Rejected Family
Capítulo 1
Prólogo
“Hã? O meu desejo? Eu… eu quero ser da família mais rica da cidade!” Proclama uma pequena criança, em uma formosa praça.
Sua fala é acompanhada de um feito mágico: uma moeda aparece repentinamente nas mãos do garoto, que lança o objeto debochadamente para o ar e o agarra novamente, se mostrando para os outros em sua presença.
“Como você consegue ser alguém da nobreza falando isso? Parece com o desejo de um plebeu,” um colega de mesma idade o responde.
“Hein? E qual é o seu então?”
“Eu quero ser forte!”
Subitamente — de maneira inexplicável — um dos braços da criança adquire extraordinária massa muscular, se tornando visivelmente mais forte do que seu estado anterior.
“Seu pai não é um guerreiro de alto escalão?” Outro garoto levanta a indagação, coberto por uma elegante vestimenta social.
“É… Ele acaba roubando toda a atenção para ele.”
O pomposo rapaz dá seguimento à conversa, “Bom, o que eu mais quero é poder comer frutos do mar para sempre!”
O surreal ocorre novamente: dois suculentos camarões surgem em suas mãos. Aquele com os músculos excepcionais ergue as suas sobrancelhas, desapontado.
“Sem graça.”
O grupo então se vira para o outro lado da praça. O local está deserto. Uma reconfortante calmaria paira sobre a região, que parece estar plenamente vazia; com exceção de uma frágil garotinha, sentada solitariamente naquele vasto chão.
“Ei, garota. Você é da plebe, não é? Qual o seu desejo?” Questiona o garoto com a moeda em suas mãos.
A pergunta possui um tom de deboche que faz os seus colegas esboçarem sorrisos intimidadores em seus rostos. A pequena criança, de costas para os demais, aparenta se alimentar de algo. Após ser indagada, ela se vira lentamente para os nobres, limitada pela sua gritante timidez.
“E-eu… não quero de modo algum…” ela gagueja.
Enquanto o grupo a observa, todos ficam perplexos com o que seus olhos presenciam, começando a se demonstrar assustados.
“Ei, ei, o que é isso?” Um deles pergunta.
No espaço ao redor da garota aparecem dezenas de frutas diferentes, caindo dos ares em variados tamanhos e formatos, indo desde tipos mais exóticos, até as mais consumidas diariamente.
Nas proximidades dos seus pés, surgem diversos cortes de carne, englobando desde peixes e frango, até carnes vermelhas e industrializadas.
Sobre um de seus braços se encontram distintos carboidratos, como pães e macarrão, além de bolos minuciosamente detalhados. Sobre o outro, doces artesanais de imensurável luxuosidade.
A pobre criança se vira por completo, tremendo diante da nobreza. Com seu vestido rasgado e apenas um de seus pés calçados, ela olha fixamente na direção dos garotos.
“Eu não quero passar fome.”
Rejeite o limite, Parte 1
O Pé da Montanha. Com dezenas de vilas ao seu redor, espalhadas perante todo o seu comprimento, está a Montanha das Provações. O imensurável relevo possui o seu ponto mais alto como o maior alvo de atenção de todo o mundo: o Cume.
É no topo que se encontra a maior fortuna e prosperidade que qualquer indivíduo pode sonhar. A mais contida, porém mais desejada de todas as vilas. A menor, porém mais distante de todas as localidades, com as mais abundantes riquezas, mas com a menor população.
Aquele que chegar ao Cume terá incomparável tranquilidade, livre de quaisquer ameaças, vivendo a partir do descomunal esplendor do cotidiano. Enquanto para os que não o alcançarem… só os resta tentar.
“PARE!” Os moradores do Pé da Montanha escutam a voz da animada Toki, mais uma vez agitando as populosas ruas da mais extensa cidade.
A energética criança, corre pela área comercial do município. Incontáveis barracas e vendedores ambulantes preenchem o espaço deste lugar, juntamente à itens de armazenamento, como barris cheios de produtos alimentícios, além de caixas contendo centenas de utensílios.
Numerosas filas dificultam o fluxo dos consumidores, aumentando o nível de estresse que compõe a caótica atmosfera da vila mais baixa da Montanha das Provações.
“Ei, Nico! Assim a mamãe vai me trancar no quarto para sempre!” Exclama a garota.
Ela persegue Nico, um pequeno pássaro que possui bico curvo e afiado, bem como uma plumagem desalinhada e inconstante, a desordem concreta. Dificultando a situação, a criatura voa rapidamente pelo local.
“Nico, eu vou ficar sem comida!” Ela persiste.
No ímpeto da perseguição, Toki passa próxima a Kikyo, — sua mãe — que está fazendo compras em uma barraca de artesanato. A mulher pensa cuidadosamente sobre o que comprar, só se dirigindo ao atendente após ter certeza de suas preferências. Inconvenientemente, o tumulto causado pela sua filha atrapalha suas ações.
“Francamente, só vim comprar novos talheres. Como pode ser tão difícil sair de casa?” Desabafa para o atendente da barraca.
Toki tenta alcançar a ave, pulando em cima de pilhas de objetos cada vez mais altos, até ser capaz de subir no teto de uma barraca.
Diante de sua nova altura, a garota se aproveita do alcance obtido, gritando para o seu alvo, “Nico, se você continuar, a mamãe vai me bater!!”
O escândalo chama a atenção de quem está ao seu redor. Kikyo pode ouvir os outros murmurando em sua proximidade.
“Bater? Você ouviu isso?”
“Bater nessa fofura? Que mãe terrível!”
A mãe da criança respira fundo e apressa o vendedor de artesanato, “Ai, ai… você pode ser mais rápido? São talheres simples, é barato. Até estou com o dinheiro contado.”
Toki pula do teto de uma barraca, tentando alcançar a ave. Seu corpo se lança pelos ares, podendo ser vista por todo o setor comercial.
Com a forte luz do sol destacando ainda mais a sua presença, ela grita, “Nico, o meu rosto vai ficar roxo de tanto soco!!”
Ouvintes de toda a área comercial ficam boquiabertos. A mãe perde a paciência, se virando na direção de sua filha, constrangida pela situação.
“Toki, se você não parar de tagarelar, as pessoas vão acreditar! Desse jeito eu vou acabar sendo perseguida!”
A criança não alcança Nico e cai de cara no chão. Ela chora, berrando ao mesmo tempo. Desesperada e escandalosa, a garota continua correndo atrás do pássaro.
“Nico, a mamãe vai arrancar a minha língua!” Esperneia pelo local.
Ainda na espera, Kikyo pede por ajuda, “Fala sério… Muro! Dê um jeito na sua irmã!”
Focando a sua atenção no outro lado do setor, suas ordens são respondidas pela voz distante de um jovem rapaz, que se pronuncia de maneira confiante.
“Pode deixar!”
Na avenida principal da área comercial, — ao lado da rua onde se encontra a dupla de mãe e filha — um homem caminha aborrecidamente, cercado de um grupo banhado em fortuna. Walter chama toda a atenção local.
Vestes que parecem ter sido moldadas exclusivamente para cada um daqueles indivíduos, ternos e vestidos reluzentes, cujo corte se encaixa como um abraço em seus corpos, além de jóias que preenchem desde seus cabelos até os pés.
“Tsc, é sempre um desprezo andar por esse lugar.”
Os cidadãos ali presentes correm para os cantos da rua, abrindo caminho para os nobres. Dúvidas e medos são convertidos em inquietantes sussurros.
“Um desenvolvedor? O que ele faz aqui?”
“Eles nunca aparecem nessa vila. O que aconteceu?”
Um pequeno garoto — que tomava a mais deliciosa sopa de sua vida — é abruptamente empurrado em meio a multidão, derrubando sua desejada refeição.
Enquanto o conteúdo contido na tigela escorre pelo chão, o desesperado menino se agacha para consumir o alimento derramado.
“Por que ainda está aqui?” Walter pergunta para aquele que é o único cidadão restante em sua frente.
O garoto, que lambia o piso atrás de seu alimento, implora, “E-eu já estou de saída… só preciso de um pouco… usei minha última moeda nessa refeição.”
Um dos nobres que acompanha Walter chuta a tigela de sopa para longe e pisa sobre o que restou de seu conteúdo.
Diretamente no tronco do menino indefeso, um pontapé expulsa qualquer interrupção que havia sobrado no caminho da luxúria.
“Evitem perder tempo, rapazes. A ordem que recebemos daquele idiota é muito simples. Vamos encontrar a equipe de encrenqueiros e abafar a confusão.”
“Sim, senhor!”
“Como se atrevem a criar tanto problema em cima de um simples resultado?” O estresse crescia dentro de um dos subordinados.
Também adentrando na avenida principal, Nico voa em direção ao grupo de Walter, com Toki ainda em sua perseguição. A criança é a única habitante do Pé da Montanha que segue no centro da rua. Repentinamente interrompendo o seu longo choro, ela abre um sorriso em seu rosto.
“Caramba, isso até que é divertido. Pode continuar voando, Nico! Na verdade, seria mais justo se você andasse no chão que nem e-"
Toki esbarra em um dos nobres, com Walter bem atrás dele.
“O que está fazendo, pirralha?” O líder do grupo se enfurece.
“Ah, eu estava atrás da Nico. A mamãe ia acabar me afogando no lago se eu não fizesse isso.”
“Se retire, está nos atrapalhando.”
A garota prossegue em linha reta, desviando daqueles em seu percurso.
“A Nico é bem rápida voando, eu devia mesmo ir—”
Um agarrão segura a criança, que não consegue mais mover um de seus braços.
“Não está entendendo? Quando um desenvolvedor está nas ruas, vocês precisam sair do caminho,” Um dos homens se impõe.
“Apenas tirem ela daqui, vocês escolhem o método,” Walter ordena.
O suor toma conta do corpo da garota, que treme ao encarar o desconhecido. Uma altura cerca de três vezes maior que a sua, com o físico capaz de derrubar uma árvore. Era como se uma parede estivesse bloqueando a sua visão.
“Você ouviu o chefe, sem ressentimentos,” Engrossa o tom de voz, enquanto segura o cada vez mais escorregadio membro da pequena vítima.
Toki tenta se soltar, mas não obtém sucesso. O nobre a levanta pelo braço, se preparando para arremessar a criança para longe.
“Me…”
A garota tenta abrir a boca, juntando os últimos resquícios de energia no seu corpo, que para de se mover completamente.
“Me ajuda, Nico!”
“Apenas cale a boca e—"
O rosto do sujeito é esmagado por um certeiro soco. Cada milímetro de sua feição ameaçadora é coberto pelos punhos cerrados de um jovem rapaz. Aquele amedrontador agressor agora é impulsionado direto para o canto da rua, caindo por cima da multidão de cidadãos, após o impacto do inesperado golpe.
“O que tá fazendo com a minha família, esquentadinho!?!?” Pergunta furiosamente ao inimigo caído. De ombros largos e postura ereta, ele encara seu oponente com um saco na cabeça, escondendo sua verdadeira face.
Toki reconhece a calorosa voz do garoto, como um refresco capaz de relaxar toda a tensão sobre suas costas. Mamoru Muro tranquiliza a sua irmãzinha.
A criança — antes amedrontada — imediatamente se empolga, “Oh, você também serve! Mu—"
O mascarado tapa a boca da garota, impedindo que ela fale demais. Na sequência, ele a carrega em suas costas, fugindo para um beco escuro.
Os cidadãos ao redor riem do ocorrido, gargalhando perante os nobres, “Hahahahahaha, estão vendo isso!?”
“Você foi ótimo, moleque!!”
Walter perde o controle, “Só parem quando esse moleque estiver implorando por perdão.”
“Mas senhor, e a nossa missão?”
“Esse desgraçado acha que pode me transformar em uma piada e sair ileso. Você está certo, eu não posso desviar da ordem que recebi.”
“Profissional como sempre, senhor.”
“Então tragam ele para mim.”
“Hein?”
Distantes da confusão, Muro e Toki conversam, enquanto estão escondidos em um beco. O rapaz tira o saco plástico de seu rosto.
“Eu sabia que era você, Muro!” Toki se anima.
“Toki, não pode dar menos trabalho para a nossa mãe? Eu estava comprando sapatos novos. Você acabou com o meu momento.”
“Eu não fiz nada. A Nico que fugiu!”
“A Nico abriu a gaiola sozinha e voou?”
“Eu disse para ela não sair, enquanto eu abria. A culpa foi dela por falhar no teste.”
Muro espia pelo beco, para descobrir o que está acontecendo na rua principal. Dezenas de pessoas estão deixando o local, que se encontra a uma esquina de distância dos irmãos.
“O que deu nesses caras? Eles sempre evitam pisar aqui embaixo,” O garoto se questiona.
“Será que foi algum problema com a provação?”
“Mesmo assim, eles não costumam sair da cachoeira.”
A reflexão atinge pessoalmente o rapaz, que se recolhe, deprimido.
“Ah, droga. Eu nunca entrei naquele lugar…”
“Foi mal, toquei em um assunto delicado…”
Ao se perder em pensamentos, Muro tenta recuperar seu foco, procurando algo pelos céus.
“Você sabe para onde a Nico foi?”
“Sim, ela voou por cima dos nobres e se separou de mim.”
“Certo, então vamos voltar para lá.”
“Hã!? Vai brigar com aqueles malvadões?”
“Eu estava mascarado, lembra? Vamos caminhar igual a todos os outros na região, encontrar a Nico, e voltar para mamãe. Não vão me reconhecer.”
Toki raciocina rapidamente, tentando entender a lógica do rapaz.
“Você é um gênio, Muro!” Ela desiste de pensar.
“Hehehe.”
De volta à avenida principal, o vazio toma o lugar. Como se estivessem em um deserto, a dupla consegue visualizar amplamente toda a área, sem que nenhuma pessoa sequer atrapalhe sua observação. Barracas vazias e abandonadas no meio do serviço são tudo o que restou do lugar, que costumava ser o mais movimentado da capital.
“Muro, eu acho que a gente não deveria andar por aqui…”
“Do que tá falando? Enquanto eu estiver do seu lado, você pode ir para qualquer lugar.”
“Acho que essa situação é um pouco diferente.”
Caminhando pelo centro da rua, o garoto berra.
“Ei, Nico!! Vamos para casa!!!”
O chamado do rapaz ecoa em meio a solidão. Nenhuma resposta é obtida, o completo silêncio predomina na região.
“Onde a mamãe está?” A garota começa a repensar suas ações.
“Talvez umas três ruas pra trás. Você correu demais.”
Uma voz desconhecida é ouvida, vindo das costas dos irmãos, “Esse idiota realmente voltou? Vai facilitar o nosso trabalho.”
“Como alguém pode ser tão estúpido?”
“Não vai fazer a menor diferença deixá-los aqui. Deveríamos apenas voltar para o senhor Walter.”
Três nobres se preparam para o combate, almejando a dupla de irmãos.
"Sem problemas, rapazes. Basta sermos rápidos."
Muro se vira para trás, completamente surpreso, "Hein?"
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