Cláudio, que se arruma às pressas, já desistira de terminar de ouvir os informes. Prestes a desligar a TV, é interrompido por dona Célia.

― Não desligue, doutor Cláudio, eu estou ouvindo.

― Ah! Me desculpe, Célia, eu estou tão ansioso com essa reunião de hoje que nem os meus medicamentos parecem estar fazendo efeito.

― Dá para notar, doutor, sua roupa está bastante amarrotada. Parece que o senhor estava com a cabeça nas nuvens na hora de se vestir. Já se alimentou? Barriga vazia não deixa ninguém de pé.

― Eu queria ter mais tempo, estou sendo muito pressionado no trabalho. Hoje é um daqueles dias em que eu não posso me atrasar. Se você ainda estiver aqui na parte da tarde, é bem capaz de me ver aparecendo na transmissão que acontecerá hoje, próxima de onde estarei.

― O senhor ficou tão importante assim ao ponto de aparecer na TV? Se eu ainda estiver aqui, verei sim, mas não fique muitas horas fora, doutor Cláudio. Você precisa arranjar mais tempo para si mesmo e principalmente para o seu filho.

― O que tem o Gabriel? ― Cláudio pergunta enquanto termina de vestir o paletó e ajusta a fivela fixadora de seu filtro de ar no braço.

Dona Célia acena com cabeça, sem esperança, e se volta para as suas atividades.

― O senhor não tem jeito mesmo. Faz semanas que eu chego aqui e vejo o rapaz de cama, não come nada, se atrasa para academia e o senhor ainda me pergunta o que tem ele, doutor Cláudio?

Ele fica sério após ouvir o sermão que recebeu. Cláudio tem se dedicado com tanta força e energia ao trabalho que a sua serviçal sabe mais do que se passa dentro de casa que ele próprio.

Ele olha em direção à porta do quarto de Gabriel. De fato, já passa da hora de o filho ter levantado mas, em sua mente, Cláudio pondera e conclui que não é o momento de bancar o pai atencioso. Encontra-se mais tenso que o normal, é a primeira vez que recebe convocação para participar de uma reunião de extrema importância, e acredita que talvez, a partir daí, a vida dele e de Gabriel possa mudar. Cláudio engole seco, acena para dona Célia, se despedindo, e sai rumo ao seu compromisso. Já fora de casa, apesar de acompanhar cada minuto contado no relógio do trem, sabe que não há muito mais o que fazer a não ser esperar a chegada ao seu destino, na Cidade Gestora e Tecnológica.

É possível avistar de longe uma imponente e suntuosa torre apontando para o céu, cercada por prédios menores muito próximos uns dos outros. Tudo isso somado ao pano de fundo, um vasto vale deserto sem vida natural e sem moradias. De onde Cláudio está, parece admirar uma complexa e bem acabada maquete de arquitetura de blocos encaixados uns nos outros. A paisagem da Cidade Gestora é a mais tecnológica possível da nação. Inúmeros elevadores, escadas rolantes e com degraus, levam as pessoas aos prédios elevados e provocam uma visão emaranhada de conexões entre um edifício e outro. A tonalidade e claridade únicas das construções provocam a sensação de que tudo é uma única coisa.

É uma região da nação que nunca para. Enquanto em outras áreas a população carece de recursos e investimentos como saneamento, mais segurança e melhor qualidade de vida, lá aparentemente, não existem essas carências. Inclusive, juntamente com o Centro Operacional e a Serra Militar, é uma área que não sofre com apagões e racionamentos de energia. Nela se concentra a sede de todas as empresas que, junto com a Alcateia, possuem o domínio sobre Nova São Paulo do Sul.

Inclusive, Cláudio sai do trem e se dirige para a sede de uma dessas empresas. Respira aliviado por saber que não está atrasado para o trabalho. Ao longo de todos esses anos servindo como diplomata no gabinete de magistrados, ele nunca imaginou que chegaria o dia em que presenciaria a reunião de uma importante cúpula envolvendo, empresários e líderes da Alcateia.

Como já imaginava, a triagem e segurança de acesso ao edifício central é a mais rigorosa possível. Espera na fila e nota que há, de longe, sendo montado diante dos edifícios, no centro do pequeno coliseu, um palco e preparação onde possivelmente ocorrerá a transmissão de mais tarde, do discurso do IV Líder Alfa.

A imensa torre que avistou enquanto estava no trem, agora é o seu destino. Já dentro do edifício, é abordado por algum oficial que aguardava a sua chegada.

Cláudio é escoltado até o 78° andar. Assim que põe o pé para fora do elevador, é mais uma vez revistado e solicitado para que deixe seus pertences, com exceção de documentos e relatórios, antes de ser levado até a sala da reunião.

Achou que havia chegado na hora marcada, mas assim que adentra a sala, é tomado pela sensação de que a reunião já acontecia há bastante tempo. Todas as janelas estão bloqueadas por cortinas e a iluminação naquele momento é fraca, vinda majoritariamente de uma apresentação que aparentemente já se encontra na metade. O homem que apresenta interrompe a fala e acena para que Cláudio se sente no lugar reservado para ele. Durante esses poucos segundos, sente que os olhares de todos o fitam.

Assim que toma seu lugar, focou em entender o que era dito naquela reunião. Toda a concentração não o impede de notar que a sala é fortemente vigiada. Além das câmeras, há cerca de sete seguranças lobos protegendo a sala, cinco do lado de dentro e dois na entrada, do lado de fora.

Tamanho cuidado é justificável, pois, a uma distância separada por sete magistrados e empresários, é possível avistar, sentado na ponta oposta da mesa, o IV Líder Alfa. Entre todos da sala, ele parece o mais atento às figuras ao seu redor do que ao que é apresentado. Atitude oposta à do homem ao seu lado. Cláudio o viu poucas vezes na TV, mas reconhece o rosto, especialmente pela cicatriz próxima ao olho. É o chefe de segurança de Nova São Paulo do Sul, Marechal Afonso D., o homem que, abaixo do IV Líder Alfa, possui voz de comando sobre toda Alcateia.

Apenas a presença desses dois o intimida ao ponto de demorar para perceber quem é o homem que lidera a reunião, Dr. Douglas Gibson, o responsável por gerenciar todo o holding farmacêutico da nação.

Cláudio ainda tenta entender o porquê de ter sido o único, com exceção de seu chefe, um magistrado de anos de serviço, chamado para uma reunião que já havia começado sem a sua presença.

Algumas horas passam entre debates calorosos envolvendo empresários menores dos setores de alimentação, saneamento e magistrados responsáveis pela manutenção de áreas afetadas pela atuação dos mesmos. Cláudio consegue se atualizar sobre o objetivo central que envolve a apresentação do Dr. Douglas. A possível necessidade de exploração de recursos existentes nos assentamentos de preservação ambiental ao redor das minas do Pantanal Perdido e do Vale Histórico.

Entre acertos, rejeições e prestações de contas, Cláudio termina a reunião sem entender porque fora convocado. A não ser, talvez, pelo fato de o gabinete onde trabalha ser o responsável pela diplomacia com o Reino Liberal da Amazônia, única nação que faz fronteira com o norte territorial de Nova São Paulo do Sul. Mesmo que seja por isso, a presença de seu superior, que também ficou surpreso com a chegada de Cláudio, já seria o suficiente.

― Por favor, Dr. Cláudio e Magistrado, eu gostaria de pedir para que vocês aguardem um pouco, pois ainda temos assuntos a discutir. ― Disse o Dr. Douglas.

Cláudio, que já estava de pé recolhendo sua papelada, parou e assentiu com a cabeça, voltando a sentar ao lado de seu chefe. Foi nesse momento em que percebeu que a sala está quase vazia, com eles dois, Dr. Douglas, o IV Líder Alfa e Marechal Afonso, além dos seguranças que continuam a postos em suas posições.

Com a sala novamente fechada, sente-se mais nervoso que antes. A expressão impassível que estampa o rosto do IV Líder é substituída por um olhar sério e preocupante.