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Tudo Aquilo Que Rasteja (texto)

Tudo Aquilo Que Rasteja (texto) I.

Tudo Aquilo Que Rasteja (texto) I.

Sep 24, 2024

I.

Em uma sala escura, ela desperta quando o ar encontra o caminho de volta para os pulmões. É como nascer de novo. Enquanto suspensa em sonho, imagens desconexas iam e vinham misturando-se umas com as outras até desaparecerem por completo, engolidas pelo vazio. Poderia estar ali por uma hora ou mil dias. Não saberia dizer ao certo.

Assim que abre os olhos, um arrepio de adrenalina percorre espinha acima. Os poros transbordam suor com o ritmo acelerado do coração. As pupilas oscilam de um lado para o outro, sem enxergar. Puxa o ar pela boca, tanta é a necessidade de respirar. Na cabeça, uma música toca. Qual é mesmo o nome daquele instrumento?

Se conseguir lembrar, vai lembrar de tudo.

Os sons se misturam com gritos. Meus ou de outros? A cada informação negada pelas memórias, o corpo treme em resposta. Inala cada vez mais ar pela boca, até se sentir tonta. Com tudo rodando, não presta atenção em nada além da náusea. Fecha os olhos com força e as perguntas pausam por um instante. Respira pelo nariz e busca entender onde está, analisando o que alcança. Estou deitada. Abre e fecha as mãos. Um líquido gelatinoso dificulta os movimentos. Imersa em uma espécie de tanque. Puxa o braço para cima. Não consegue. Tenta levantar a cabeça. A bile chega à garganta com o esforço. O medo de engasgar naquela posição a faz afundar o corpo novamente.

A visão se acostuma, mas só consegue enxergar até o pé. Uma luz branca irradia por debaixo de seu corpo e a permite ver a gelatina transparente que a cobre quase por inteiro. Tem uma sonda na uretra, é incômoda e arde. Não está nua, então precisa avaliar se existe abertura para retirar o tubo. Tenta mexer o pé de novo. Dois fios a prendem, encravados nos dedões. Força o corpo para cima mais uma vez. O fluido é denso, viscoso. Puxa o corpo até perder o ar. Grita, descobrindo-se com voz, ainda que rouca. Os olhos enchem de água, o peito explodindo com o esforço. Remove um braço, depois o outro. Aperta as bordas do tanque entre os dedos e usa a força restante para um último impulso. A gelatina estica como uma película de cola na mão de uma criança. O respiro sai esmagado, o coração erra uma batida. Seu corpo rompe a membrana final.

Sentia-se melhor com a cabeça mergulhada. Sentada, a exaustão toma conta de cada pedaço exposto. Os batimentos diminuem, o cabelo melado pesa, as pálpebras cedem à gravidade. Não posso dormir. Leva a mão esquerda em direção ao rosto. Sem pensar duas vezes, belisca a pele sensível entre os olhos e a bochecha com os dedos em pinça. Encrava a unha sem hesitação e a ardência dos cortes a desperta. A dor vai me ajudar. A dor não vai me deixar adormecer. Uma gota de sangue escorre pelo rosto. Com o coração acelerado e a ferida latejando, ela se lembra.

Me chamo Agnes.

Me chamo Agnes e tenho uma gata chamada Tisífone. Eu a chamo de Tine quando não estou puta com ela.

­— A. Agnesss.

Ela diz, experimentando a própria voz. A garganta inchada e dolorida a impede de tentar de novo.

Preciso sair daqui. Primeiro a sonda, depois o resto. A expectativa da dor é pior que a dor. Tem que acreditar nisso, senão nunca sairá dali. A expectativa é pior. Ela afunda a mão na gelatina de novo e, rompendo a resistência da substância, segura o tubo transparente que entra pela uretra. É pior. Começa a remover com cuidado, lutando contra a vontade de puxar de uma vez só. Arde tanto, não deveria arder assim. O local pulsa depois de remover tudo.

Poderia ter sido pior. E será.

Agnes analisa seus pés. Os fios, grossos e transparentes, parecem um cordão umbilical. Ela pisca devagar, a ferida do rosto não é o suficiente para vencer o cansaço. Impulsionando a pélvis para frente, estica o braço e toca no fio direito. Não sente nada.

Puxar o fio não vai doer nada. Não vai abrir dois buracos nos meus dedos. Não vai me impedir de sair daqui correndo, seja lá onde estou.

Então, extrai os dois juntos. Grita. Os pés queimam, a gelatina se mistura com o vermelho-sangue, não há ar nos pulmões. É como morrer. Os fios não saem depressa, encravados mais fundo do que imaginava, quase na altura do dedão inteiro. Quando volta a puxá-los, sente os pequenos tubos passarem por dentro da carne, arrastando no osso. O suor, escorrendo do topo da testa, faz os olhos arderem. Ela quer vomitar, o corpo sacudindo de nervosismo a causa mais enjoo. Puxa. Puxa. Puxa de uma vez. PUXA. Ela concentra toda a força e arranca os dois fios inteiros. Grita tão alto que fere a garganta e logo é coberta de sonhos de novo.

O sonho é diferente dessa vez. Nítido, real. Agnes admira uma árvore no jardim de sua casa. É isso que sente. Que aquela é sua casa. Ela ri. O rosto repuxado, os olhos apertados. Começa a correr pela grama. Então um menino surge. Não deveria ter mais que quatro anos. A face macia preenchida de sardas, o cabelo preto e liso bagunçado pelo vento. Agnes sabe que ele é igual a ela. O menino ri tanto que apoia as pequenas mãos nos pequenos joelhos e Agnes está tão feliz que uma dormência se espalha pelo corpo. É um sentimento estranho. Nunca havia se sentido assim.

 O sol batendo contra o menino dá a impressão de que ele é feito de luz, as bordas acobreadas dão um ar etéreo. Esse é meu filho, embora não me recorde do nome. Ele viveu em mim nove meses, é meu, dos pés à cabeça. É meu. Ela tenta gritar para que ele venha abraçá-la, mas não emite som. O gramado do jardim desaparece e o piso de cerâmica da cozinha surge em seu lugar. Não olha. Ela diz para si mesma, sem entender. Não olha, você não pode olhar. O suor volta a escorrer, a boca salivando de náusea. Ignorando os próprios avisos, ela espia por cima do ombro. O chão coberto de um vermelho profundo, quase preto e, no centro, um corpo estendido.

Agnes acorda vomitando. Os olhos arregalados, certa de que morreria engasgada. Tosse e força a cabeça para o lado. Tudo queima. Os pés, a garganta, os músculos. O líquido expelido, ela se vê imersa na gelatina, embora não por completo. Mergulhada em um misto de sangue e bile, o estômago vazio embrulha. Pelo menos posso sair daqui. Ainda tremendo por causa da dor, ela ergue o corpo. Senta na beira do tanque, com os pés imersos, preparando-se. Ela sabe o que vai acontecer quando tirar os pés do líquido viscoso, mas não tem escolha.

Quando Agnes se impulsiona para fora, ainda tenta se segurar nas bordas. A dor enfraquece seus músculos e ela cai com um baque seco no chão. 

marisc1995
maricardosoarte

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