– ACELERADO! QUEM NÃO
TERMINAR O TRAJETO VAI FICAR DE ESCALA VERMELHA E SE ALGUÉM DESSE PELOTÃO FICAR
DE ESCALA VERMELHA EU TAMBÉM TEREI QUE FICAR VOCÊS QUEREM FICAR DE ESCALA
COMIGO O FINAL DE SEMANA TODO CADETES?
– SENHOR! NÃO SENHOR! –Respondeu o pelotão como uma única voz enquanto realizavam os movimentos que haviam sido ordenados minutos antes!
– O QUE!? EU ACABEI DE OUVIR UMA NEGATIVA DE TODO MEU PELOTÃO? ISSO É UM MOTIM?
– SENHOR, NÃO SENHOR! –novamente gritou o pelotão sem cessar as atividades!
– POR QUE ISSO NÃO É UM MOTIM PELOTÃO? –Gritou o oficial.
– NÃO ESTAMOS ARMADOS NEM DESOBEDECENDO A UMA ORDEM DO NOSSO SUPERIOR, SENHOR! –Respondeu o pelotão.
– Bom pelotão! DESCANSAR!
Imediatamente todos cessaram seus movimentos e assumiram a posição de descansar.
– Isso aí senhoras e senhores, vocês querem ser oficiais? Então precisam ser capazes de usar essa cabeça para algo a mais que carregar cabelo e segurar chapéu, mesmo que estejam realizando outras tarefas! É O MÍNIMO que eu exijo dos novos cadetes, estou cansado desses dinossauros de bocas grandes e cérebros pequenos. –O capitão olhava para cada um dos cadetes, muitos rostos familiares de filhos de outros oficiais que cresceram dentro das paredes dos quarteis em que ele trabalhara durante a vida, mas ao mesmo tempo alguns rostos eram totalmente novos, jovens que realmente traziam sangue novo a uma instituição velha e viciada.
– A VONTADE! – Ordenou o capitão e imediatamente o pelotão relaxou... Alguns faziam movimentos de alongamento outros se sentavam na grama para descansar, alguns mais corajosos ou mesmo sem noção se jogaram e deitaram esticando o corpo como se fossem fazer um anjo de neve na grama. Entre esses estava uma jovem de cabelos negros longos e esticados, olhos de um castanho âmbar e pele bronzeada.
– Cansei!
– O que D’Angelus? – Falou o jovem ao lado dela, um rapaz de nariz grande e cabelos arrepiados.
– Queria que esse dia acabasse. Essa sexta–feira parece que não termina, tá pesada.
– Fica tranquila, daqui a pouco dá hora do rancho e depois só fazer as aulas e encerramos o dia, vai passar o final de semana aqui ou vai voltar pra sua cidade?
– Acho que vou passar aqui! Tem a festa da Patrícia do pelotão B, tô precisando me distrair um pouco, não quero ficar com meus pais esse final de semana.
– Por quê? Seus pais parecem tão legais!
– Minha mãe tá me enchendo o saco por conta de ter decidido entrar pra PM, meu pai a cada três palavras a respeito da PM duas são falando mal.
– Ele é da Civil né? Sempre ouvi que eles se odeiam?
– Ele foi no início da carreira, mas até algum tempo atrás ele tinha largado tudo e foi pro ministério público, mas agora foi integrado nessa força tarefa “G qualquer coisa” e parece que tá revivendo a fase “Charlie” dele.
– Foda!
– Eu odeio isso! Única coisa que me chateia é que o meu irmão não entende muito bem por que eu não moro mais com eles.
– Ele tem 8 né?
– 9... vai fazer 10 no final do ano.
– Dá uma farda de presente pra ele, faz ele se orgulhar da irmãzona bilona dele.
– Boa ideia Danilo! Ótimo jeito de fazer meu pai e minha mãe ficarem putos comigo. –Falou a cadete sorrindo.
– Dei uma ideia, não disse que era uma boa ideia. –respondeu o jovem cadete sem perceber uma sombra se aproximando.
– Bonito, um ano de curso e vocês dois não aprenderam que “a vontade” no ambiente militar tem outro significado? –questionou o capitão Carlos olhando os dois jovens.
– Senhor sim... Não... Digo... –Começou a responder Danilo assustado, sem saber como responder o oficial.
– DE PÉ UM DOIS! –gritou o capitão!
Imediatamente todos que se encontravam sentados ou deitados se levantaram em um único movimento respondendo – TRÊS QUATRO!
– FORMAÇÃO E SENTIDO! –Ordenou o capitão.
O movimento foi instantâneo, todos os cadetes estavam rapidamente em formação e perfeitamente estáticos.
– Aqui não é bosque. Iremos agora retom... –As palavras do capitão são interrompidas pelo sinal do rádio comunicador em sua cintura.
– Charlie Papa Alfa QAP? Câmbio.
– Papa Alfa na escuta, prossiga! Câmbio.
– Papa Alfa, precisamos que libere uma cadete e a acompanhe até a sala do comandante. Câmbio.
– Qual o QRA do cadete e qual o QRU? Câmbio. c
– QRA D’ Angelus, Ligia, copiou? Sem informação sobre a ocorrência, siga as instruções. Câmbio e desligo!
O rádio se silenciou, o pelotão ainda em sentido tentava olhar para a cadete D’Angelus sem se movimentar, porém ela estava estática e assim permaneceu.
– Cadete D’Angelus um passo à frente. –Ordenou o oficial.
De pronto a cadete avançou a formação um passo, seu rosto estava inerte, porém o suor surgia em sua testa.
– A senhorita ouviu o rádio?
– Senhor! Sim Senhor!
– Muito bem, espero que esteja com sorte, pois eu iria fazer a senhorita pagar 20 flexões pelo seu desleixo de agora pouco. Porém acho dessa vez você escapou!
– ... –A cadete permaneceu em silêncio olhando fixamente para o oficial.
– Bem, Restante do pelotão... Dispensados! Podem ir para o alojamento e se prepararem para o rancho.
O pelotão rompeu marcha quando o capitão ergueu a voz novamente.
– Opa! Atenção!
Todos estacaram.
– Cadete Danilo! Se apresente!
O jovem cadete ergueu o braço e se dirigiu ao oficial ficando ao lado da cadete D’Angelus.
– como você também estava deitado eternamente em berço esplendido, vai pagar 40 flexões, 20 por você e 20 pela sua namorada.
– Mas senhor ela não...
– Está me questionando cadete?
– SENHOR, NÃO SENHOR! – Respondeu o militar se abaixando e começando a contar. –UM, DOIS, TRÊS!
– Me acompanhe D’Angelus, vamos ver o que você aprontou dessa vez.
– Senhor, sim senhor! –Respondeu Ligia rompendo marcha. Porém um pouco antes de seguir os passos do capitão ela olhou para seu colega. –Desculpa!
– SEIS! DEPOIS VOCÊ ME PAGA ISSO! SETE! VAI LÁ! OITO!
A jovem sorriu e seguiu correu para alcançar o capitão enquanto Danilo continuava as flexões sob o olhar atento de outros alunos.
– O que você acha que está acontecendo Ligia? –Questionou o capitão tão logo saiu da vista dos alunos.
– Capitão? –Ligia não entendeu o questionamento.
– Você está no curso de formação a um ano, quantas vezes viu esse rádio tocar?
– Poucas vezes senhor.
– Quantas eles não informaram do que se tratava?
– Não sei dizer senhor, infelizmente não me vem à mente essa informação.
– Nenhuma! –falou o capitão enfaticamente. – Você é uma das minhas melhores cadetes mesmo sendo um pouco descuidada, logo acho que não se trata de problemas com suas notas e seu comportamento mesmo sendo um pouco questionável, não é caso para conversar com o comandante, no máximo eles me chamariam primeiro e se eu não resolvesse aí sim, eles nos chamariam... Você para ser expulsa do curso e eu para ser repreendido pela minha incompetência.
– Não entendo capitão!
– O que você fez?
– Nada senhor!
– Era isso que temia.
Ligia olhou para o capitão com cara de interrogação. Ela estava nervosa, conversar com o comandante do curso de formação de oficiais significa possivelmente uma de duas coisas geralmente, más notícias ou excelentes notícias.
Os dois caminharam 15 minutos até se encontrarem diante de uma porta de madeira ao lado dela um soldado sentado em uma mesa balcão digitava uma carta e o ver o capitão se levantou e prestou continência que automaticamente foi respondida tanto pelo oficial quanto pela cadete.
– O comandante a aguarda Senhorita D’ Angelus, falo em nome dele que o capitão está dispensado e pode retornar as atividades, obrigado por trazê-la. –Disse o soldado, meio tremulo, afinal, não é todo dia que um soldado dispensa um capitão.
O capitão ficou um pouco desconfortável com a situação, mas deu de ombros, fez meia volta e se dirigiu para a saída, já Ligia levou a mão a maçaneta para entrar na sala da comandante quando o capitão a chamou.
– D’Angelus!
– Sim capitão! – Respondeu ela se virando e ficando em posição de sentido.
– Boa sorte e espero que não seja nada grave! –Respondeu o capitão prestando continência.
– O–Obrigada! –respondeu a cadete desconsertada, esquecendo - se de retribuir a continência e entrando tremula na sala do comandante.
Dentro da luxuosa sala havia uniformes, mapas, pôsteres de campanhas e bandeiras antigas, ao fundo dela abaixo da grande janela uma grande mesa de mogno com diversos papeis e objetos. Duas pessoas conversavam ao fundo, mas tamanho a distância entre a entrada e a mesa era difícil entender o que falavam e devido a luz que entrava pela janela quase não era possível distinguir os traços delas.
– CADETE LIGIA D’ANGELUS PEDINDO PERMISÃO PARA ME APROXIMAR.
As duas pessoas seguiram conversando sem tomar conhecimento da presença da cadete. Neste momento o telefone na mesa toca.
– Pronto?
– Senhora, a cadete D’Angelus acaba de adentrar a sala. –Responde do outro lado o soldado que estava escrevendo a carta e havia recepcionado a dupla de militares.
– Meu caro ordenança, você deveria ter me alertado da chegada dela antes da jovem estar quase três metros dentro da minha sala, porém muito obrigada.
– D–Desculpe–me senhora, é que... –o telefone estava agora desligado, o jovem soldado se sentou e bufou na mesa colocando o telefone no gancho. –Tô fodido!
– Entre e se sente cadete, se quiser pode se servir de café ou chá, fique à vontade. –Falou a oficial superior indicando a cadeira e uma mesa com entalhes onde encontrava–se um filtro de galão e uma garrafa térmica escrito “chá” e alguns copos de vidro e descartáveis. A Oficial era uma mulher na casa dos seus 50 anos, de compleição forte e com fortes traços indígenas.
– Muito obrigado senhora. –respondeu Ligia se servindo de um copo de água e se sentando na cadeira logo a frente da comandante.
– A senhorita conhece o senhor Rubens Paiva?
– Não comandante. Deveria?
– Na verdade, o ideal é que não me conhecesse, porém dada a posição do seu pai não seria estranho você saber da minha existência. –Disse o senhor de uns 60 anos, cabelos brancos e terno de giz, com aspecto austero.
– Eu estou confusa.
– O senhor Rubens é o diretor da Força Tarefa GAET a qual seu pai faz parte como investigador.
– A senhorita tem conhecimento sobre alguém chamado Ricardo Cardoso de Almeida?
– Do meu convívio não! Esse nome pode ser de qualquer um.
– Sargento Ricardo? –indagou Rubens tentando forçar alguma resposta.
– Por esse QRA eu só conheço o Sargento Ricardo da moto mecanização, é dele que se trata?
A Coronel acenou negativamente com a cabeça para a cadete.
– A senhorita teve contato com seus pais essa semana? Ou mais especificamente hoje?
– Comandante Carla! Por favor, poderia me dizer o que está acontecendo? –questionou a cadete já tremendo de nervoso.
– Acontece qu... –começou a dizer a Coronel Carla quando...
– Seus pais sofreram um atentado! –disse subitamente Rubens Paiva!
– O quê!? –exclamou Ligia deixando o copo de vidro cair ao chão se espatifando.
– PUTA QUE PARIU! –reclamou a coronel, o grito ecoou na sala. – Tu tem a sensibilidade de um tijolo né seu merda! –disse a coronel se posicionando atrás da jovem que estava congelada olhando para o velho de voz rouca.
– Temos motivos para acreditar que esse homem, o Sargento Ricardo Cardoso de Almeida seja direta, ou mesmo indiretamente, responsável pelo que ocorreu, estamos disponibilizando todos nossos recursos para esclarecer a situação e dando todo o suporte possível, porém precisamos levantar rapidamente qual o tamanho do vazamento.
– Vazamento?
– Seu pai aparentemente por um lapso deixou seu irmão mais novo tomar conhecimento de um mandado de prisão do senhor Ricardo, por azar não havíamos detectado que o filho dele estudava na mesma escola e isso veio a público em um confronto entre os dois.
– EU QUERO QUE TUDO ISSO VÁ PRO INFERNO!!!! COMO QUE ESTÁ MINHA FAMÍLIA!? –gritou Ligia em prantos, tentando se levantar e caindo de joelho diante da cadeira enfiando os cacos do copo nos joelhos. Sendo rapidamente levantada pela Coronel que a coloca na cadeira e corre para pedir para o ordenança buscar um oficial médico.
– É complicado dizer! –disse Rubens Paiva olhando para o corte no joelho da jovem que parecia não ter percebido o machucado ainda.
– Menina, calma... Disse a Coronel.
– CALMA!? ESSE BOSTA DESPEJA UMA CACETADA DE COISA NA MINHA CABEÇAE NÃO ME FALA ABSOLUTAMENTE PORRA NENHUMA!!!! O QUE ACONTECEU COM MINHA FAMÍLIA?!
– Olha o que você fala mocinha! Se não pela minha posição respeite minha idade eu tenho idade para ser seu avô! –disse Rubens ajeitando a gravata em um misto de nervosismo e arrogância.
– EU QUERO QUE SE FODA SE TU É O PAPA!!! CADÊ MINHA FAMÍLIA!?
Neste instante um médico e um enfermeiro entram na sala e logo começam atirar os cacos e rasgar a calça da cadete para terem acesso ao corte com mais facilidade enquanto ela é segurada pela coronel. –Tirem a mão de mim cacete!!! –reclama a jovem sem discernir o que está acontecendo no próprio corpo.
– Seus pais estão mortos!
A frase entra como uma faca no ouvido
de Ligia, a poucos minutos ela falara que não queria ver eles esse final de
semana, agora ela se dá conta de que nunca mais irá vê-los.
seu coração se comprime e esfria, ela sente como se todo o sangue de seu corpo
tivesse se transformado em ácido lático, a respiração dela fica pesada, a visão
turva. Ela sente como se algo dentro dela tivesse quebrado e sido carregado por
um vento gelado de tempestade.
– C–como está meu i–irmão? Q–Quem contou para ele... Onde ele está? –pergunta a jovem com a voz mole e fraca como se fosse desmaiar.
– Ele estava junto quando ocorreu e no momento está em cirurgia de emergência.
A pressão da jovem desaba e ela apaga as últimas palavras que ela escuta são os xingamentos da Coronel Carla em direção ao Senhor Rubens Paiva e a falta de tato do mesmo em relação a um assunto tão sério, depois disso é silêncio e trevas.
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