Contudo, antes de conseguir articular todos os seus sentimentos para Tamara, alguém se sentou ao seu lado, sem pedir licença nem nada. A cunhada franziu a testa, e se escondeu para não ser vista, deixando-o confuso. Quando olhou para o lado, Ivan quase gargalhou quando percebeu quem era. É claro. Era óbvio que ele pensar sobre linhagens e essas besteiras automaticamente invocaria ninguém menos do que Yakov Yulievich, o tio babaca de Aleksey. Ele era como um demônio, um espírito maligno que perseguia seu sobrinho e só aparecia nos momentos mais inconvenientes. Era evidente que estaria ali para ver a prova.
— Ivan Irinin — ele o cumprimentou com um aceno de cabeça, cruzando as pernas e olhando para a arena.
— Yakov Yulievich — Ivan retribuiu, ficando tenso e pedindo internamente que Aleksey não tentasse encontrá-lo na arquibancada. Ele não precisava de mais um fator de estresse. — Estou surpreso em vê-lo por aqui.
— Eu não podia perder a chance de ver meu sobrinho se humilhar publicamente. — Yakov deu um sorriso maldoso. — E eu já estava por perto.
— Você não pode ter tanta certeza de que ele vai se humilhar — falou Tamara, franzindo a testa numa expressão quase feroz, e desobedecendo completamente a regra que ele e Morena haviam lhe imposto de aconteça o que acontecer, não deixe o tio de Aleksey saber que você existe.
— Ah, vejo que temos companhia — respondeu Yakov com tranquilidade, se inclinando na direção de Ivan e Tamara como um gato preguiçoso. — Meu bem, você é nova demais para saber dessas coisas. Aleksey não sairá desta arena com o título de Alquimista Extraordinária.
— Bem, você também não tem o título — retrucou Tamara e Ivan levou uma mão ao braço dela. Ela o encarou, praticamente implorando para ele deixá-la continuar.
— Não vale a pena — ele sussurrou para ela enquanto Yakov ria.
— Um homem sábio conhece o seu limite. Meu sobrinho não é um homem sábio — respondeu Yakov por fim. — O que é bom para mim, claro, porque é fonte inesgotável de entretenimento.
— Bem, não podemos saber de nada antes do teste — Ivan procurou apaziguar, seu coração ficando ainda mais apertado ao pensar em Aleksey.
Yakov ali mudava tudo: Aleksey não tinha escolha a não ser vencer a prova. Ivan havia passado duas madrugadas inteiras costurando o feitiço analgésico nas calças térmicas que eles usariam embaixo do uniforme durante a avaliação, para tentar aliviar a dor que Aleksey sentia desde que seu tio atirou em sua perna, no ano anterior. Ainda se lembrava de como Aleksey estava quando ele e Morena praticamente invadiram a casa de inverno dos Barabash para tirá-lo de lá, das noites que ele passara sentindo dor e da humilhação que sofrera. Ivan gastara todo o seu tempo e toda a sua habilidade nas últimas noites para ajudar Aleksey a passar por aquela prova, e ambos haviam concluído que a daquele ano muito provavelmente seria de habilidade, não de resistência. Aleksey nunca aguentaria uma prova de resistência com a perna como estava, recém-cicatrizada.
— Ah, tem, sim — falou Yakov, aproximando-se de Ivan para ser ouvido. — Eu posso te garantir que Aleksey nunca vai passar nessa prova.
Algo gelou ainda mais as veias de Ivan. Ele seria capaz de reconhecer uma ameaça a Aleksey em qualquer lugar.
— O que você fez? — Ivan perguntou entredentes.
Yakov respondeu com uma gargalhada, fechando o sobretudo do uniforme do Exército que usava, exibindo a quantidade de linhas e estrelas que não significavam porra nenhuma para Ivan. O tio de Aleksey conseguia ser o pináculo de absolutamente tudo o que Ivan abominava, mas ele havia prometido para Morena que não faria nada impulsivo.
— Eu não fiz nada. Você sabe que não tenho poder algum sobre a Azote.
Yakov era o braço direito do Imperador, um general da Guarda Platina, pertencente a uma das últimas famílias nobres compostas inteiramente de Alquimistas. Se alguém tinha poder para manipular uma prova, era ele, mas nunca admitiria tal coisa em voz alta. Ivan olhou novamente para a arena, ajustando seus óculos para ver mais claramente a distância e voltou a mexer em seus anéis.
Precisou de toda a sua força de vontade para não dar um soco em Yakov ali, no meio de todo mundo. Seria tão fácil só virar, fechar o punho e arrebentar a cara dele, só um pouquinho, só o suficiente para ele nunca mais se meter na vida deles, para ele começar a ter medo só de chegar perto de Aleksey.
Porque a única certeza que Ivan tinha é que tudo o que acontecesse na arena naquela noite entraria na conta do tio de Aleksey.
Continua...
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CRÉDITOS
Autora: Isabelle Morais
Edição: Marina Orli e Val Alves
Preparação: Laura Pohl
Revisão: Lavínia Rocha
Diagramação: Val Alves
Título tipografado: Vitor Castrillo
Ilustração: Júpiter Figueiredo
Agradecimentos especiais aos Betas: Gih Alves, Franklin Teixeira, Thiago Lee, Ana Elisa, Fernanda Nia, Dayse Dantas e Diego Matioli
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