Life hurts
And so do we
You are not a warrior
Just open up and sing
despite the pain
- Corvus & Draco, Despite The Pain
Existem pessoas de todos os tipos no mundo. Ela conhecia um homem em particular que diria que todos os humanos poderiam ser divididos em duas categorias: os gentis, e os filhos da mãe.
Veja bem, ela não se via como uma pessoa particularmente gentil, por mais que ele sempre dissesse que ela era. Talvez gentileza fosse algo relativo; de qualquer maneira, ela viu a necessidade de agir daquele jeito quando viu o adolescente sentado na frente do lago, parecendo tão desolado que não era capaz nem de se levantar quando a noite chegou.
— Garoto, não acha que deveria voltar para casa? Você tem que ir para a escola amanhã, não? — Ela perguntou, chamando a atenção do jovem.
— O que é pior do que se apaixonar pelo seu melhor amigo de infância? — Ele articulou, sem olhar para ela. — Amigo. Um outro garoto.
Ela o encarou por alguns minutos. Depois, suspirou e se sentou a seu lado. Ela tinha algo pior que aquilo.
— Se apaixonar por alguém que você odeia e que odeia você também. Se apaixonar mesmo sabendo que não há como ficarem juntos porque o passado entre vocês é doloroso demais. — Ela disse. Seu tom não era particularmente angustiado ou amargo. Na verdade, ela não mostrava emoção alguma em seu tom de voz. Seus olhos, por outro lado, estavam visivelmente tristes quando ele olhou para ela. — É quase imperdoável.
O adolescente encarou a figura da mulher, por alguma razão fixado em sua aparência, como se ela fosse a coisa mais estranha que já tivesse visto em toda a sua vida. Mas ela não era, com toda a certeza. Poderia ser, dependendo do ponto de vista, mas sua aparência era um tanto comum. Pele morena e cabelos cacheados, negros como os olhos. Ela era incrivelmente baixa, e não aparentava ser mais velha que ele.
— Você se confessou? — Ela perguntou, olhando para ele com uma expressão curiosa.
— Sim, e não foi muito bem. — Ele suspirou. Seu peito se contorceu em dor ao se lembrar do que acabara de acontecer.
— Seu amigo te rejeitou? — Ela perguntou novamente, arqueando as sobrancelhas.
O garoto permaneceu em silêncio, pensando no que tinha acontecido. Não, Jack não o havia rejeitado propriamente, já que havia fugido. Tinha deixado a resposta bem clara, mesmo sem palavras.
— Não tente adivinhar os sentimentos de outra pessoa, garoto. — Ela disse, como se lesse a mente dele. — Existem pessoas profissionais em escondê-los, e nem tudo é o que parece ser.
— Ele saiu correndo. — Steve disse, pressionando os lábios um contra o outro. — Literalmente. Eu... o beijei e ele saiu correndo. Não disse nada. Só... se virou e foi embora. Acho que essa é uma resposta bem clara, não?
Ela o encarou com olhos tristes. Não demorou muito para que Steve abrisse a boca novamente.
— Você não acha nojento? — Ele perguntou. — Eu.... Eu sou um cara, e.... Ele...
— Não há nada de nojento nisso. Não há nada de errado nisso. — Ela disse, colocando uma de suas mãos sobre o ombro dele. — Qual é o seu nome, garoto?
— Steve. — Ele disse.
— Veja bem, Steve. — Ela começou. — Não há nada de errado em gostar de alguém, independente de quem ela é. Não importa se ela é uma mulher, ou se é um homem. Não importa se essa pessoa não se identificar com nenhum dos dois. Amar alguém não é crime, não importa o que os outros digam.
— Mas.... Você não disse que se apaixonar por quem te odeia é....
— Quase imperdoável. — Ela assentiu. — Sim, eu disse isso. Mas não porque é um sentimento que deveria ser reprimido; não tem jeito de reprimir o amor por muito tempo, Steve. Além do mais, eu nunca disse que era errado. É só... extremamente não recomendado, porque dói. É parecida com a dor que você está sentindo agora, mas a sua ainda pode desaparecer.
Ela parecia séria enquanto falava tudo aquilo. Sua voz não aparentava sinal algum de ferida emocional, mas a mão que segurava o ombro de Steve e os olhos que encaravam o garoto diziam coisas completamente opostas. As mãos dela tremiam, e seus olhos pareciam vazios de qualquer emoção além da angústia.
— Você se arrepende? — Ele perguntou. — De... se apaixonar por essa pessoa?
— Não. — Ela respondeu quase que imediatamente. — Eu sou o tipo de pessoa que acredita que as coisas acontecem por uma razão.
— Então talvez o que tenha acontecido entre nós dois também tenha alguma razão. Talvez o universo queira dizer que não devemos ficar juntos. — Ele fungou e desviou os olhos dela.
— Não, Steve. — Ela balançou a cabeça. — Eu acredito que as coisas aconteçam por uma razão; tudo está interligado, para mim. Você se confessou para o seu melhor amigo, e está sofrendo de um coração partido antecipado, já que ele nem recusou seus sentimentos. — Ela disse, o que fez Steve se sentir mal consigo mesmo. Era verdade que nem havia deixado Jack responder à sua confissão, mas ela, uma mulher que ele nem conhecia, não precisava jogar na cara dele. — Você veio para cá, e eu passei no momento exato. Eu decidi falar com você e te ajudar. Qual é a razão por trás disso?
Steve encarou a mulher mais uma vez. Ela sorria, com outra emoção em seus olhos. Seria expectativa?
— Nós decidimos o que queremos fazer, Steve. — Ela continuou. — O universo não pode nos dizer o que podemos e o que não podemos. Somos humanos. Somos imperfeitos e extremamente arrogantes. Não aceitamos ordens que não queiramos.
— Você acha que está aqui para me ajudar a ficar com ele? — Steve perguntou, incrédulo.
— Não. Eu acho que estou aqui para te ajudar a aceitar quem você é e os seus sentimentos. — Ela disse. — Estou aqui para te dizer que não tem nada de errado com você. Gostar de outro garoto não te torna anormal ou nojento. Você ainda é você, e isso não vai mudar por causa da sua sexualidade, garoto. Não continue fugindo do que você sente e do que você é.
Steve sentiu novas lágrimas se formando em seus olhos já inchados. Era a segunda vez que chorava naquele dia, mas por um motivo completamente diferente. Da primeira vez, chorava porque se achava anormal, nojento, chorava porque pensava que tinha algo de errado com ele. Agora, chorava simplesmente porque aquela mulher desconhecida havia dito as palavras que ele precisava tanto ouvir. Chorava de felicidade e alívio.
Ela o abraçou, e ele não lutou contra isso. Enquanto ele envolvia a cintura dela com seus braços, ela passava os próprios ao redor dos ombros dele. Ele descansou a testa em um dos ombros da mulher, permitindo-se chorar e ser confortado mais uma vez.
— O que você pretende fazer agora, Steve? — Ela o perguntou quando as lágrimas do garoto diminuíram. Ele a encarou por alguns segundos, sem saber o que dizer. — Sabe que não pode fugir da conversa com o seu amigo. Os dois tem que se resolver.
— Mas.... Eu sei o que vai acontecer. — Steve disse, sentindo as lágrimas rolarem por seu rosto. — Eu estraguei nossa amizade, e ela nunca vai voltar a ser a mesma coisa. Eu estraguei tudo e não tem volta.
— Ah, Steve.... Talvez isso não aconteça. Talvez algo incrível esteja por vir, você só tem que continuar otimista, continue olhando o lado bom das coisas. A vida nunca tem um botão de restart, e não podemos voltar a fita e fazer as coisas de um jeito diferente. Aprendemos com nossos atos, crescemos com eles. Se você realmente acha que tudo o que você fez foi em vão e que sua vida vai acabar por causa disso, pense de novo. É difícil perder um amigo, é difícil se desentender com ele, mas é ainda mais difícil perder você mesmo. Não se esqueça de que seus sentimentos e o seu bem-estar ainda importam. Não se esqueça que você tem que continuar tentando, não importa quantas vezes você errar. O amor machuca, principalmente quando ele é verdadeiro.
E Steve voltou a derramar lágrimas. Provavelmente mais do que já havia derramado em toda a sua vida. Era difícil aquela situação, ambos sabiam disso.
— Steve, olhe para mim. — O garoto o fez. Havia catarro escorrendo de seu nariz e seu rosto estava completamente molhado. — Me prometa que você vai tentar, ok? Me prometa que você não vai se culpar por tudo que acontecer entre você e o seu amigo. Você não é o único que precisa lidar com o problema; ele também precisa pensar e esfriar a cabeça. Tudo pode acontecer. Tudo pode mudar. Acredite nisso, ok?
Steve sorriu para ela, tristemente. — Eu prometo, hm.... Qual é o seu nome? — Ele perguntou enquanto se levantava. A mulher o encarou por alguns segundos, antes de responder:
— Meu nome é Hel. — Ela sorriu sem mostrar os dentes.
— Eu prometo, Hel. — Ele sorriu mais abertamente, tentando enxugar as lágrimas de seu rosto. — Obrigado. Você... não tem ideia do que você fez por mim.
Ela se levantou também, e o garoto pôde finalmente ver o quanto ela era baixa. Deviam ser, pelo menos, uns trinta centímetros de diferença entre os dois. — Não foi nada. — Ela disse, coçando a nuca. Parecia envergonhada pelo agradecimento de Steve.
— Você me ajudou muito. — Ele teimou. — Você é uma pessoa muito gentil.
Aí está. Mais uma vez, outra pessoa a chamava de gentil, quando ela estava certa de que não era.
— Você não me conhece, garoto. — Ela disse, sorrindo de canto para ele. — Não sou tão gentil quanto aparento. Sou um dos piores tipos de pessoa, para falar a verdade. Mas obrigada, mesmo assim.
Ele sorriu e a abraçou mais uma vez. — Eu vou te ver de novo, Hel? — Ele perguntou com um mero murmúrio próximo à orelha dela.
Ela tirou uma caneta do casaco do seu bolso e rabiscou seu número rapidamente em um dos punhos do garoto, já que suas mãos estavam praticamente encharcadas. — Claro. — Ela disse, dando mais um de seus meios sorrisos. — Pode me ligar a qualquer hora, Steve. Se precisar de um conselho, ou se só quiser conversar.... Não tem problema.
Steve deu um sorriso. — Hel.... Muito obrigado. Sério. — Ainda haviam algumas lágrimas em seus olhos, mas havia felicidade no meio de toda aquela tristeza dentro de seu peito.
Assim, ele deu as costas para a mulher e foi embora.
— Boa sorte, garoto. — Ela murmurou. — Pelo menos você não se apaixonou por um completo lunático egocêntrico. — Hel deu uma risada, mas não havia felicidade em seu tom. Apenas amargura.
“Eu não sou uma pessoa gentil. Pare com essa palhaçada, Universo”. Ela pensou e voltou para o seu caminho, desviando seus pensamentos para um cara que não merecia nem o nome que tinha.
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