Outro dia de estudo e perseguição. Se tem uma palavra que posso definir tudo seria fardo.
Por favor! Dois dias seguidos que quase morri por criaturas que me querem sem razão com essa história de sangue e que dou poder. Está sendo tão louco e ridículo do que acreditar que Neymar é o melhor jogador do mundo. Nada faz sentido.
Me sinto desapontado e chateado. Depois do frio banho e me olhando no espelho, só vejo uma simples raposa que estava esperançosa com tudo que conquistou e agora se encontra entristecida. Mesmo passando por tudo isso, não quero contar ao meu pai. Ele ficaria extremamente preocupado e pediria para eu retornar para a cidade, esquecer a universidade e viver não sei do que. Meu momento de suspiro e solidão se desvia quando Tanuki abria a porta do banheiro e me via de toalha. Não me incomodo com a presença dele. Ele estava com um band-aid no rosto que coloquei em cima do corte e trazia uma xícara de chá que eu já sentia pelo cheiro.
Acho incrível como alguém que luta contra demônios consegue estar de bom humor, diferente de mim que vivo machucado. Minhas orelhas estão para baixo juntamente com os olhos, braços e pernas moles e a zero motivação.
– Eu preparei um chá para você, Mestre – Tanuki disse.
– Obrigado, mas preciso descansar um pouco – eu olho para ele desapontado. Eu queria só ir para o quarto e dormir. – Tudo está sendo muito embaraçoso.
– Chá é perfeito para acalmar seu espírito, Mestre – ele abre espaço para eu sair, indo para o quarto com a janela aberta e o ambiente limpo, ao menos. – Por favor, senta na cama e tente descansar.
Não posso reclamar que ele é presente sempre para me ajudar. Tanuki é alguém disposto para tudo, esse alguém que preciso atualmente.
Sento e encosto na cabeceira, segurando a xícara que estava aquecida e levando até meus lábios para um gole. Chá verde, como de seu costume. Entre o chá e ele que me presta atenção, o único gole me fez sentir mais aliviado. Dou uma respirada e sinto o aroma adornar meu olfato, chegando para refrescar meu estado emocional e físico. Só o sorriso que seria difícil de sair, mas foi o início. Tanuki permanecia ao meu lado apenas observando com aquele band-aid no rosto.
– Obrigado por ter cuidado de mim – Tanuki comentou isso que eu levei um susto.
– Sério? – ele confirmava. Eu nem sabia como reagir a uma gratidão que deveria ser eu o grato. Ele apenas foi “curado” por mim com meus utensílios medicinais da modernidade. Mesmo sendo besta, eu sorri sentindo mais leve. – Bom, fico feliz por estar grato.
– Eu sei, Mestre. Agora você precisa descansar.
– Você não se incomodaria de me deixar?
– Por enquanto não.
Sua risada era divertida – e ameaçadora. Ele não questionou se poderia ficar no quarto como vigia. Apenas agradeceu e desejou o meu melhor, me deixando sozinho no quarto com a porta aberta. Em paz – eu acho –, a cama me convida para dormir enquanto o chá faz o preparo do corpo.
Apesar desse momento, melhor mesmo é tentar esquecer o que aconteceu hoje, o que é impossível.
O cochilo foi fundo e doce como eu queria. Nem senti o tempo voar e acordo preguiçoso perdendo a noção de tudo. Parecia mesmo que virei a noite trabalhando. O corpo está pelado, a toalha secando na janela e um bom ar vinha como pureza. Tento erguer o corpo e espreguiçar os braços, bocejando e sentindo os ossos estalarem. Tinha esquecido quão delicioso é espreguiçar o corpo e sentir...
Presença! Alguém na minha frente, encapuzado de casaco preto, jeans, uma máscara branca com um desenho de rosto e estranhamente um papel na testa com grafias esquisitas. Não consigo ver nada por trás da sua máscara e ele apenas ficava em pé me olhando com um sorriso desenhado na máscara que assustava demais. Me encosto na cama desejando uma passagem secreta em caso de emergência ou esperando que seja um sonho. A parte de eu estar pelado é o de menos. Ele não quer o meu corpo.
Repreendo isso!
– Fique calmo. Será um encontro breve – ele fala numa frieza que em nada me ajuda. Só me faz suar após a paz que tive.
– Saia daqui! – eu grito sem importar em chamar a atenção dos vizinhos. Seria uma boa. – O que você quer?
– Apenas alguns esclarecimentos e alertar do perigo que está correndo.
Agora não sei se ele disse isso como anjo da guarda ou o próximo a me caçar vivo. Olhando ao seu rabo e o pelo, presumo ser outro canino negro porque não dá para acreditar que até uma raposa está no meio do jogo.
– Não acredito em você – em contraio meu corpo querendo me afastar. – Saia daqui!
Ele não se moveu e nem reagiu. A máscara o dá a frieza que precisa para encarar os oponentes. O que eu preciso literalmente é uma ajuda e, caramba! Como que Tanuki não notou que tem alguém aqui?
Afinal, aquele gordo está aqui?
Eu gritei novamente querendo que ele suma e depois nem vi o que aconteceu. Ele pisou na cama e numa velocidade impossível dizer ele esteve frente a frente comigo, me encarando com nossos focinhos quase encostando e segurando a espada perto do meu pescoço. Indescritível demais para me fazer calar a boca e quase chorar. Meu coração parece que parou de pulsar e toda a frieza caiu em mim enquanto vejo meu futuro atrás dos seus olhos mascarados.
– Você é ousado para quem não sabe se defender – ele diz levantando a lâmina debaixo do meu queixo. Eu nem sei se tremia ou virei uma estátua. – Você tem muito a oferecer.
– O que está... dizendo? – gaguejo baixo. – Eu tenho...
– Na verdade, você é...
Sua voz era mais fria e forte, penetrando meus sentimentos e furando meu coração. Como estou com medo dessa espada me cortar!
Foram segundos de encaradas na força da máscara até que ele recuou a espada, guardando na bainha à sua esquerda. A maneira que ele guarda e a postura traz uma elegância além do som notável da arma, mas por pouco tive meu pescoço decapitado.
E também não é hora para elogiar.
– Perdoe-me – ele abaixa a cabeça, mas suspeito que os olhos estão erguidos. Eu tento passar além da cabeceira com desejo de estar longe. Sua máscara tem um sorriso largo e umas marcas de azul acinzentado, mas não dá para enxergar a cor de seus olhos. – Creio que está recebendo esses convites cedo demais. Você não tem noção de tudo que está vindo.
– Eu sei de nada – eu gaguejo ainda fraco. – Quem é você? Está me ajudando em nada.
– Apenas te alertando que muitos Yokais irão atrás de você e logo vai chegar a minha vez – ele disse “Yokai” completando que ele seria o próximo. Que maravilhoso de ouvir!
– Nunca pedi por isso! Por que está me caçando? O que quer comigo?
Ele se manteve em silêncio e erguia a sua coluna, sentando ajoelhado na cama e me olhando como alguém congelado. Não sei o que é mais fatal se o silêncio dos seus olhos ou a espada.
– Achei que soubesse da resposta, Ochiba.
A frase terminada com esse nome – se é que é um nome – me veio com um outro turbilhão de dúvidas que não me fazem achar sentido em nada. Ficava quieto olhando para ele e vice-versa com segundos de silêncios mortais.
– Como assim? Eu não me chamo Ochiba –argumento já mais alto.
– Desconhece a si mesmo – ele suspira. – Mas logo descobrirá o que estou falando e não se precipite. Seu tempo vai chegar como o meu.
– O que está falando?
– Todos estão te caçando por uma razão e é melhor saber disso antes que sua vida esteja em péssimas mãos.
– Razão? – eu parecia mais ousado e suicida, erguendo mais a coluna e argumentando mais alto. Já dúvidas, nenhuma esclarecida. – Se está falando do suposto sangue de tal bicho que eu carrego você está errado.
Ele não respondeu. Ficou calado me encarando sem saber o que estava expressando. Assim fica difícil dedurar. O que sei e que foi um choque foi que ele saiu de cima da cama e caminhou em direção à janela, subindo prestes a ir embora. Realmente foi um alívio gigante que ele esteja indo embora, mas não uma paz eterna; as suas palavras ameaçadoras e teorias de malucos que vão atrás de mim por causa da baboseira de sangue estão me dando tremores maiores.
Deve ser outro japonês doido também. Chego a dedurar que esse povo é tudo invade privacidades só para aterrorizar com histórias de terror.
Antes dele saltar, ele olhou para mim. Nunca pensei que uma máscara pudesse dar tanto tremor na espinha.
– Parte da razão você sabe – ele diz. – Espero te ver novamente, Ochiba.
– Por que está me chamando de Ochiba?
Para isso ele preferiu não responder de novo e saltou da janela, desaparecendo dos meus olhos e me deixando sozinho – de novo. Estou grudado na cabeceira suando feito cachoeira quando acordo e sou obrigado a encarar outra pessoa, possivelmente um Yokai.
Se ele é mesmo um Yokai, o que seria ele? Parece uma raposa normal, mas é difícil de ver seu rosto. Pela cauda e orelha, é preto; a máscara era medonha. Hoje em dia, quem usa isso com papel na testa?
Afinal, cadê o Tanuki? Onde ele está quando preciso? Levanto da cama pelado mesmo e vou para a sala à sua procura. Esquece se os vizinhos me escutaram ou não. Estou em perigo e é justa causa. Segunda vez que alguém invade meu quarto pela mesma janela.
O que devo fazer depois? Manter a janela fechada a vida inteira para não receber o Drácula também?
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