framon, um reino próspero e amigável, tal situação era vista com maus olhos.
O único lugar permitido casais do mesmo sexo ficarem juntos se chamava Costa Estrela, uma cidade marginalizada e esquecida. Sim, o preço do amor, algo puro e bonito, também podia ser triste e sofrido.
Nossa história tem início no Reino de Framon, mais especificamente, na rua das Cerejeiras onde mora Celdo Mazzaro, um especialista em batalhas e braço direito do Rei Nilo, soberano de Framon.
Em sua mansão, Celdo, olha atentamente para o relógio de parede. As horas parecem não passar e a cada movimento do ponteiro, o coração dele pulsa mais forte. O motivo do nervosismo é a chegada de mais um herdeiro, o terceiro para falar a verdade. A movimentação no salão se intensificava, empregados e amigos da família esperavam o nascimento da criança.
Sem entender nada, o pequeno Romeu, de quatro anos, brincava e não percebia a agitação em sua volta. Em um ato brusco, uma das empregadas chuta a bola de Romeu que sai rolando até uma grande porta. O menino conseguiu agarrar a bola e ouviu o choro de um bebê do outro lado.
Curioso, Romeu entrou e ficou encantado com o tamanho do aposento. O quarto era grande e claro. Os móveis, na perspectiva do garoto, pareciam ter saído de um livro sobre gigantes. No Centro, o pequeno Romeu avistou uma cama e, apesar do medo de levar uma bronca, se aproximou.
— Vai se chamar Julius Albert Mazzaro. — disse Malody, a esposa de Celdo, segurando o pequeno bebê envolto em um lençol de seda azul.
— Porquê ele está sujo de sangue? — perguntou Romeu, deixando a bola de lado e subindo na cama com dificuldade.
— Oh, pequeno Romeu. — soltou Malody, surpresa, mas feliz ao ver a criança. — Venha ver o seu novo amiguinho. Ele se chama Julius.
— Oi. Julius. — Romeu se aproximou e pegou na mão do bebê.
O bebê reagiu à voz de Romeu e soltou uma espécie de gargalhada. Emocionada, Malody, garantiu que Romeu e Julius seriam bons amigos no futuro. Infelizmente, o momento de felicidade foi cortado por uma das empregadas, que pediu desculpas para a patroa e tirou a criança da cama.
— Espere. — protestou Romeu correndo e pegando a bola no chão. — Esse é o meu presente para o Julius. — entregando a bola para Malody.
— Que gesto lindo. — agradeceu Malody. — O primeiro presente do Julius.
17 ANOS DEPOIS
Os anos se passaram e a previsão de Malody tornou-se real. Romeu e Julius tornaram-se grandes amigos, eles faziam tudo juntos. Brincavam, dormiam e, claro, tomavam banho nos riachos e cachoeiras de Framon. A diferença de idade não atrapalhava, muito pelo contrário, a química entre os dois só crescia.
Após um dia agitado de treinamento, Romeu aproveitou para encontrar o melhor amigo. Ele entrou no celeiro, o último lugar onde Julius foi visto pelos empregados. A ideia inicial de Romeu era surpreender Julius, porém, as coisas aconteceram de forma diferente.
— Em guarda! — gritou Julius, surpreendendo Romeu ao pular em cima dele. — Pegue sua espada, cavaleiro real. Quero uma luta justa. — balançando uma espada na direção de Romeu.
— Tudo bem, justo. — retrucou Romeu, empunhando sua espada e sorrindo.
Apesar de magro, Julius era habilidoso com uma espada. Ele aplicou um golpe ensinado por Romeu, que reagiu da melhor forma que podia. Eles ficaram um de frente para o outro, esperando o melhor momento para atacar.
O coração pulsando forte, o suor escorrendo no rosto e atenção redobrada nos movimentos do inimigo. Julius não gostava de perder, mesmo para o melhor amigo, então, usou toda habilidade que adquiriu durante os treinamentos com Romeu.
— Em guarda! — gritou Julius, antes de atacar Romeu, que desvia dos golpes com maestria.
— Calma, rapaz! — Romeu pediu, girando para o lado esquerdo e fazendo Julius tropeçar.
— Ei. — passando direto e ficando de costas para Romeu.
— Regra número sete. — disse Romeu.
— Nunca dê as costas para o inimigo. — fungou Julius revirando os olhos e voltando sua atenção para Romeu.
Um ataque certeiro de Julius fez Romeu ficar de joelhos no chão. Então, ele mudou de estratégia e aplicou um golpe corporal, mas como Romeu é mais pesado, os dois caíram no chão, um em cima do outro. Os rostos dos dois ficaram bem próximos, na cabeça deles, os segundos tornaram-se horas, porém, um trovão os trouxe para a realidade.
— Pensei que estavas no Centro de Batalha. — falou Julius levantando com dificuldade e oferecendo a mão para Romeu.
— Teu pai me deu o dia livre. — pegando na mão de Julius e levantando. — Não tenho culpa de ser o escudeiro mais habilidoso.
— Claro. Você é o preferido dele. Queria que ele visse a forma como te surpreendi.
— Eu estou velho para essas coisas. — colocando a espada de volta na bainha localizada no seu cinto.
— Em breve, você faz 21 anos e vai tornar-se um cavaleiro real. Eu vou continuar aqui, passando os dias estudando fórmulas e cálculos chatos. — Julius deixou a espada em cima de uma mesa.
— Guerras são feias, Julius. O seu pai não quer que você se machuque. Eu, também, não. Romeu se aproximou e limpou o suor no rosto de Julius.
Realmente, a amizade entre os dois era bonita de se ver, porém, muitos na cidade viam essa aproximação com maus olhos. Enquanto caminhavam pelas ruas de Framon, Romeu e Julius eram alvos de comentários maldosos.
— Viu. Esses dois gostam de andar juntos. Deveriam ir para Costa Estrela. Lá que moram os mariquinhas. — falou o Sr. Patrick, padeiro local.
— Deixe disso. Se o Capitão Mazarro souber de seus comentários. — advertiu Cido, um de seus funcionários.
Apesar de ser habilidoso com a espada, Julius não tinha nenhum pouco de noção de espaço. Ele estava constantemente esbarrando em alguém ou tropeçando. Graças a Deus, Romeu o ajuda nos momentos de apuro.
— Sério, Romeu. Ela pegou a bola e tacou para longe. — Julius abriu os braços e sem querer derrubou um homem que andava ao seu lado. — Meu Deus, senhor. Perdão. — pediu Julius, ajudando o homem a ficar de pé.
— Perdão. — pediu Romeu. — Esse jovem é um pouco desastrado. — com um sorriso amarelo no rosto.
— Romeu, Julius. — chamou Celdo acenando para os dois.
— Pai? — soltou Julius.
— Vamos para casa. O cocheiro está nos esperando. — anunciou Celdo.
— Já? Tá bom. Preciso ir, Romeu. E desculpa pela surra hoje. — brincou Julius, abraçando o melhor amigo.
— Na próxima não vou refrescar. Até mais.
Ordem é uma palavra muito usada no vocábulo de Celdo Mazarro. Ele é responsável pelo Centro de Treinamento de Framon, local onde nascem os mais habilidosos guerreiros. Até mesmo, as pessoas que não eram daquele reino conheciam os feitos de Celdo, porém, até mesmo o mais imponente dos homens tem um passado obscuro, e isso, poderia trazer vários problemas para todos.
Pai e filho caminhavam na entrada da mansão, eles não conseguiam achar um assunto em comum, então, o silêncio reinava naquela relação. Antes de entrar em casa, Julius reconheceu o aroma agradável da torta de carne, o seu prato preferido na vida.
Além de Julius, Celdo e Malody tiveram dois filhos, Catherine e Bartolomeu. Apesar da severidade de Celdo, ele amava os filhos com todo o coração e queria o melhor para eles. Ao sentar à mesa, Julius, conseguiu devorar em minutos duas fatias de torta e um pedaço de bisteca.
A fome de comida do caçula dos Mazzaro só não era maior do que a de se aventurar no mundo das batalhas. Infelizmente, aquele tópico trouxe um debate acalorado para a mesa de jantar. Um dos maiores desejos de Julius era participar do Centro de Batalha.
— Seu destino é estudar e tornar-se um brilhante médico. — afirmou Celdo tentando manter a paciência.
— Médico? — soltou Julius fazendo uma careta engraçada. — Eu não quero ser médico. Quero participar de batalhas e...
— Deixe de ser tolo. O seu irmão, Bartolomeu é o único com habilidades para tal. Você meu filho, meu caro filho, precisa focar em outra profissão. — Celdo levantou e andou até o filho, então, pegou nos cabelos de Julius e bagunçou.
— Acho isso injusto. Vou fazer uma greve de fome.
— Você, greve de fome? Já não tem chance disso acontecer. — brincou Catherine, deixando Julius vermelho de raiva. — Deixe de ser bobo. Pense pelo lado positivo, irmão.
— Não consigo enxergar nenhum. — garantiu Julius, fechando a cara durante o resto do jantar.
— Desculpa, Julius. — pediu Bartolomeu, flexionando os músculos e fazendo várias poses engraçadas.
— Chato. — dando língua para Bartolomeu.
À noite cai em Framon e todos entram em suas casas para descansar. A temperatura estava agradável e uma forte brisa balançava as árvores da cidade. O único que não conseguia dormir era Julius. Ele continuava com a ideia de participar de um treinamento no Centro de Batalha.
Na calada da noite, o jovem entrou sorrateiramente no quarto de Bartolomeu, seu irmão mais velho. Os dois tinham uma ótima relação, mas nada comparado ao laço entre Julius e Romeu, o que despertava até uma certa inveja de Bartolomeu.
— Julius, não. O papai me castra se eu, pelo menos, pensar em te ajudar. — Bartolomeu afirma pegando em sua virilha. — E outra, o papai trabalhou bastante para nos dar esse conforto todo. Ele te protege, mas não é por mal.
— Eu sei disso. Claro que sei, mas...
— Vá com calma. Agora vá, eu preciso dormir. Tenho um dia longo amanhã. — pegando no ombro de Julius. — Você é um ótimo irmão, Julius. Pena que é um péssimo guerreiro. — expulsando Julius do quarto.
— Eu vou te provar, Bartolomeu. Serei um guerreiro melhor que você. — andando em direção ao seu quarto.
No dia seguinte, Julius procurou seu confidente, Romeu, para fazer uma revelação. Eles se encontraram na floresta, próximo a uma velha cabana. Aquele foi um local encontrado por Romeu e virou uma espécie de Quartel General dos amigos.
Ainda chateado pela decisão do pai de não o deixar participar dos treinos, Julius pensou em vários planos infalíveis, como por exemplo, entrar de penetra no Centro de Batalha e participar de uma luta. Como o mais velho da dupla, Romeu tentava ponderar o lado irresponsável de Julius, o que era uma missão difícil.
— Julius. Você é um rapaz diferente. Não nasceu para essa vida. — disse Romeu, sentando em um velho banco empoeirado.
— Diferente, diferente. — murmurou Julius, andando de um lado para o outro. — Estou cansado de todos falarem isso para mim. Sou muito bom com uma espada. Consigo derrotar qualquer um...
— Tá bom. Eu te ajudo. — revirando os olhos e cruzando as pernas.
— Obrigado! — exclamou Julius, que tentou correr na direção de Romeu, mas acabou tropeçando e derrubou o amigo da poltrona.
— Você é. — Romeu não conseguiu terminar a frase, pois teve um acesso de riso.
Longe dali. Nas montanhas geladas de Kinopla, região sul de Framon, o malvado feiticeiro, Cen Pentagon, bolava um novo plano para conquistar o reino. Durante anos, Cen ficou recluso esperando o momento certo de atacar. Através de uma bola de cristal, ele conseguia assistir a rotina de Framon.
Na penumbra de um castelo abandonado, o feiticeiro arquitetava seus planos diabólicos. A fisionomia de Cen era de um morto-vivo. Sua pele pálida estava ressecada; os olhos vermelhos brilhavam ao pensar na vingança contra o reino; no corpo, o feiticeiro ostentava vários símbolos que lembravam pentagramas.
Para não ficar sozinho, Cen decidiu criar um escravo, mas esse ato de desespero lhe custou uma parcela grande de poder. O nome do servo era Klaudo, uma junção de sapo, cobra e besouro, infelizmente, pelo menos para Cen, o monstro nasceu dócil.
— Mestre, o senhor precisa descansar. — pediu Klaudo, ficando de joelhos diante a presença de Cen.
— Eu não quero descansar. Eu quero acabar com o Celdo!!! — gritou Cen, que despertou uma tempestade sob o castelo abandonado. — Eu quero vingança, Klaudo! — vários raios atingiram o castelo.
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