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Fatalismo - Livro Um - A Era Dos Lobos

Capítulo 02

Capítulo 02

Jan 11, 2023

― Ei, cara, apaga essa luz. Com a sala acesa desse jeito alguém pode vir saber o que estamos fazendo aqui.

O ambiente exalava um odor de produtos químicos e óleos, misturado ao cheiro de mofo nas paredes que há anos não eram pintadas ou raspadas. A poeira sobre os aparelhos velhos e a mobília limitavam suas áreas de contato com o espaço.

― Tudo bem, Gabriel. Ser representante de grêmio estudantil me permite algumas vantagens, como conseguir com o nosso coordenador a permissão para usar a antiga sala-laboratório de rádio para escrever o nosso projeto de conclusão. ― Diz Hugo, enquanto faz um gesto de aspas com os dedos indicadores.

― Só você mesmo para conseguir convencê-lo de deixar a gente ficar numa sala a sós enquanto o restante da nossa turma vai passar duas horas fazendo treinamento físico de sobrevivência.

Gabriel fala, em voz baixa e rindo, enquanto se levanta do chão onde estava sentado e vai em direção aos botões de luz para desligá-los.

― Você está diferente, está mais sorridente esses dias.

Gabriel pega sua mochila no chão, abre o compartimento lateral e retira dali um frasco. A etiqueta lateral contém uma insígnia com duas letras B em tamanho maior que o escrito restante, onde se lê o nome, seu número de registro e a quantidade de miligramas que contém os comprimidos.

― Devemos pular nossa dose de hoje também? Ele diz enquanto sacode o frasco e senta em um velho sofá.
― Como eu desejo que não precisemos nunca mais tomar isso. Eu me senti tão bem nessas duas últimas semanas sem tomar essa droga.

Ele se aproxima de Gabriel, colando seu corpo no dele.

― Hugo, você não tem a sensação de que quanto mais usamos esse remédio mais nos tornamos dependentes dele?
― Dependentes só do remédio? Parece que somos reféns de tanta coisa, Gabriel.

Hugo toma o remédio da mão de Gabriel e o levanta contra a luz. O pequeno feixe que incide no vidro e nos comprimidos faz o frasco reluzir no canto escuro onde o sofá em que estão sentados se encontra.

― Isso aqui, Gabriel, é mais que um remédio que nos deixa dependentes. É uma dívida com a Alcateia que a maioria da população nunca vai conseguir pagar.
― É difícil aceitar que nos cobram para termos uma mínima esperança de saúde. Quanto mais nos endividamos com o remédio, mais ficamos nas mãos desses líderes.
― Não me entenda mal, Biel, mas você é um dos que menos vai sofrer em débito com a Alcateia. ― Vai dizer que é porque eu moro na Cidade Modelo?
― Sim. Você mora na Cidade Modelo, o seu pai trabalha como diplomata para a Alcateia. Existem pessoas que moram na minha área, na Colmeia, e que trabalham como serviçais no quarteirão onde você vive. Além disso, você prestou atenção no que o Ruan nos contou, acerca de boatos vindos dos assentamentos de minério no Pantanal Perdido? Um grupo inteiro de mineradores desaparecidos, dados como mortos. Você acha que os familiares desses trabalhadores irão ter a sua dívida com a Alcateia perdoada pelo fato de um acidente ter matado os provedores dos lares, que morreram no serviço em prol da nação?
― É por saber dessas injustiças que a minha condição não deveria ser desculpa para que eu não me preocupe com as outras pessoas.
― Eu sei que você não usa sua condição como desculpa. Não é minha intenção parecer rude, foi mal. Ele admira Gabriel e acaricia a sua bochecha enquanto o outro volta a encarar o frasco.
― Hugo, estamos terminando a academia. O que será de nós e da nossa relação?
― Eu acho que será o mesmo que é a grande maioria de Nova São Paulo do Sul, porém com a diferença de não podermos viver abertamente juntos, como namorados. A lei constituinte de perpetuação da civilização impede isso. Você está com medo?
― Não é bem medo, o que sinto, acho que estou apenas perdido.
― Se sentir perdido é muita coisa, Gabriel. Bem, como você vem de uma família de diplomatas, acredito que você terá mais opções, como seguir a carreira dos seus pais, arranjar um bom emprego na Cidade Gestora ou até na Ilha do Governo. Já eu, descendente de imigrantes e morador da Colmeia, vou ter que me alistar na Alcateia e me tornar um lobo caso eu queira quitar as imensas despesas médicas que minha família tem.
― Sinto muito, Hugo.
― Do jeito que estamos lá em casa, mesmo que me torne um soldado, talvez morra de velhice ou envenenado pelo MG.N.8 antes mesmo de quitar tudo que devemos.
― Por que você não mencionou a opção de me tornar um lobo também?
― Por que? Você quer a opção de sofrer lavagem cerebral e virar um serviçal de luxo do IV Líder Alfa?
― Você estará lá e eu poderei estar próximo de você.
― Até que não seria mal chegar já tendo no meu batalhão alguém com quem possa contar para fazer uma meinha. ― Hahahaha, idiota. Só meinha?

Os dois riem e apoiam as cabeças um no outro.

― Não tem porquê sofrer por antecipação, Gabriel. Por enquanto o que nos resta é cumprir nosso papel de bons filhos e bons estudantes.
― Eu gosto do papel em que fingimos ser apenas bons amigos. Hugo sorri.
― Hoje nós ainda temos mais um papel a cumprir: o de bajuladores dos nossos líderes, aprendendo com essas aulas chatas e arrastadas.
― Eu não aguento mais as mesmas aulas de história todos os anos. É como se apenas as consequências da Grande Guerra Civil Mundial, e como a Alcateia chegou no poder, importassem. Essas aulas são quase uma punheta em homenagem a eles.

Hugo não freia o movimento de sua mão e a coloca sobre a coxa de Gabriel na lateral interna, que puxa firme a mão de Hugo e a repousa sobre seu peito.

― Só nos ensinam o que convém a eles aprendamos. Será que há algo na história não contada do mundo que nós devemos temer?
― Eu acredito que aprendemos fatos verdadeiros e que, ao mesmo tempo, não são verdade. Sabe, a Grande Guerra Civil realmente aconteceu e o cataclismo ambiental deixou provas vivas até hoje. Infelizmente estamos aprendendo apenas o que a Alcateia escolhe contar. O lado mais forte consegue ensinar a sua própria versão da verdade.
― A Alcateia sobreviveu à batalha às custas da miséria da humanidade remanescente. Com todo esse poder em mãos, é previsível eles se sintam donos do direito de contar o que aconteceu no passado.
― Eu só tenho mais uma coisa a dizer: ainda não acredito que estamos aqui há mais de trinta minutos e você está preocupado com as nossas aulas em vez de aproveitar que estamos sóbrios e que posso ver esse seu raro sorriso. 

Sua mão desliza sobre o peito de Gabriel, o polegar acaricia sua bochecha. Ambos já estão próximos o suficiente para sentir o ar quente da respiração. Um beijo suave e delicado acontece. Depois dois, três, quatro beijos mais intensos. O estalo baixo produzido pelo atrito dos lábios de ambos é o único som que ecoa na mente de Gabriel. 

― Hugo, eu estou preocupado com a nossa imunidade, é melhor eu não deixar de tomar a minha dose hoje. Estamos sem o Bluebird há duas semanas, isso deve alterar o nosso metabolismo.
― Se você quer, então façamos juntos. Ainda temos mais de uma hora com a sala só para nós antes do treinamento da turma acabar.

Hugo recolhe de dentro de sua bolsa um frasco semelhante ao de Gabriel. Ambos seguram os seus respectivos comprimidos em mãos e os encaram.

― Dizem que quando perdemos alguma dose e depois voltamos a tomar, ela age mais forte do que o esperado, comparada a de quem toma diariamente.
― É triste saber que vou apagar ao seu lado e acordar ao lado de um robô dopado.
― Já que eu sou um robô, quer dar uma última olhada no meu ferro?
― Fala baixo, seu bobo! ― Gabriel ri.
― Tomamos juntos?
― Sim, estou pronto.

Os dois jovens pegam o comprimido que devem tomar e colocam na boca, engolindo a seco. São poucos os segundos em que eles se olham.

― Tchau, Hugo.
― Tchau, Biel.

Um delicado e último beijo é trocado segundo antes de ambos ficarem tontos e perderem o controle do tronco, que joga seus corpos para trás, prostrados no sofá velho da sala, um ao lado do outro. Gabriel enxergou o teto girar e distorcer em diversos planos. Conseguiu ver as horas apontadas no relógio da parede, a última coisa que ele pode focar e interpretar com sua visão. Depois disso, apaga.

Bang! ― O som ecoou abafado e baixo.
Bang! Bang! ― Outros mais próximos e altos soaram.

Gabriel acorda com a visão embaçada. Na parede, o relógio marca o exato horário em que eles devem sair da sala. Ele olha para o lado e Hugo não está mais sentado. Há algo diferente no ambiente. Diante dele, uma pequena poça de sangue se forma e é ligada a um rastro mais longo, que se estica até o lado oposto da sala onde se encontra.

― Hugo? Hu... ah não, não, não, não, não!

A mão de Gabriel treme. Seus olhos seguem o rastro até onde encontra um corpo no chão, coberto de sangue.

As luzes começam a piscar numa frequência incômoda à vista de Gabriel. Um estalo ecoa e todas as lâmpadas da sala estouram. O breu toma conta do ambiente.

― Hugo? Hugo? O que está acontecendo?

Bang! ― Mais um som de tiro reverbera pela sala.

As luzes se acendem. Com as mãos sobre os ouvidos, Gabriel agora se encontra encolhido dentro de um vagão de trem. Sob os seus pés, há ainda uma trilha de sangue. No final dela, um corpo estendido com a face virada para sua direção. Gabriel sua, seus olhos estão abertos, sem piscar e com as pupilas dilatadas. Um choro engasga em sua garganta.

― Hugo?

É o corpo de Hugo estendido e morto dentro do vagão, porém, não está mais vestido com o uniforme dos estudantes. No lugar da vestimenta típica dos estudantes da academia, seu corpo está coberto pela roupa característica dos trabalhadores operários. Marcas de tiro na perna e hematomas por todo corpo e rosto deformam sua face.

Com passos lentos, Gabriel se aproxima do corpo, mas tem seu movimento impedido por uma mão com luva de couro que finca os seus dedos em seu ombro.

― Agora só falta cuidarmos de você.

Uma voz se projeta por trás de Gabriel, que sente a nuca enregelar.

Bang! ― O barulho cessa, Gabriel abre os olhos.

Está sobre a cama, deitado e coberto de suor, apesar de ambiente não estar quente.

― Foi um sonho, foi tudo um sonho. ― Ele diz a si mesmo. ― Hugo, o que fizeram contigo?

Faz muitos dias desde que ele recebeu a notícia do desaparecimento de Hugo. Desde então, não ocorreu nenhuma nova informação a respeito. Nos horários da voz da nação, Gabriel só tem ouvido falar de pequenas revoltas em diferentes áreas de Nova São Paulo do Sul.

― Será que posso criar a esperança de que eles ainda não tenham capturado Hugo?

Gabriel levanta da cama, descarta no chão toda a roupa suada e para diante de sua mesa. Nela, só consegue encarar o frasco de comprimidos pela metade. Pega um copo sobre o móvel lateral da cama e se dirige até a pia do banheiro para enchê-lo. A água tem uma tonalidade amarelada e Gabriel a encara com uma expressão de conformismo.

― Realmente. Estamos todos fodidos.

Colocando em uma mão mais comprimidos do que geralmente toma, e na outra segurando o copo com a água, Gabriel anda até os pés da cama. Leva a mão cheia de comprimidos até a boca e engole tudo de uma vez. Ali mesmo, após mais um dia de pesadelos, ele apaga. 
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