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Fatalismo - Livro Um - A Era Dos Lobos

Capítulo 07 - Parte 02

Capítulo 07 - Parte 02

Feb 01, 2023

Com uma expressão nítida de quem não acredita no que está sendo dito ou acontecendo ao seu redor, Hugo levanta da cadeira com um único impulso. O som das rodas enferrujadas nos pés arrastando sobre o chão compete com a voz do doutor Eric em volume.

― Nesses dias eu cheguei a pensar que o exílio não deveria fazer bem a ninguém, e agora o senhor me dá a prova disso. Você está prestando atenção no que está falando? Nós temos o que é preciso? Caralho! Olha só para essa sala, para os seus instrumentos. Eu sou muito grato pelo que você fez por mim, mas estamos em condição de miséria aqui!
― Hugo, me entenda, nós temos algo muito valioso aqui. Uma arma que até então nenhum deles tem.
― A tal cura?
― A verdadeira cura, um antídoto, a arma mais poderosa que falta a eles e que pode desestabilizá-los.
― Doutor, um antídoto não destrói armaduras de Marfim Fantasma, não irá atingi-los como o armamento bélico que possuem e nem irá imobilizar um lobo quando ele estiver com a arma apontada na direção do seu rosto.
― De fato ela não é capaz de destruir toda essa alegoria deles, mas a cura irá tomar de suas mãos a arma mais poderosa que possuem, o medo. Eu nasci na era do medo e você também, Hugo, mas meu pai não, muito menos o pai dele. O meu avô presenciou uma época em que o mundo se tornou presa de guerras e desastres climáticos. Sendo membro de uma família bem reconhecida no meio acadêmico, ele contribuiu ativamente em estudos que buscaram entender as ações e consequências do MG.N.8 no corpo humano. Grandes monopólios farmacêuticos disputaram uma guerra silenciosa de recursos e investimentos até que poucos deles desenvolvessem as primeiras formas de tratamento e conseguissem se reerguer da crise pós-Grande Guerra Civil. Levou alguns anos até que a civilização caminhasse em direção ao cenário atual que você conhece. O meu pai era um adolescente quando lobos armados e de rostos cobertos por suas novíssimas máscaras de Marfim invadiram a casa dele e levaram embora à força o meu avô, cobriram a cabeça dele com um saco de pano e o arrastaram porta afora com uma arma apontada na cabeça. Meu pai nunca mais esqueceu essa cena e me educou também para nunca esquecer a história da nossa família. O mesmo aconteceu a muitas famílias naquela época. Em nome da ordem, novos líderes se apropriaram da medicina e de todas as outras ciências, de instituições como escolas, da segurança civil e tudo graças ao poder do monopólio dos remédios. Acho que você já ouviu falar deles, o Holding Farmacêutico.
― Eu não sabia disso doutor, sinto muito.
― Tudo bem, Hugo. Isso afetou o psicológico do meu pai, não o meu. Durante anos ele se sentiu na merda, um sentimento forte o suficiente para que ele fincasse dentro de si os alicerces da vontade de derrubar a Alcateia. Como um sábio homem da ciência, meu avô manteve escondidos os registros de tudo que estudou e fez, todas as suas contribuições ao longo dos anos, assim como documentos com todos os envolvidos nas pesquisas. De posse desse material, meu pai se tornou mais do que outro homem da ciência na família, ele conseguiu ingressar no regime militar líder na época e que anos depois veio a se tornar a Alcateia.
― Eles nunca suspeitaram de seu pai?
― Não, Hugo. Eles precisaram do meu pai mais do que ele precisou deles. Foi aqui que tudo começou, nessas instalações no Vale das Ruínas, o nascimento da Alcateia. Meu pai nunca entrou em detalhes comigo, mas relendo alguns de seus relatórios perdidos, eu pude entender que as coisas que ele presenciou aqui o marcaram profundamente. Todos os testes em seres humanos, saques e sequestros às famílias durante a madrugada, a Alcateia não respeitou nem poupou nenhuma minoria, ninguém que consideravam descartável para a nova nação que estava nascendo. Todos os exilados eram trazidos para essa área e acabavam mortos ou levados à loucura, tendo a busca da cura como desculpa. Isso tudo foi, e ainda é, um genocídio e higienização humana.
― O seu pai não pôde fazer nada?
― Os anos de trabalho e vida dupla dentro e fora dessas instalações adoeceram a mente dele ao ponto de, sempre que eu o olhava nos olhos, não mais enxergava aquele homem com sede de justiça que meu pai foi um dia. Hugo se sente impactado com a história que acaba de ouvir. Em seus pensamentos ele tenta encontrar alguma palavra para consolar o doutor Eric, mas ao encará-lo falando com afinco e sem se abalar, ele percebe que talvez essa história já tenha se tornado passado consumado em sua vida.
― Aqui, área que foi o berço do novo regime, agora é pejorativamente chamada de mar de infratores. Um lugar abandonado e condenado à morte devido ao alto índice de pessoas intoxicadas e sem condições de adquirir filtros decentes para respirarem um ar minimamente menos nocivo. Hoje, o Vale das Ruínas é apenas um aterro sitiado de Nova São Paulo do Sul.
― Doutor, tem algo na sua história que eu não entendi. Se aqui é uma antiga instalação da Alcateia, como ainda não nos acharam?
― Quando a Alcateia surgiu, muitas coisas que aconteciam aqui não poderiam ser descobertas pelo restante do mundo, por isso é previsível que a construção dessa imensa instalação tenha sido tratada como se nunca tivesse saído do papel, nunca tivesse existido. Esse lugar foi escondido do conhecimento de muitos mesmo dentro da Alcateia. Um outro fator mais agravante é o nível alto de poluição que esse lugar apresenta. Aqui não é seguro sequer para quem carrega filtros e máscaras.
― Eu não sei se ter conhecimento disso alivia o meu medo e ansiedade, ou me deixa mais aflito sobre tudo de ruim que tenha acontecido aqui.

Hugo volta a encarar a sala, as telas, o computador, os objetos usados e finalmente entende de onde vem o desgaste do local onde está.

― O que trouxe o senhor até aqui?
― Diferente do meu pai e avô, não sou tão inteligente quanto você pode pensar. Mesmo com boa recomendação para ingressar na Alcateia, eu quis percorrer um caminho diferente. Virei as costas para o passado de meu pai e o que lhe levou à loucura. Decidi não servir diretamente ao regime e direcionei os meus estudos ao desenvolvimento tecnológico. Obtive muitos resultados positivos, mas as constantes recusas a ceder minha mão de obra para a Alcateia, somadas à minha necessidade de financiamento para que minhas pesquisas fossem autorizadas, puseram um alvo em minhas costas. Eu fui capaz de desenvolver o primeiro sistema operacional autônomo e livre de qualquer gerenciamento humano em Nova São Paulo do Sul. Ele é tão independente que possui suas próprias defesas e não precisa dos outros sistemas da Alcateia para funcionar, operando assim, por conta própria dentro da rede de dados existentes na Nação.
― Só de ouvir o senhor falar que ele funciona livre das ordens da Alcateia já me faz acreditar que isso não seria aceito, doutor.
― E não foi. Essa conquista se tornou minha ruína no trabalho. Fui traído no próprio meio acadêmico, denunciaram-me por crime contra a nação e tentativa de terrorismo. Eu, um doutor manco, dá para acreditar?
― Como você conseguiu sobreviver?
― Por possuir alguns poucos contatos confiáveis, eu fui informado de que seria preso horas antes de tentarem me emboscar. Ao ganhar tempo, consegui fugir e ser anunciado como morto sem deixar rastros. Eu sobrevivi graças a esse sistema operacional. Todos esses ocorridos me trouxeram de volta até esse laboratório e a este momento aqui com você. Estando exilado, eu retomei os estudos de meu avô e meu pai.
― Eu ouço você me contar essas histórias, mas só consigo interpretar que se trata de uma vingança pessoal, o motivo pelo qual você me mantém aqui.
― Vingança pessoal? A busca por um antídoto pode englobar uma vingança, mas não é apenas pessoal. O que aconteceu contigo, comigo, com a minha família, também aconteceu com milhares de pessoas. Sabe qual é a diferença entre todos nós, Hugo? O privilégio. A chance que nós temos e que essas outras pessoas não tiveram. Minha família teve o privilégio de estar em contato e estudar quem nos oprime, muitas outras não. Assim como eu, você também compartilha desse privilégio de conhecer os bastidores sobre aqueles que nos governam e tem correndo pelas suas veias o poder da mudança. Você não quer ver essa mudança acontecer na vida de todos? Não quer fazer parte disso? Nós temos em mãos a chance que vários antes de nós não tiveram. Sendo humanos com o mínimo de empatia um pelo outro, é nosso dever tentar salvar a vida dos que não possuem poder algum para mudar esse cenário.
― Não será fácil, doutor, somos apenas dois. O que vai acontecer com a nossa empreitada se formos mortos? Acha que seremos bem recebidos ao bater à porta da casa do IV Líder Alfa dizendo que temos uma cura e que ele deve descer do pódio e parar de aterrorizar nossas vidas!?
― Eu não disse que será fácil. Além disso, você está equivocado em dizer que estamos apenas em dupla. Há Henrico, que vem desempenhando um papel muito importante para a nossa segurança.

Um som de curto circuito é emitido de onde está a cafeteira, seguido de um estalo que corta a conversa entre os dois. Aparentemente a tomada conectada à parede entrou em curto circuito devido a uma infiltração próxima.

Eric levanta às pressas e, desajeitado para afastar o aparelho do local, quase derrama o café que acabara de ser feito.

― Droga! Não importa o quanto eu repare esse aparelho, cada vez mais rápido ele apresenta algum defeito. 

Segurando a máquina, Eric vai até outra bancada próxima em que há caixas de ferramenta e muitos papéis empilhados e amassados.

― Aceita um café enquanto espera eu verificar se ainda há salvação para isso aqui? Acredito que é melhor tomar um pouco agora, antes que esfrie de vez, sabe-se lá quando vamos ter café quente novamente.

Hugo acena que sim com a cabeça e, enquanto espera o doutor lhe entregar o copo, continua observando minuciosamente a sala onde está. Após o esclarecimento a respeito do local, tornou-se mais fácil imaginar que ali havia algum tipo de relação com a Alcateia, um ambiente onde é possível imaginar soldados e cientistas trabalhando.

Após os primeiros goles, Hugo direciona sua visão para a porta entreaberta e em seguida para Eric.

― O que você disse a respeito de um papel importante que Henrico possui? Por acaso ele é o sistema operacional que o senhor criou?
― Ele é muito mais complexo que um sistema operacional, porém eu compreendo o que você busca entender. O sistema que criei faz parte dele, mas há tempos ele deixou de ser apenas isso. Atualmente, Henrico é capaz de crescer e evoluir além de minha expectativa.
― O senhor não o fez robô desde sempre?
― Henrico não é um robô. O universo tem misteriosos meios de dar a vida por concebida, Hugo, dentro do atual corpo de Henrico corre sangue humano e dois sistemas vasculares distintos. No primeiro, flui um sangue puro, livre de qualquer rastro do MG.N.8, que considero eu, difícil para um ser humano atualmente. O segundo possui uma concentração elevada de Bluebird, outras drogas mais fracas e, inclusive, uma forma suprimida do MG.N.8.
― Como isso é possível?
― Assim que cheguei aqui, por garantia, eu precisei instalar o sistema operacional que criei para a reativar a instalação. Não demorou muito e ele dominou os computadores remanescentes e foi capaz de restabelecer o funcionamento de toda a tecnologia do local. Apenas por intermédio dele é que consegui acessar todos os estudos daqui, inclusive os deixados pelo meu pai e avô. Logo após me estabelecer e garantir minha segurança, pude retomar as pesquisas e entendi que precisaria fazer novos testes de antídotos. Foi a partir daí que nasceu Henrico, o sistema migrou para um corpo mecânico básico que criei e, com os avanços das pesquisas, ele mesmo se atualizou e modificou. Como nem toda a maré traz sorte, eu sofri com altos índices de intoxicação e a ausência da Bluerbird em meu sangue agravou meu quadro de saúde.
― Eu pensava que você fosse imune de alguma forma, doutor.
― Não, Hugo, estou mais exposto ao veneno que você.

Eric deixa de lado o aparelho que tentava consertar enquanto fala. Com um sorriso comprido, mas fechado em seu rosto, gasta alguns segundos olhando para fora, em direção à porta, em silêncio.

― Eu não sei como, Hugo, mas durante todo esse tempo, Henrico esteve estudando e se atualizando por conta própria. Sozinho foi capaz da façanha de implantar em si dois sistemas vasculares capazes de filtrar o sangue envenenado pelo MG.N.8 e pela droga. É graças a ele que eu continuo vivo, Hugo. Uma vez a cada dez dias faço uma transfusão que permite ao meu sangue ficar um pouco mais limpo, atrasando o avanço do veneno em meu corpo. Eu enfatizo ao dizer que Henrico é meu filho, pois ele compartilha do meu sangue dentro de si e desenvolve resoluções e reflexões por conta própria.

Hugo ouve tudo em silêncio, encarando o fundo do copo em sua mão.

― Acredito que já te sobrecarreguei de informações por hoje, Hugo. Aconselho que deite e descanse um pouco, pois seus ferimentos não estão totalmente cicatrizados. Fui capaz de criar o sistema mais inteligente da nação, mas estou tendo dificuldade para consertar um aparelho anterior ao marco zero do calendário vermelho. Henrico, por favor! Entre e me ajude levando essas coisas para a sala de reparo.

Enquanto Henrico entra na sala, Hugo desperta de seu breve transe e percebe que a figura em pé diante dele, mesmo que por fora não tenha mudado nada, aos olhos dele já não é a mesma que acreditou conhecer. 
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