E havia.
Ele era, afinal, o herdeiro de um dos maiores conglomerados de Seul, um nome que ainda pesava como uma sombra aonde quer que fosse. Mas Dongae havia rompido com tudo. Abandonou reuniões, festas, contratos. Foi parar ali, naquela cidade onde havia morado quando criança, e escondida entre montanhas, onde poucos lembravam da antiga linhagem e onde agora ele era apenas cheongjang, o prefeito.
— Senhor Dongae, a senhora Kim está esperando na sala de reuniões.
— Peça desculpas por mim, Hawn. Diga que
hoje... não posso.
— Já é a terceira vez essa semana. Eles
vão comentar.
Dongae olhou pela janela, a névoa
subindo entre os telhados da vila como um véu protetor.
— Que comentem. Melhor isso do que verem
de perto o que eu sou.
Hwan permaneceu parado na porta, braços cruzados, determinado.
— Senhor Dongae, com todo respeito, já passou da hora de enfrentar isso. A senhora Kim é paciente, mas a cidade inteira está esperando por uma resposta. Ela veio pessoalmente hoje.
Dongae fechou os olhos por um instante e soltou um suspiro contido.
— Trinta minutos. Nenhum um a mais — disse, levantando-se devagar. Ajustou a lapela do blazer e seguiu para a sala de reuniões.
A senhora Kim já o esperava, com uma pasta entre as mãos e uma postura firme, o tipo de presença que não se intimidava fácil.
— Senhor Dongae — disse, fazendo uma reverência respeitosa —, agradeço profundamente por me receber.
— Senhora Kim. Por favor, sente-se. Quero ouvir sua proposta diretamente da senhora.
Ela abriu a pasta, mas a voz era tão firme quanto sua convicção.
— Minha proposta é criar uma associação para mulheres e crianças da cidade. Um espaço onde as mães possam aprender atividades que gerem renda — como costura, culinária, cultivo, artesanato, até noções básicas de tecnologia. Enquanto isso, seus filhos ficarão em oficinas com voluntários. Não é só sobre dinheiro, senhor Dongae. É sobre dignidade, independência. Muitas estão presas em rotinas que não escolhem, apenas sobrevivem nelas.
Dongae a ouviu em silêncio, seus olhos fixos nela, mas havia algo distante no olhar, como se aquelas palavras tocassem lugares antigos dentro dele. Quando ela terminou, ele manteve-se calado por alguns segundos, antes de falar com a voz baixa e precisa:
— A prefeitura está com a maior parte dos fundos comprometida na finalização do hospital — disse, olhando para as próprias mãos por um momento. — Precisamos abrir aquele centro de saúde até o fim do outono. Então, não seria possível redirecionar verba pública neste momento, nem mesmo do setor cultural.
A senhora Kim abaixou um pouco o olhar, como quem já esperava ouvir isso.
Mas Dongae continuou:
— No entanto... há uma casa grande, antiga, que era da minha família. Está desocupada desde que me mudei para cá. Eu poderia cedê-la para esse projeto. Fica a apenas três quadras da escola central. Tem um quintal amplo, ideal para oficinas ao ar livre.
Hawn arregalou levemente os olhos. Sabia de qual casa ele estava falando.
— Além disso — Dongae completou —, farei uma doação pessoal para a compra dos materiais iniciais. Ferramentas, tecidos, livros, o que for necessário para começar. Não quero que a prefeitura arque com esse custo, mas isso não significa que vamos virar as costas para a cidade.
A senhora Kim o encarou com surpresa contida. Não esperava tanto.
— Senhor Dongae... isso é mais do que imaginei. Obrigada, de coração. A cidade vai se lembrar desse gesto.
— Espero que sim — ele respondeu, encarando a janela. — E espero que as crianças também. Afinal, são elas que vão herdar o que estamos construindo agora.
— Não será definitivo. Mas é um começo. Quando terminarmos o hospital e tivermos mais margem no orçamento, construiremos um espaço apropriado para a associação. Um centro com salas equipadas, espaços infantis, áreas de convivência. Um lugar digno.
Ela sorriu, emocionada.
— E até lá, a semente já terá sido plantada.
Dongae assentiu, com o olhar distante.
— Algumas sementes precisam de solo firme. Vamos garantir isso.
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