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Fatalismo - Livro Um - A Era Dos Lobos

Capítulo 01 - Parte 01

Capítulo 01 - Parte 01

Jan 04, 2023

O zunido que corta o vento passa pelos ouvidos como uma agulha que penetra um conjunto de fibras. Um som incômodo e constante que não impede Gabriel de manter certa apatia enquanto está sentado no trem, em sua longa viagem da Cidade Modelo até o distante Vale Histórico onde fica sua escola, uma das academias educacionais da nação.

Durante o trajeto, cenas da realidade onde vive passam como um filme diante de seus olhos. Enquanto percorre as estações da Cidade Modelo, Gabriel observa a paisagem local tão familiar, ordinária, nociva e mortal. Os trens, principais meios de transporte da nação, circulam sobre grandes e largas avenidas que dividem as áreas residenciais.

Pequenos e suntuosos edifícios de arquitetura latino-histórica permanecem de pé e são habitados pela classe considerada emergente, a nova elite sobrevivente do país. Apesar de vasta, a Cidade Modelo é considerada uma das áreas menos povoadas em Nova São Paulo do Sul, muito frequentada por diferentes pessoas, que todos os dias se deslocam até ela, com a obrigação de trabalhar nas residências, edifícios e realizarem a manutenção do funcionamento da cidade.

A fotografia do lugar onde vive chega a ser previsível para Gabriel. Uma cidade planejada sobre o que foram resquícios de outras civilizações. Nova São Paulo do Sul nasceu das cinzas da guerra e do que restou do mundo passado, sobrevivente do colapso ambiental global. Uma das primeiras nações que ditaram o novo ritmo de vida no calendário vermelho da humanidade. Atraiu pessoas de diferentes e extintos países com seu discurso de sobrevivência. Uma nação que cresceu sob a égide da ordem acima de todos, como justificativa para que a desgraça que assola a humanidade seja amenizada. Essa ordem é encontrada em cada esquina por onde as pessoas andam. Soldados-lobos vigiam e fazem a segurança para que cada indivíduo cumpra o seu papel predeterminado.

Cinza é a cor predominante na visão de toda a população. É encontrada presente no concreto das ruas e edifícios, no céu manchado por gases tóxicos, no ar poluído e envenenado, no metal dos meios de transporte, nas paredes que cercam e bloqueiam caminhos, e em parte nas armas da Alcateia. Da mesma forma que é fácil enxergar o declínio da humanidade a partir dos primeiros anos do calendário vermelho, é possível dizer o oposto de onde já não existe cor e vida. A natureza quase não é presente em Nova São Paulo do Sul. Mesmo na Cidade Modelo, ao se passar pela região da Colmeia e do resto do caminho percorrido pelo trem. Há ausência de flora, fauna e recursos naturais.

Os pouquíssimos animais que sobreviveram ao veneno presente no ar, foram retirados do convívio humano e são mantidos nas regiões periféricas da nação. As alterações climáticas e quedas bruscas de temperatura tornaram o meio ambiente extremamente frio para a sobrevivência de outras espécies.

Na noite anterior, enquanto jantava com o seu pai, Gabriel ouviu um anúncio com as palavras de ordem da nação. Nele, a população era informada de que a Alcateia, em parceria com o Holding Farmacêutico, está depositando recursos financeiros além do possível para o estudo dos efeitos do veneno nos seres vivos e, por isso, tanto a fauna quanto a flora seriam preservados para esses estudos nessas regiões distantes do contato humano.

Os recursos naturais se tornaram extremamente escassos. Poucas, porém poderosas, empresas ascenderam ao topo econômico por manterem um controle privado de água e produção de alimentos para a população. Esse grupo de empresários e burocratas, que operam sob a égide da Alcateia, formam a elite de Nova São Paulo do Sul e são comumente conhecidos como o Holding Farmacêutico.

Aqueles que não desejam se submeter à cobrança de acordos e taxas absurdos, ficam à mercê de alimentos contaminados e uma água de cor magenta escura. Gabriel nasceu, cresceu nesse mundo e a cada dia envelhece reconhecendo todos esses problemas. Sente que está cada vez mais difícil enxergar vida ao seu redor.

Nas ruas e nos transportes coletivos lotados de trabalhadores, todos carregam consigo uma extensão mecânica para sobreviver nesse novo mundo. As pessoas escondem os rostos usando máscaras que são conectadas por tubos em filtros de ar presos aos braços, próprias para respirar no meio externo. Apenas em suas casas ou ambientes devidamente fechados, e com um sistema geral de respiração que as isolem do ar venenoso, é que se permitem abaixar a guarda e não utilizar essas extensões. A população vive diariamente o medo de se envenenar, adoecer e depois cair nas mãos da Alcateia.

Em Nova São Paulo do Sul a higienização é extrema. Indivíduos envenenados adoecem e são estigmatizados como infratores, tratados como ameaça à ordem, exilados e restritos a uma vida de pobreza e miséria, como se recebessem uma segunda condenação à morte.

É difícil identificar pessoas conhecidas. A distinção para com quem interage acontece mais pelo reconhecimento das roupas e peças mecânicas do que pelas fisionomias. Mesmo nesse novo mundo, a separação por classes acontece inclusive entre os tipos de vestimentas. Gabriel reconhece e difere estudantes, serviçais, chefes burgueses e operários dentro do trem. Todos com seus devidos uniformes, roupas típicas e lentes de registro.

Devido ao clima instável e com ondas de calor e frio elevados de Nova São Paulo do Sul, quase toda a população protege suas cabeças com boinas, chapéus, turbantes e gorros. É comum ver, dentro dos trens e pelas ruas, cidadãos vestindo ponchos, sombreiros, batas, túnicas e mantas para se aquecerem no frio. Bombachas sendo opcionalmente adotadas por parte dos uniformes masculinos, mulheres com suas saias ciganas e que não negam a origem de seus antepassados. Talvez um dos poucos traços de identidade preservada entre diferentes etnias remanesça nos acessórios que as pessoas utilizam junto de seus uniformes. Em meio a todo esse caldeirão de identidades, Gabriel também nota a etiqueta das roupas, filtros e máscaras que separam as classes sociais. Para quem é serviçal e operário, é fornecido apenas resquícios de tecidos que eram utilizados no passado, como algodão e malha. A lã já não existe mais. Mesmo que a humanidade tenha zerado seu calendário e recomeçado a civilização, as pessoas ainda distinguem quem é rico e pobre pela aparência.

Os uniformes de todos os estudantes são fornecidos pela Alcateia, enquanto as roupas da elite e dos chefes burgueses, são confeccionados com o mais raro e aprimorado tecido, produzido unicamente em Nova São Paulo do Sul, o tecido de Marfim Fantasma. A Alcateia e seu exército utilizam as peças mais tecnológicas enquanto as parcelas menos favorecidas usam peças antigas e desgastadas, com a eficácia condenada contra o veneno no ar.

Do lado de fora, pela janela, ele enxerga, projetadas em um grande telão no meio do céu cinza e corrosivo, as notícias e palavras de ordem da nação.

― Vida longa ao IV Líder Alfa, grande honra à Alcateia e que os infratores encontrem a paz no exílio.

A âncora do noticiário conclui pronunciando essas palavras com a mesma expressão apática das outras pessoas. Todos no vagão repetem, em silenciosa voz e lábios trêmulos, essas palavras que funcionam como um mantra de sustento da sociedade atual.

Ao longo da viagem o trem esvazia como ocorre regularmente quase todos os dias. Ao se aproximar da divisa entre a grande área da Colmeia e o Vale Histórico, Gabriel sabe que está atrasado para a escola, no vagão há apenas ele de estudante e mais três pessoas espalhadas pelo espaço.

De súbito, uma luz neon no teto do vagão começa a piscar e uma mensagem é transmitida por uma voz eletrônica.

— Por favor, senhores passageiros e colaboradores da grande nação Nova São Paulo do Sul, fomos notificados da suspeita de que um infrator com alto índice do veneno MG.N.8 esteja embarcado nesta viagem. Contamos com a ajuda de todos enquanto os lobos à serviço da nação verificam cada vagão.

O coração dispara, Gabriel inspira, expira, e de repente sente como se algo dentro de si o tivesse dopado e coberto com a mesma apatia já apresentada.

Não demora muito para que quatro homens com o rosto coberto por suas máscaras em formato de focinho de lobo, uniforme militar modificado, com pequenas carapaças de proteção em sua superfície, quepes e suas botas de combate, entrarem no vagão. Pela cor azul profunda das máscaras, armadura e tecido, Gabriel reconhece que se tratam de peças raras, confeccionadas a partir do Marfim Fantasma. Em Nova São Paulo do Sul, não existe proteção física maior que a fornecida pelos metais produzidos com esse minério.

Com passadas fortes e um coldre em cada lateral da perna, armados com armas de curto e longo alcance e um bastão de metal contendo espinhos na ponta, os lobos avançam pelos corredores no trem. Os passageiros são ordenados em fila.

Como último a ser verificado, Gabriel espera e pensa ― Não há com o que se preocupar com este vagão. Há tão pouca gente aqui que a probabilidade é mínima.

Esse pensamento logo escapa de sua mente ao notar algo diferente no jovem operário parado a sua frente na fila. O vagão é altamente refrigerado e, desde que saiu de casa, ele sente que o clima até então tem sido ameno. Então como pode a gola do uniforme desse jovem estar tão úmida de suor?

Ao olhar mais atentamente, os dedos do rapaz tremem e suas pernas em alternância de apoio denotam algum tipo de incomodo.

Essa dúvida de Gabriel é respondida no momento em que, ao surgir uma luz vermelha em direção ao rosto do jovem, na leitura da lente de registro, é emitido o alerta de alterações nos níveis de intoxicação e sintomas.

Com arma em punho, o lobo ordena em alto e bom som que o rapaz estique o braço. O jovem operário começa a reclamar e discutir com o soldado em outro idioma, diferente do que é falado pela Alcateia. O dialeto latino afirma as origens dele.

No vagão, ouve-se somente a disputa de vozes dos dois, que não se comunicam, apenas gritam um com o outro. Outro lobo puxa o braço do jovem e uma amostra de sangue é recolhida.

Enquanto o aparelho de análise faz a leitura, antes mesmo de esperar o resultado o jovem denuncia a sua situação e nervosismo, empurrando o soldado a sua frente e correndo desesperadamente.

Bang! ― O som alto de um disparo é dispersado dentro vagão. Em sequência, outro som, o grito de dor do jovem estirado no chão, que pressiona a própria perna. O lobo foi certeiro no alvo, para impedir que se locomova.

Enquanto é algemado, a máscara do jovem é removida e ele recebe forçadamente, boca adentro, uma pastilha que Gabriel reconhece, pois carrega algumas em sua bolsa. Bluebird, a droga conhecida e legalmente distribuída que age contra o avanço do veneno no corpo.

Ao olhar diretamente para o algemado, o lobo pronuncia as palavras de ordem da nação. De nada adianta, o rapaz cospe na máscara do soldado. Fragmentos mordidos do comprimido atingem a aba do quepe e parte da armadura, no ombro.

― Crime contra a ordem da nação. Gabriel pensa, enquanto assiste perturbadoramente quieto a essa cena.
― Crime contra a ordem da nação! Outro passageiro ao lado dele fala em voz alta.

Soldados cercam o jovem algemado. Soltam seus bastões do coldre e começam a bater com toda a força. Gritos de dor ecoam durante o espancamento, e eles continuam a bater até que os sons e gemidos de dor cessam. Sangue continua a escorrer e se espalhar pelo chão do vagão.

Os passageiros restantes continuam enfileirados, imóveis, enquanto um quarto soldado os observa, de pé com a mão apoiada sobre a arma, em posição de alerta diante de qualquer outro civil.

― Ele estava se tornando um infrator, com certeza. Olha todo esse sangue vermelho espalhado. Só infratores imundos não possuem o sangue com a coloração roxa do remédio.

Diz o lobo enquanto esfrega para limpar o sangue do bastão, na bainha da manta de um dos civis assustados.

― Coloração roxa da droga. ― Gabriel pensa, mas não fala.

Após retirarem o corpo do jovem morto do trem, os passageiros restantes são remanejados e a cena do ato bárbaro, nomeado como ato de segurança pública, foi isolada para higienização.
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#thats_new #new_chapter #novel #scifi #science_fiction #lgbtq #bl #Action #adventure #romance

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uncle.fio
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começo bem cativante.

acredito que quem não é muito fã de ficção científica, ou de narrativas distópicas (como no meu caso), pode começar a explorar esse gênero em Fatalismo, e terá uma grata surpresa.

a construção do ambiente narrativo é bem sólido, e utiliza de elementos comuns a realidade.

a inserção de personagens abertamente LGBTQIAP+ é refrescante e instigante.

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Como ambos serão capazes de escapar da ditadura em que vivem, e de obter poder suficiente, para confrontar a realidade perversa a que estão submetidos diariamente?
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